quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Cidades mortas, acervos vivos

Cidades Mortas (2007), do historiador e estudioso do urbanismo Mike Davis, é um dos mais argutos diagnósticos do século XXI, publicado ainda na sua aurora (2002) e nos rastros de chamas e fumaça do 11 de setembro. O papel do medo na cultura contemporânea, a ascensão do fascismo, a perseguição aos imigrantes, o aperfeiçoamento do aparato de vigilância, a insustentabilidade do capitalismo e as contradições da globalização, tá tudo ali.


Seu segundo capítulo, Ecocídio na terra de Marlboro, é um contundente ensaio sobre a calamidade ambiental e social resultante da destruição e contaminação radiotiva pelo emprego reiterado de artefatos nucleares na "zona de sacrifício nacional" determinada pelo Pentágono no Oeste estadunidense, envolvendo estados como Califórnia, Nevada, Utah, e, em sua periferia, Colorado e Wyoming. O impacto de tais experimentos, cuja extensão talvez possa ser equiparada ao desconhecimento que os encobre, é de maior magnitude que o do desastre de Chernobyl, cuja exposição o autor compara, chamando a atenção para a relação do mesmo com o degelo e ocaso da antiga URSS. Uma das linhas de força do livro é mostrar que a Guerra Fria, mesmo sem ter se tornado "quente", deixou um rastro de vítimas e destruição, particularmente entre populações depauperadas e com pouco poder  político, sobrevivendo em regiões que já eram inóspitas. [foto acima, Carole Gallagher]



O que me fez escrever esse texto aqui é que essa denúncia contundente da calamidade atômica feita por Davis constitui-se como um ensaio sobre acervos fotográficos de caráter artístico e documental, como as séries "The Pit" e "Bravo 20" dos Desert Cantos de Richard Misrach [aqui para conhecer um pouco mais de sua obra] ao trabalhos de grupos de fotógrafos ativistas como os Fotógrafos Atômicos, como Carole Gallagher e seu trabalho American Ground Zero, que conjuga história oral e registro fotográfico, mas retomando as referências compartilhadas que conferem "autoridade histórica" (DAVIS, 2007, p.56) aos projetos, como o arquivo dos grandes levantamentos científicos e topográficos do Oeste feitos no século XIX e os registros da Grande Depressão pelos fotógrafos da FSA (Farm Security Administration), como Dorothea Lange [foto abaixo, dela, Migrant Mother, 1936].  



O valor de manter e dar acesso, seja a pesquisadores ou ao público em geral, de acervos dessa natureza, é inestimável. Escrevo essas linhas com particular convicção na semana em que o grupo de pesquisa ESTOPIM, do qual sou um dos coordenadores, inicia a mostra e oficina Horizonte em Foco no Museu da Imagem e do Som BH, na sua unidade Cine Santa Teresa, cujo intuito é justamente mobilizar o acervo da instituição para refletir sobre a cidade, seu história e seu patrimônio cultural. Também me motiva o retorno às aulas nesta semana, até porque leciono Função social dos museus, além de Tipologia de museus na graduação em Museologia e da disciplina Memória, Patrimônio e Informação no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação na ECI/UFMG. Estou fortemente inclinado a incluir o Mike Davis na bibliografia.