UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
DEPARTAMENTO
DE TEORIA E GESTÃO DA INFORMAÇÃO
CURSO DE
MUSEOLOGIA
DISCIPLINA;
TIPOLOGIA DE MUSEUS
PROFESSOR:
Luiz Henrique Assis Garcia
Alessandra
Maria Guimaraes de Menezes
André Luiz
Lara Lima
Daniela
Luisa Fernandes Barbosa
Luana do
Carmo Pirajá Ferraz Santos
Maria de
Lourdes Oliveira e Silva
A concepção dos museus sobre as questões indígenas no país
Às voltas com a aprovação definitiva da PEC 215 por parte do
legislativo federal brasileiro, no qual o Congresso Nacional passa a dar a
palavra final sobre a demarcação de terras indígenas, assistimos a mais um
capítulo de retrocesso na condução das combalidas políticas em defesa da causa
indígena no país. Passados pouco mais de quinhentos anos do
"descobrimento" da Terra Brasilis, o nativo dessa terra, perseguido
desde sempre pelo colonizador, se vê na contemporaneidade, através da inócua
atuação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), praticamente esquecido pelo
Poder Público. O que se tem verificado, é uma sociedade que mesmo após a
independência e a implantação do regime republicano no país, continuou a
cumprir com “louvor” a política etnocêntrica e segregacionista promovida pelo
colonizador europeu em relação a esses grupos autóctones.
No século XIX, para efetivação desse olhar etnocêntrico, a
recente república brasileira lançou mão de um aparato institucional, que atuou
como instrumento de persuasão, fundamentando didática e simbolicamente a
concepção do índio como selvagem, primitivo, e por isso, inferior. Passível,
portanto, de toda a sorte de intervenções por parte do poder
"civilizador". E é nesse contexto que as instituições museológicas de
caráter etnográfico vão atuar no Brasil, contribuindo para formar, junto com as
instituições educacionais – e seus famigerados livros didáticos –, o arcabouço
que serviu para legitimar a visão unilateral de superioridade de uma sociedade
sobre outra.
Deste modo, o que se viu, foram inúmeras práticas
estabelecidas nos museus, voltadas ao estudo e representação dos povos nativos
pelo viés etnocêntrico. Dentro dessa dinâmica, que nega o direito a mínima
autonomia para falar de si mesmo, o índio foi representado dentro dessas
instituições, segundo a nossa ótica capitalista e urbana, sendo colocado sistematicamente
como o "outro" que está sempre "aquém", nunca igual ao grau
de civilização vivido nas cidades. Sem respaldo para ditar sua própria visão de
mundo, o universo sociocultural das diversas etnias indígenas foi apropriado e
musealizado a partir de um recorte político/ideológico que enfatizou o exótico
e buscou elementos que confirmassem o quão estavam defasados em relação ao
mundo "branco".
Para confirmar esse espírito da época, foi realizada na
cidade imperial do Rio de Janeiro, em 1882, a Exposição Anthropologica
Brazileira, que se tornou um marco na antropologia brasileira, na qual índios
botocudos e xerentes foram expostos vivos como num zoológico humano (Imagem 1).
Essa exposição, organizada pelo Museu Nacional e com o apoio e patrocínio do Imperador
e Chefe de Estado, D. Pedro II, demonstrou como essa nova ciência se
organizava, principalmente, sob o ponto de vista de articulação de um projeto
de integração nacional, no intuito de colocar o país no caminho do progresso e
da modernidade.
Imagem 1: Fotos de Marc Ferrez - O índio sob a ótica do Império.
(Fonte: O índio na fotografia brasileira).
Essa exposição suscitou muita polêmica, ao colocar o índio
como objeto científico, ideal para comprovar a infância dessas civilizações e
ser usada como parâmetro para indicar quais povos deveriam sofrer intervenção
e, até mesmo, serem dizimados. Hermann Von Ihering, então diretor do Museu
Paulista e importante cientista da época, teria pedido o extermínio de certos
grupos indígenas por ser um empecilho ao desenvolvimento e à colonização nos
sertões do país.
No ano de 1910, o Decreto nº 8.072 criou o Serviço de
Proteção aos Índios (SPI) para dar amparo e assistência aos povos indígenas.
Porém, esse órgão se orientava pela ideia de transitoriedade do índio e por uma
política indigenista, objetivando civilizar o índio, tendo as suas ações
marcadas por uma série de contradições – enquanto anunciava princípios de
respeito à terra e à cultura indígenas, transferia esses povos de seus
territórios de origem em favor de empreendimentos colonizadores.
Somente em 1942, em meio a um período de substituição da
ideologia positivista por uma orientação científica moderna, foi apresentado,
por meio do Decreto nº 10.652, o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios,
no qual era estabelecido o funcionamento de uma Seção de Estudos na sede do
SPI, no Rio de Janeiro, trazendo novas concepções sobre a questão indígena no
país. Essa seção tinha como atribuições manter um museu na capital do país e
promover a divulgação dos vários aspectos da vida indígena, através de
conferências ilustradas e exposições, visando despertar o interesse da
sociedade pela causa. Mais tarde, em 1953, foi criado o Museu do Índio, sob a
orientação institucional do antropólogo Darcy Ribeiro, que dirigia a Seção de
Estudos do SPI. Inicialmente, instalado em um casarão no Maracanã (Imagem 2),
ele ali funcionou por mais de 20 anos, até ser transferido para o Bairro
Botafogo.
Imagem 2: Prédio do antigo Museu do Índio (Fonte: O Globo).
Nos seus primeiros anos, o Museu do Índio, realizou um
intenso trabalho documental e ao poucos foi organizando o seu acervo, que se
originou a partir das viagens e estudos promovidos pela Seção de Estudos do SPI
e de importantes coleções, como a de Candido Rondon e de parte da coleção
etnográfica do extinto Museu Simões da Silva. Porém, refletindo a realidade das
políticas públicas que lidam com a causa indígena, a instituição perdeu a sua
expressividade e relevância ao longo do tempo. Após o fechamento da SPI, em
1967, por má gestão, falta de recursos e corrupção funcional, foi criado a
FUNAI, que passou a ser o órgão responsável pela gestão do museu. Esse período
foi marcado pela criação do Estatuto do Índio, mas, principalmente, por uma
visão de que grupos indígenas deveriam ser rapidamente integrados,
como uma força de trabalho reserva ou como produtores de mercadorias
comercializáveis, para as economias regionais em expansão e para as estruturas
de classe rurais do Brasil, o que ia contra o respeito à diversidade cultural do país.
Com a nova Constituição de 1988, as concepções ideológicas
vigentes foram mudando em prol do reconhecimento da diversidade e
especificidade cultural dos índios. Entretanto, a demora na regulamentação do
texto constitucional manteve e facilitou a permanência da antiga política.
Mesmo com as tentativas da FUNAI e do Museu do Índio para a promoção dos
direitos dos povos indígenas e para o reparo dos erros do passado, os conflitos
que ainda ocorrem, revelam o lado mais perverso dessa política etnocêntrica que
se mantém enraizada no seio da nossa sociedade. Mesmo sob a égide das novas
concepções antropológicas de autonomia cultural e do discurso de retração das
injustiças seculares, as instituições museológicas ainda perpetuam uma visão do
índio como uma figura folclórica e estereotipada, endossando políticas
segregacionistas.
Portanto, fica notório como a etnomuseologia brasileira se
desenvolveu em conformidade a esse cenário político e social altamente
questionável, expressando todo o descaso e morosidade com que as questões
indígenas foram tratadas. Em meio a tantos conflitos, que ganharam novos
desdobramentos pela aprovação da PEC 215 (Imagem 3), torna-se urgente, os
nossos museus etnográficos saírem dessa posição letárgica em que se colocaram e
se posicionaram de forma propositiva dentro das discussões. Para tanto, é
preciso entender, que pouco surtirá efeito, o Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM) promover eventos, como o recente "Primavera de Museus" que
abordou a memória indígena, se cotidianamente nossas instituições continuam a
reafirmar ideologicamente os resquícios temáticos, epistemológicos que ficaram
entranhados durante o longo período de atuação do seu modelo clássico.
O que é preciso? Voz política ativa. Profissionais engajados
em romper com esse laço colonizador de subjugação dos povos indígenas. Um museu
que esteja realmente a serviço da nossa diversidade cultural. Um museu que
procura questionar argumentos polarizadores, buscando experiências como os
"estudos culturais" concebidos pela sociomuseologia, que colocam a
cultura em primeiro plano, a fim de serem concebidos efetivamente como zona de
contato, onde todas as etnias integrantes da cultura brasileira possam se
encontrar e dialogar sem nenhum parâmetro hierárquico de distinção. Ainda que essa
discussão pareça estar no campo utópico, cabe aos museus não se furtar desse
compromisso com os povos indígenas. Primeiro, permitindo a esses povos voz
ativa nas decisões, e segundo, buscando trabalhar com as possibilidades de
encontro entre o diferente, onde o conflito não seja omitido, ao contrário,
seja objeto de reflexão em busca da almejada prática da equidade.
Imagem 3: Mais de 200 indígenas xicrin, pataxó e kayapó protestaram na
Esplanada dos Ministérios | Cimi (Fonte: Instituto Socioambiental).
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