sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Colecionismo, ciência e a institucionalização da curiosidade [Tipologia 2015]


Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Escola de Ciência da Informação - Curso de Museologia
Disciplina: Tipologia de Museus - Professor: Luiz Henrique Assis Garcia
Alunos: Gabriel Carneiro, Hawiza Banheza, Soraia Vasconcelos

Colecionismo, ciência e a institucionalização da curiosidade


                                 Vincent, Levinus (1715) Wondertooneel der natuur [Tome 1]


Entre as muitas conquistas do homem a partir do século XV, com o Renascimento e o Iluminismo , figura o direito à curiosidade frente à natureza e a si próprio. Direito de fazer perguntas e de procurar respostas, de questionar e de duvidar de verdades absolutas.

A explicação das dádivas ou punições divinas não era mais compatível com o crescente espírito científico. Os avanços tecnológicos, as Grandes Navegações e a extensão do mundo conhecido para muito além do imaginado, passada a surpresa, desafiavam as ideias e a compreensão. A curiosidade significava o desejo “de ver, saber, de informar-se, de desvendar e alcançar; o desejo irreprimível de conhecer os segredos”*.

E, no exercício da curiosidade, o homem se deparava a todo momento com novas curiosidades, “objetos raros e/ou interessante; raridades”*, naturalia, artificilia, mirabilia. A consciência da própria individualidade, da morte e do fim das coisas aguçava o desejo de ter, reter e manter tantas maravilhas. Sentimento que encontrou ressonância na prática do colecionismo, antiga, mas revigorada.

O conceito de gabinete estendeu-se de um móvel para o cômodo inteiro. Gabinete de Maravilhas ou, mais propriamente, de Curiosidades, sugerindo o desejo também de “aprender, conhecer, investigar determinados assuntos”.* E à contemplação das maravilhas, muitas vezes, sobrepunha-se o esforço de investigação. Em 1554, o farmacêutico, botânico e herbalista italiano Francesco Calzolari já fazia viagens para recolher plantas, animais, fósseis e amostras geológicas. Em 1566, publicou um diário com os registros. Parte do material foi reunida em quartos, conforme o tipo. O site Museu de História Natural de Verona  fala em “gavetas contendo fósseis de peixes, quase certamente Bolca, modelado com uma forma elíptica característica”. Um desses espécimes ainda está preservado no Museu.

Também na Itália, em 1599, Ferrante Imperato, boticário de Nápoles, na Itália, publicava Dell'Hifoi storia Naturale. O catálago foi ilustrado com imagens do gabinete do próprio Imperato que possuia conchas, pássaros, criaturas do mar, fósseis, argilas, minerais e minérios metálicos, mármore, espécies de gema, além de um herbário. Na Dinamarca, o médico e naturalista Ole Worm mantinha um gabinete que itinha desde espécies e artefatos do Novo Mundo a animais dissecados e fósseis. Worm defendia que o conhecimento era fruto da observação da natureza – do empirismo e da experiência – e não do estudo de textos. Àquela altura, faltava campo para observação, graças, principalmente, à conquista de novas terras. Um catálogo de 1655 - Worm's Museum, or the History of Very Rare Things, Natural and Artificial, Domestic and Exotic – traz no frontespício uma imagem do gabinete de Worm recriado por pesquisadores, em 2014. ( Leia mais )

Portugal alcançaria, nos século XVII e XVIII, a posição de “fornecedor” de laboratórios naturais e de curiosidades, com suas colônias atraindo a atenção de naturalistas de diferentes nacionalidades. E se o dicionário define curiosidade também como “tendência de amador a procurar coisas raras e originais”, é fato que, naquele momento, amadores tornaram-se profissionais, frequentando cursos, inclusive na Universidade de Coimbra, e recebendo instruções minuciosas sobre métodos de recolher, preparar, remeter, e conservar produtos naturais das colônias para a Corte. Desse e de outros esforços pioneiros surgiram normas que fundaram uma metodologia de classificação e ordenação. É o caso da taxonomia desenvolvida pelo botânico sueco Carl von Linné ((1707 - 1778), como mostra o vídeo do Museu de História Natural de Londres, Naming nature, putting life in order

Assim, a curiosidade e as curosidades contribuíram para a constituição das Ciências Naturais e para a formação de muitos acervos , evidenciando a sintonia entre a prática colecionista com o tempo em que se insere. Aos poucos, tais acervos contribuíram também para a conformação de uma das principais tipologias de museus - de história natural - que ainda preservam e pesquisam muitas dessas coleções pelo mundo afora.

Dos tempos dos gabinetes ficaram registros ainda nos museus de arte, em pinturas que retratam os antigos ármarios e a importância social dos colecionadores de curiosidades. Em destaque, a série Alegoria dos Cinco Sentidos, de Jan Brueghel el Viejo e Rubens, do Museu do Prado, em Madri, e cujas obras , especialmente “La vista”, são consideradas exemplos do colecionismo eclético e das compilações enciclopédicas.


       Alegoría de los cinco sentidos – La vista Jan Brueghel el Viejo e Rubens - 1617 - 1618

Passados seis séculos, o esforço de tantos pesquisadores que se debruçam sobre esses temas mostra a relevância deles para a Museologia, as Ciências Naturais e a História, entre diversas áreas. Mostra também que a curiosidade, no amplo significado de investigar/conhecer é direito inalienável do homem em qualquer tempo e está definitivamente institucionalizada no campo das ciências e dos museus.


Referências:
BLOM, Philipp. Ter e manter. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003. 303 p.
BRIGOLA, João Carlos Pires. Colecções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. HOOPER-GREENHILL, Eilean.
ECO, Umberto. A Vertigem das listas. Rio de Janeiro: Record, 2010.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba. Editora Positivo, 2009.
JANEIRA, A. L. A configuração epistemológica do coleccionismo moderno (séculos XV-XViii). Episteme. Porto Alegre, n.20, janeiro/junho 2005, pp 23-36.
MAURIÈS, Patrick. Cabinets de curiositès. Paris: Gallimard, 2011.
YATES, Frances A. A memória no renascimento: o Teatro da Memória de Giulio Camillo. In: A arte da memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

Sites (consultados entre setembro e novembro de 2015)
http://www.rubenshuis.be/Museum_Rubenshuis_NL

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