quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Museologia, patrimônio e cultura no pensamento latino-americano

Este semestre ofertarei a disciplina optativa Museologia, patrimônio e cultura no pensamento latino-americano, às sextas. Fugindo um pouco do padrão, ela está estruturada a partir da leitura completa do seminal livro Culturas Híbridas, de Néstor García Canclini. A partir das formas de entrar e sair da modernidade, como ele mesmo diz, estabeleceremos roteiros possíveis para pensar sobre as implicações da história latino-americana para o cenário museológico no continente e no mundo, as relações entre história, tradição e memória contextualizadas pela dinâmica cultural híbrida, a questão do(s) lugar(es) da cultura popular considerando o fenômeno da globalização e a emergência de objetos culturais híbridos, buscando entender como são produzidos e circulam, como seus sentidos são disputados e transformados, como são escolhidos os monumentos e colecionados os acervos, e como finalmente, podemos entender melhor nossas complexidades e atuar em cenários institucionais ou informais, desenvolvendo políticas culturais nas áreas da museologia e do patrimônio condizentes com os desafios que essas complexidades impõem. 


Uma amostra da bibliografia proposta para auxiliar as discussões. A intenção é abranger diferentes temas, tipologias museológicas e contextos locais, na busca de uma disposição panorâmica que possa complementar o roteiro de leitura do livro e permitir aprofundamento em questões específicas.






P.S. 2018
Após 2 anos vou novamente ofertar a disciplina Museologia, patrimônio e cultura no pensamento latino-americano (código TGI061 - TOPICOS EM INFORMAÇÃO E CULTURA D  ) às sextas-feiras no 1ºsem. de 2019. Acho que poderei fazer muitos incrementos em relação à primeira edição, em razão das viagens a trabalho que me permitiram colher material relevante em Havana, Montevidéu e Buenos Aires, do aproveitamento de pesquisas, especialmente aquelas que venho realizando junto com o grupo ESTOPIM, das disciplinas que ofertei na pós-graduação (em que cheguei a aproveitar textos que descobri montando esse programa aqui também) e do atual investimento que vamos fazendo em internacionalização para participar do Programa Print proposto pela CAPES. Mas sobretudo porque a distância no tempo da perspectiva para pensar o que foi bem sucedido e o que não, além de trazer as urgências dos contextos em transformação. Dentre os planos para estimular os trabalhos incluo realizar uma exposição sobre arte e engajamento político na América Latina, provavelmente tendo como carro-chefe a obra do uruguaio Joaquín Torres Garcia, autor, entre outros, de América Invertida (1943).



Bibliografia auxiliar

BERRÍOS, Pablo Salvador. El arte latinoamericano a través de la curadoría: políticas de representación y modos de inserción. PragMATIZES-Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, n. 9, 2015.

BIALOGORSKI, Mirta. Artesanías y patrimonialización en el Museo de Arte Popular José Hernández: el Banco de la Memoria del Campo Artesanal. Temas de Patrimonio Cultural 8, p. 31, 2004.

BURÓN DÍAZ, Manuel. Los museos comunitarios mexicanos en el proceso de renovación museológica. Revista de Indias, v. 72, n. 254, p. 177-212, 2012.

CARNOVALE, Vera. Memorias, espacio público y Estado: la construcción del Museo de la Memoria. Estudios AHILA de Historia Latinoamericana, v. 2, 2006.

COUSILLAS, Ana. El ciclo De la Feria al Museo: notas sobre la expe-riencia de exposiciones de artesanías urbanas curadas por artesanos en el Museo de Arte Popular del GCBA. Temas de Patrimonio Cultural 8, p. 47, 2004.

DE CARLI, Georgina. Vigencia de la Nueva Museología en América Latina: conceptos y modelos. Revista ABRA, v. 24, n. 33, p. 55-75, 2004.

ISE, María Laura. Arte Latinoamericano en los ochenta y noventa: una mirada desde algunas exhibiciones y catálogos. Nómadas, n. 35, p. 31-47, 2011.

LLOSA, Vargas. El Perú no necesita museos. El Comercio, March, v. 8, 2009.

NAVARRO, Óscar. Museos y museología: apuntes para una museología crítica. Museología e historia: un campo de conocimiento, XXIX Encuentro Anual del ICOFOM/XV Encuentro Regional del ICOFOM LAM, v. 5, p. 385-394, 2006.

PONCE, Ariel Guillermo. LA INFLUENCIA DE LOS CONTEXTOS INTERCULTURALES EN UN MUSEO DE LA ARGENTINA. Revista del Centro de Investigaciones Precolombinas, p. 63.

SABATÉ BEL, Joaquín et al. De la preservación del patrimonio a la ordenación del paisaje: intervenciones en paisajes culturales en Latinoamérica. 2011.

SALGADO, Mireya. Museos y patrimonio: fracturando la estabilidad y la clausura. Íconos-Revista de Ciencias Sociales, n. 20, p. 73-81, 2013.

SERVIDDIO, Fabiana. Ser latinoamericano: lo precolombino como herramienta del discurso latinoamericanista en los años setenta.

SUESCÚN POZAS, María del Carmen. Los museos de Arte Moderno y la reconfiguración de lo local a través de lo foráneo: Transformando a Colombia en un País" abierto". Memoria y Sociedad, v. 3, n. 6, p. 135-142, 1999.

TAGÜEÑA, Julia. Los museos latinoamericanos de ciencia y la equidad Latin American science museums and equity. História, Ciencias, Saúde–Manguinhos, v. 12, p. 419-27, 2005.

VIÑUALES, Rodrigo Gutiérrez. Museos y espacios para el arte contemporáneo en Buenos Aires. Notas de actualidad. In: Museología crítica y arte contemporáneo. Prensas Universitarias de Zaragoza, 2003. p. 351-373.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Acervos públicos, sentidos do patrimônio e interpretação da História

A notícia de que o atual governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), mandou retirar do gabinete de governo o quadro "Alegoria da morte de Estácio de Sá" (Antônio Parreiras, 1911), alegando que a mesma traz má sorte ou está "carregada" (palavras que teriam sido ditas pelo músico Jorge Ben Jor), produz espanto e uma série de inquietações. Antes de tudo,  assombra um gesto público dessa natureza, da parte de um político ocupando uma cadeira importante, que intenta criar algum tipo de distração ante problemas de gestão e finanças do estado que governa, apelando para esse tipo de interpelação pela irracionalidade, superstição. Ao mesmo tempo, tal gesto absolutamente criticável faz pensar também sobre os diferentes sentidos do patrimônio e as possíveis interpretações da História das quais participam. Retrato alegórico da empreitada colonial, com toda sua violência e imposição de modelo civilizacional, a pintura, figurava no gabinete do governador como elemento integrado à construção simbólica de identidade, inicialmente do Estado-Nação, uma vez que encomendada pelo então Prefeito do o Rio de Janeiro Inocêncio Serzedelo Corrêa no tempo em que a cidade era a Capital Federal. Nesse sentido é como o atestado de que o embate entre "civilização" e "barbárie" teve nos colonizadores os vencedores, dos quais o moderno estado brasileiro se colocava como continuador. Estácio de Sá, desse modo, apresenta-se como mártir da conformação de um Estado Nacional do qual não teve em vida a menor ciência. Posteriormente podemos considerar que a obra foi ressignificada para compor a narrativa iconográfica que constrói a identidade do Rio como estado sem deixar de afirmar sua centralidade para a nação brasileira. Mas, em algum momento, surge a dúvida:  que sentidos alegorias como essa, que demandam uma atitude contemplativa e conhecimento de certos códigos culturais, podem ganhar, nos tempos em que o oculocentrismo combinou-se à circulação acelerada de imagens no espaço público, nas múltiplas mídias e nas redes internéticas? Quão público é o gabinete do governador - o que implica perguntar - quem ultimamente olhava esse quadro?
O deslocamento da pintura - indiferentemente da motivação aparentemente irracionalista ou calcada numa pueril tentativa do governador de angariar a simpatia do eleitorado supersticioso que ele acredita representar, ou eventualmente de desviar o debate público no momento em que se questiona justamente sua capacidade de governar - acaba por paradoxalmente lançar a mesma na rede e nas mídias, talvez reacendendo um potencial de ressonância que estava adormecido enquanto estava na parede enquanto cumpria uma função residual se comparada à que exerceu nos tempos em que certos artefatos significavam muito nesse tipo de espaço através do qual se narrava uma certa história e se afirmava uma dada forma de poder. Se por um lado um motivo patético traz o quadro à baila, por outro às vezes só assim o que esquecido se coloca novamente no horizonte de nossas atenções.
Hoje nossa interpretação da colonização é bastante diversa daquela do início do século XX, e por aí podemos tomar certamente "Alegoria da morte de Estácio de Sá" desde um ângulo crítico que revela a lógica de violência e imposição, as contradições e assimetrias nas quais se ergueu a Colônia, e as implicações disso na formação do território e da nação brasileira nos séculos seguintes. A pintura portanto pode representar um testemunho relevante dessa história, e ao mesmo tempo instigar reflexões sobre temas e tensões distintivas e intestinas de nossa sociedade. Se o governador a retira da parede e esconde numa sala ainda menos frequentada do palácio de governo, parece, sintomaticamente, um gesto produtor de amnésia. Se decidir transferi-lo a algum museu, acena a possibilidade de torná-lo acessível a um público maior. Nesse último caso, me coloco favorável, desde que seja feitas a pesquisa e comunicação museológica condizentes para que a trajetória do quadro seja considerada elemento chave para pensar seu sentido contemporâneo.