terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Comentários sobre a exposição Zeitgeist no CCBB

"A exposição “Zeitgeist – Arte da nova Berlim”  reúne, pela primeira vez no Brasil, um panorama consistente da respeitada comunidade artística de Berlim, traduzindo o espírito de uma época marcada por contradições e reinvenções. A mostra reúne pintura, fotografia, videoarte, performance, instalação e a cultura dos clubs berlinenses, na visão de 29 renomados artistas.
Marcada por duas guerras mundiais e dividida pelo Muro durante quase três décadas, a capital da Alemanha se reergueu das cinzas.  Da vida improvisada dos anos 1990, as contradições que caracterizaram a cidade, reinventada a partir de dois mundos, acabaram por formar, pouco a pouco, o Zeitgeist – espírito de uma época, a partir do qual a arte, a cultura e as relações humanas evoluem – que hoje projeta sua influência muito além da Europa Central e atrai artistas do mundo todo com seu magnetismo.
O percurso concebido para a mostra Zeitgeist é uma oportunidade de vivenciar alguns dos aspectos que fazem de Berlim um lugar encantado entre extremos, e que são recorrentes no modo de existir da metrópole. Como observadores atentos da vida da cidade, do mesmo modo que o pintor Adolph von Menzel (1815-1905), um dos maiores representantes do realismo alemão, os artistas da mostra exibem aspectos marcantes da capital da Alemanha."



Eu particularmente confesso que esperava mais. Em alguns módulos fiquei com a sensação de que a exposição não conseguiu traduzir tão bem a diversidade e a dinâmica que se atribui ao cenário artísticos berlinense contemporâneo, e até evidencia como o "alternativo" pode ser monótono e homogêneo. A única seção que me cativou especialmente foi a que expunha os panfletos com as programações das casas noturnas - emblematicamente em contraste com os fragmentos alusivos às trilhas sonoras e espaços, que em geral me pareceram indecisos entre a reconstituição e a insinuação, sem definitivamente estabelecer uma ponte sensível com os lugares, pois faltou história, contada com palavras ou com imagens. Claro, são as opiniões de um historiador de cidade e de música popular, não de um estudioso das artes, por exemplo. Estou mais que curioso para saber o que vocês acharam...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Passado-presente: ecomuseus e discussões contemporâneas [Tipologia 2015]



Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Escola de Ciência da Informação
Curso de Museologia
Disciplina: Tipologia de Museus - 2015/2
Professor: Luiz Henrique Assis Garcia

Alunos: Daniel Xavier, Janderson Rosa, Pedro Krettli, Vinicius Santos


 

“(...) o museu normal, qualquer que seja sua definição, é feito com as coisas; o museu comunitário é feito com as pessoas” (VARINE, 2005).





https://ecomuseuribeirao.files.wordpress.com/2011/07/fotos-nereu-0031.jpg


Na esteira de grandes questionamentos e embates dentro e fora dos museus na segunda metade do século XX surgiu a Nova Museologia, tendo no Ecomuseu a força das experiências em diferentes contextos para o desenvolvimento de uma museologia voltado ao homem e suas múltiplas realidades. A homogeneização não estava mais em pauta, mas sim a inovação e a criatividade, frente às insatisfações geradas por um museu de poucos e que silenciava muitos. Para ver os conceitos base dos ecomuseus e alguns exemplos aqui no blog, veja UMA NOVA MUSEOLOGIA: Os Ecomuseus e Ecomuseus: Patrimônio a serviço da sociedade.

O ecomuseu expande os limites da tradicional relação objeto-museu para comunidade-museu, abrindo-se para o debate das contradições e lutas que antes não eram colocadas. A relação passa a ser passado-presente, pois as questões do “hoje” trazem a necessidade de repensar o passado, sendo este não mais algo fechado em si mesmo que é dado a ver, mas sim como algo que pode ser repensado constantemente sob a luz da atualidade. Segundo afirma Mario Chagas,

O diferencial, neste caso, não está no reconhecimento do poder da memória, mas sim na colocação desse poder ao serviço do desenvolvimento social, bem como na compreensão teórica e no exercício prático da apropriação da memória e do seu uso como ferramenta de intervenção social. (2000, p.14)

A partir de uma visão mais voltada às diferenças, surgem ações mais envolvidas com seus contextos e que para além da comunicação para o público, o museu passa a voltar-se para seu entorno.


Projeto Descartógrafos em que foram produzidas cartografias participativas, criativas e afetivas, com população da região sul de Curitiba. Fonte: https://jardinagemterritorialidade.wordpress.com/newton-goto/

 




Cuauhtémoc Camarena Ocampo e Teresa Morales Lersch, colocam as mudanças proporcionadas por esse fenômeno chamado Ecomuseu:


El museo así se convierte em um instrumento para enfrentar el cambio. A través del museo la comunidad busca conservar La posesión de elementos de su patrimônio, por ejemplo El arqueológico, y de esta manera enfrentar el proceso de expropiación. Busca a La vez ofrecer um testimonio de los câmbios que han habido, muchas veces a través de la representación de un pasado o de conocimientos tradicionales que son fuente de orgullo. Busca abrir un contacto com otras personas, instituciones y comunidades, a través de um espacio donde puede presentarse em sus propios términos. Busca valorar su propia experiência, interpretarse a si misma, y así tener más elementos de juicio sobre los caminos que tiene hacia el futuro. Así, el museo se convierte em herramienta de desarrollo y de conservación dentro de la transformación. (OCAMPO; LERSCH, 2002, p. 132-133).







DEBATES

Para além da transformadora experiência dos ecomuseus, alguns debates dentro da museologia colocam questões que devem ser pensadas para que estes não entrem em processo de desgaste. Teresa C. Scheiner (2012) coloca algumas situações que os ecomuseus podem passar a longo prazo:

- se institucionalizam, adquirindo características próximas aos dos museus tradicionais, com lideranças assumindo para si o norte das ações destes museus;
- se compartimentam, seguindo a mesma lógica acima, deixando-se as escolhas feitas em grupo de lado e abrangendo somente parte das discussões da comunidade;
- se autoconsumem, fechando-se em si mesmos e não utilizando sua potente fonte de debates para ações reais;
- se extinguem, seja por falta de lideranças ao não conseguir se atualizar frente às novas questões do grupo, ou na dificuldade de fazer com que a geração mais jovem aproprie-se das questões do grupo.

Essas reflexões são importantes para não perder as excelentes ferramentas proporcionadas pela Nova Museologia, a de transformação social, de fuga da indústria cultural, partindo para um museu dinâmico e que sirva como espaço para reflexão.

Os museus tradicionais podem também utilizar-se de bases teóricas dos Ecomuseus para atualizarem-se, através de ações e discussões com seu entorno, um claro discurso que possibilite enxergar o “local de fala”, proporcionar a reflexão sobre verdades fechadas, inquestionáveis. Mas enquanto isso não é uma realidade facilmente encontrada, os ecomuseus percorrem seu caminho descobrindo cada vez novas possibilidades e permitindo à museologia a revisão de seus conceitos.



Museu de Território Caminhos Drummondianos. Fonte: http://www.fccda.mg.gov.br/40festival/index.php/component/content/article/2-uncategorised/6-dicas-turisticas


REFERÊNCIAS

BARBUY, Heloísa. A conformação dos ecomuseus: elementos para compreensão e análise. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Ser. v.3 p.209.236 jan./dez. 1995.

BRULON, B. Entendendo o Ecomuseu: uma nova forma de pensar a museologia. Revista eletrônica Jovem Museologia: estudos sobre museus, museologia e patrimônio. Rio de Janeiro, n. 2, 2006. Disponível em: <http://www.unirio.br/jovemmuseologia/documentos/2/artigobruno.pdf>.

CHAGAS, Mario. Memória e Poder: Contribuição para a teoria e a prática nos ecomuseus. II Encontro Internacional de Ecomuseus. Santa Cruz. p.12-19. 2000.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. O porvir do passado. Culturas híbridas. São Paulo: Editora USP, 1997.

OCAMPO, Cuauhtémoc Camarena; LERSCH, Teresa Morales. Los museos comunitários como una estratégia de desarrollo y conservación. In: POSSAMAI, Zita Rosane; ORTIZ, Vitor. Cidade e memória na globalização. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura, 2002. p. 131-140.

RIVIERE, Georges Henri. La museologia: curso de museologia / textos y testimonios. Madrid: Akal, 1993 533 p.

SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o Museu Integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan.-abr. 2012.
 

VARINE, Hugues de. O Ecomuseu. Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto Alegrense de Educação, Ciências e Letras, Porto Alegre , n. 27, p.61-90, jan. 2000.

Ponto e vírgula [Tipologia 2015]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
MUSEOLOGIA
TIPOLOGIA DE MUSEUS
PROF: LUIZ H. GARCIA

Alun@s: ANNA KAROLINE PACHECO,IGOR COSTA,LUCAS MORAIS,GABRIELA GOMES,LETÍCIA POZZATO.
 
Ponto e vírgula


Entre o final do século XVII e o século XVIII começavam as grandes discussões entre a diferença de arte e artesanato. Conforme o Xavier Greffe a "noção de obra de arte surgiu claramente dessa forma". Antes à religião ocupava o que foi mais tarde considerado arte, visto que, o museu parecia um templo. Com a discussão sobre o que seria uma obra de arte iniciou-se questionamentos sobre o compromisso artístico com a "beleza", o "gênio", a "aptidão", a "capacidade". As obras de arte passaram a ser contempladas no ponto de vista estético. O primeiro museu público de arte- Museu do Louvre - foi criado no final do século XVIII e tinha aspecto de galeria para exibição de obras primas das coleções reais. Após, na era Napoleônica tornou-se grandioso e exibia os trunfos do seu Governante em guerras. O museu era um local de reafirmar o poder do Governante pela arte conquistada.



De lá para cá, a finalidade do museu foi se moldando a partir de sua tipologia. Afinal, um museu de ciências naturais tem finalidade de transmitir conhecimento de forma diferente de um museu de arte ou um ecomuseu. Pensando nesse percurso ideológico, os museus de arte, desenvolveram sua própria concepção. Tal desenvoltura é facilmente percebida no enquadramento da fotografia como um dos tipos de arte contemporânea. Esse tipo de obra é a imagem prática da modernidade. Ela apresenta um modelo estático de representação de ambientes e pessoas, porém, com a mesma capacidade de promover apreciação do espectador. Maria Cecília França, em seu livro Museus Acolhem Moderno, questiona se os museus sobreviverão a tamanha modernidade e arrojamento (não só das fotografias, mas como todos os tipos de artes que estão sendo exploradas).




Afinal, as (belas) artes modernas estão a cada dia ultrapassando as quatro paredes das instituições e vivenciando os ares externos e improváveis do mundo esquizofrênico que vivemos. E não é só isso, a cada dia que se passa, os profissionais de um museu estão submetidos às dificuldades de captação de público, investimento, valorização profissional e qualificação de mão de obra. Os museus vistos como empresas colaboram com a redução dos números de instituições museológicas.

Cecília França é pontual:
Nossos museus de arte ficam à mercê de vontades pessoais, carecendo de processos de continuidade e dependendo de quem lidera. Por vezes, técnicos remanescentes e inconformados de não serem alçados à direção engendram poderes paralelos, com prejuízo para a rotina. Quando os museus estarão livres de perfídia, conquistarão autossuficiência, independência, maturidade e respeitarão decisões dos técnicos abalizados, deixando, tais práticas, de serem honrosas exceções? (1997)

Como qualquer empresa e qualquer instituição os museus estão submetidos aos processos de mercado. Nesse sentido, a produção artística começou ser valorizada a partir de obras de determinados artistas que possuíam acesso às instituições museológicas ou mercadológicas.




Assim, com a complexidade da definição de (boa) arte, será que o que vale mais é o que foi ou está exposto no museu? No nosso ponto de vista a resposta é clara: não. Se o que não está exposto no museu também pode ser arte, o papel do profissional – do museólogo – é justamente realizar um diálogo entre gestão (e suas dificuldades) e a arte que é objeto/finalidade/função dos museus. O caminho é longo, árduo e, possivelmente, sem rumo. Mas se torna cada vez mais interessante descobrir e compreender o que é arte e como tornar o museu de arte acessível, arrojado, desafiador e educador. Não se assuste, caro leitor, os museus sobreviverão a modernidade, e é exatamente por isso que não podemos colocar um ponto final nessa discussão, mas sim um ponto e vírgula.

Referências bibliográficas:

GREFFE, Xavier. Arte e mercado. Iluminuras, 2013.
 
LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999.

A concepção dos museus sobre as questões indígenas no país [Tipologia 2015]



UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
DEPARTAMENTO DE TEORIA E GESTÃO DA INFORMAÇÃO
CURSO DE MUSEOLOGIA
DISCIPLINA; TIPOLOGIA DE MUSEUS
PROFESSOR: Luiz Henrique Assis Garcia

Alessandra Maria Guimaraes de Menezes
André Luiz Lara Lima
Daniela Luisa Fernandes Barbosa
Luana do Carmo Pirajá Ferraz Santos
Maria de Lourdes Oliveira e Silva

A concepção dos museus sobre as questões indígenas no país

Às voltas com a aprovação definitiva da PEC 215 por parte do legislativo federal brasileiro, no qual o Congresso Nacional passa a dar a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas, assistimos a mais um capítulo de retrocesso na condução das combalidas políticas em defesa da causa indígena no país. Passados pouco mais de quinhentos anos do "descobrimento" da Terra Brasilis, o nativo dessa terra, perseguido desde sempre pelo colonizador, se vê na contemporaneidade, através da inócua atuação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), praticamente esquecido pelo Poder Público. O que se tem verificado, é uma sociedade que mesmo após a independência e a implantação do regime republicano no país, continuou a cumprir com “louvor” a política etnocêntrica e segregacionista promovida pelo colonizador europeu em relação a esses grupos autóctones.
No século XIX, para efetivação desse olhar etnocêntrico, a recente república brasileira lançou mão de um aparato institucional, que atuou como instrumento de persuasão, fundamentando didática e simbolicamente a concepção do índio como selvagem, primitivo, e por isso, inferior. Passível, portanto, de toda a sorte de intervenções por parte do poder "civilizador". E é nesse contexto que as instituições museológicas de caráter etnográfico vão atuar no Brasil, contribuindo para formar, junto com as instituições educacionais – e seus famigerados livros didáticos –, o arcabouço que serviu para legitimar a visão unilateral de superioridade de uma sociedade sobre outra.
Deste modo, o que se viu, foram inúmeras práticas estabelecidas nos museus, voltadas ao estudo e representação dos povos nativos pelo viés etnocêntrico. Dentro dessa dinâmica, que nega o direito a mínima autonomia para falar de si mesmo, o índio foi representado dentro dessas instituições, segundo a nossa ótica capitalista e urbana, sendo colocado sistematicamente como o "outro" que está sempre "aquém", nunca igual ao grau de civilização vivido nas cidades. Sem respaldo para ditar sua própria visão de mundo, o universo sociocultural das diversas etnias indígenas foi apropriado e musealizado a partir de um recorte político/ideológico que enfatizou o exótico e buscou elementos que confirmassem o quão estavam defasados em relação ao mundo "branco".
Para confirmar esse espírito da época, foi realizada na cidade imperial do Rio de Janeiro, em 1882, a Exposição Anthropologica Brazileira, que se tornou um marco na antropologia brasileira, na qual índios botocudos e xerentes foram expostos vivos como num zoológico humano (Imagem 1). Essa exposição, organizada pelo Museu Nacional e com o apoio e patrocínio do Imperador e Chefe de Estado, D. Pedro II, demonstrou como essa nova ciência se organizava, principalmente, sob o ponto de vista de articulação de um projeto de integração nacional, no intuito de colocar o país no caminho do progresso e da modernidade.

Imagem 1: Fotos de Marc Ferrez - O índio sob a ótica do Império. (Fonte: O índio na fotografia brasileira).

Essa exposição suscitou muita polêmica, ao colocar o índio como objeto científico, ideal para comprovar a infância dessas civilizações e ser usada como parâmetro para indicar quais povos deveriam sofrer intervenção e, até mesmo, serem dizimados. Hermann Von Ihering, então diretor do Museu Paulista e importante cientista da época, teria pedido o extermínio de certos grupos indígenas por ser um empecilho ao desenvolvimento e à colonização nos sertões do país.
No ano de 1910, o Decreto nº 8.072 criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para dar amparo e assistência aos povos indígenas. Porém, esse órgão se orientava pela ideia de transitoriedade do índio e por uma política indigenista, objetivando civilizar o índio, tendo as suas ações marcadas por uma série de contradições – enquanto anunciava princípios de respeito à terra e à cultura indígenas, transferia esses povos de seus territórios de origem em favor de empreendimentos colonizadores.
Somente em 1942, em meio a um período de substituição da ideologia positivista por uma orientação científica moderna, foi apresentado, por meio do Decreto nº 10.652, o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios, no qual era estabelecido o funcionamento de uma Seção de Estudos na sede do SPI, no Rio de Janeiro, trazendo novas concepções sobre a questão indígena no país. Essa seção tinha como atribuições manter um museu na capital do país e promover a divulgação dos vários aspectos da vida indígena, através de conferências ilustradas e exposições, visando despertar o interesse da sociedade pela causa. Mais tarde, em 1953, foi criado o Museu do Índio, sob a orientação institucional do antropólogo Darcy Ribeiro, que dirigia a Seção de Estudos do SPI. Inicialmente, instalado em um casarão no Maracanã (Imagem 2), ele ali funcionou por mais de 20 anos, até ser transferido para o Bairro Botafogo.

Imagem 2: Prédio do antigo Museu do Índio (Fonte: O Globo).

Nos seus primeiros anos, o Museu do Índio, realizou um intenso trabalho documental e ao poucos foi organizando o seu acervo, que se originou a partir das viagens e estudos promovidos pela Seção de Estudos do SPI e de importantes coleções, como a de Candido Rondon e de parte da coleção etnográfica do extinto Museu Simões da Silva. Porém, refletindo a realidade das políticas públicas que lidam com a causa indígena, a instituição perdeu a sua expressividade e relevância ao longo do tempo. Após o fechamento da SPI, em 1967, por má gestão, falta de recursos e corrupção funcional, foi criado a FUNAI, que passou a ser o órgão responsável pela gestão do museu. Esse período foi marcado pela criação do Estatuto do Índio, mas, principalmente, por uma visão de que grupos indígenas deveriam ser rapidamente integrados, como uma força de trabalho reserva ou como produtores de mercadorias comercializáveis, para as economias regionais em expansão e para as estruturas de classe rurais do Brasil, o que ia contra o respeito à diversidade cultural do país.
Com a nova Constituição de 1988, as concepções ideológicas vigentes foram mudando em prol do reconhecimento da diversidade e especificidade cultural dos índios. Entretanto, a demora na regulamentação do texto constitucional manteve e facilitou a permanência da antiga política. Mesmo com as tentativas da FUNAI e do Museu do Índio para a promoção dos direitos dos povos indígenas e para o reparo dos erros do passado, os conflitos que ainda ocorrem, revelam o lado mais perverso dessa política etnocêntrica que se mantém enraizada no seio da nossa sociedade. Mesmo sob a égide das novas concepções antropológicas de autonomia cultural e do discurso de retração das injustiças seculares, as instituições museológicas ainda perpetuam uma visão do índio como uma figura folclórica e estereotipada, endossando políticas segregacionistas.
Portanto, fica notório como a etnomuseologia brasileira se desenvolveu em conformidade a esse cenário político e social altamente questionável, expressando todo o descaso e morosidade com que as questões indígenas foram tratadas. Em meio a tantos conflitos, que ganharam novos desdobramentos pela aprovação da PEC 215 (Imagem 3), torna-se urgente, os nossos museus etnográficos saírem dessa posição letárgica em que se colocaram e se posicionaram de forma propositiva dentro das discussões. Para tanto, é preciso entender, que pouco surtirá efeito, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) promover eventos, como o recente "Primavera de Museus" que abordou a memória indígena, se cotidianamente nossas instituições continuam a reafirmar ideologicamente os resquícios temáticos, epistemológicos que ficaram entranhados durante o longo período de atuação do seu modelo clássico.
O que é preciso? Voz política ativa. Profissionais engajados em romper com esse laço colonizador de subjugação dos povos indígenas. Um museu que esteja realmente a serviço da nossa diversidade cultural. Um museu que procura questionar argumentos polarizadores, buscando experiências como os "estudos culturais" concebidos pela sociomuseologia, que colocam a cultura em primeiro plano, a fim de serem concebidos efetivamente como zona de contato, onde todas as etnias integrantes da cultura brasileira possam se encontrar e dialogar sem nenhum parâmetro hierárquico de distinção. Ainda que essa discussão pareça estar no campo utópico, cabe aos museus não se furtar desse compromisso com os povos indígenas. Primeiro, permitindo a esses povos voz ativa nas decisões, e segundo, buscando trabalhar com as possibilidades de encontro entre o diferente, onde o conflito não seja omitido, ao contrário, seja objeto de reflexão em busca da almejada prática da equidade.


Imagem 3: Mais de 200 indígenas xicrin, pataxó e kayapó protestaram na Esplanada dos Ministérios | Cimi (Fonte: Instituto Socioambiental).

Para maiores informações sobre a PEC 2015 acesso o site do Instituto Socioambiental no seguinte endereço eletrônico: http://www.socioambiental.org/pt-br/tags/pec-215.

Assista ao vídeo "PEC 215 – Que país você quer?" no YouTube:  https://www.youtube.com/watch?v=8eP_9bDHjCM.
  
Referências Bibliográficas


DUARTE, L. Por que o Brasil não consegue determinar o lugar do indígena na sociedade. Jornal Zero Hora. Publicado em 17/05/2014 - 16h03min. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2014/05/por-que-o-brasil-nao-consegue-determinar-o-lugar-do-indigena-na-sociedade-4502387.html>. Acesso em: 30 nov. 2015.

DURAND, Jean-Yves. Este obscuro objecto do desejo etnográfico: o museu. Etnográfica. Novembro de 2007. 11(2); 373-386.

FREIRE, C. A. da R. O Serviço de Proteção aos Índios. Museu do Índio - Funai. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/anuencia/>. Acesso em: 30 nov. 2015.

MARTINEZ, P. H. A nação pela pluma Natureza e sociedade no Museu do Índio (Rio de Janeiro, 1953-1957). Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.20. n.2. p. 119-148. jul.- dez. 2012.

MOREL, M. Entre o exótico e o exato. RevistadeHistória.com.br. Disponível: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/entre-o-exotico-e-o-exato>. Acesso em: 30 nov. 2015.

LANGER, J.; L. F. RANKEL. A Exposição Antropológica de 1882. Revista Museu - Cultura Levada a Sério. Postado em 6 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=4245>. Acesso em: 30 nov. 2015.

ROCHA, E. O que é etnocentrismo. In. ROCHA, E.  Ed Brasiliense, 1984, pág. 7-22.

ROLIM, L. N.; SALOMÃO, M. C.; FARIAS, R. S. A Questão Indígena no Brasil. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. Setembro de 2013. Disponível em: <https://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2013/09/a-questc3a3o-indc3adgena-no-brasil.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2015.

SCHWARCZ, L. M., DANTAS, R. O Museu do Imperador: quando colecionar é representar a nação. Revista do IEB. n. 46, p. 123-164 fev 2008.