Escola de Ciência da Informação
Museologia – 3º Período
Disciplina: Tipologia de Museus - Prof. Luiz Henrique Assis Garcia
Alunos: Cláudia Camelo, Cristina Fonseca e Polianna Santos.
Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Inzilo, Mohau
Modisakeng
Ressignificar a história, transferindo
o olhar para a outra margem do oceano, é a abertura para o diálogo entre o
passado e o presente no atual mundo globalizado. A arte contemporânea se
apresenta como o veículo portador de uma nova visão que está permitindo a arte
não-ocidental penetrar e transcorrer pela cena artística mundial. No caminho da
descolonização da arte, a exposição Ex Africa, em cartaz no Centro
Cultural Banco do Brasil em Belo Horizonte, é espaço de reflexão e
enfrentamento dos moldes escravistas propagados. Em formato blockbuster,
internacionalmente padronizada e inserida na conformidade da indústria
cultural, a exposição intenta discorrer sobre realidades que vão ao encontro da
arte africana, através da expressão de dezoito artistas vindos de oito países
da África.
Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Fragments from
the City, Abdulrazaq Awofeso
Fica evidente a potencialidade dos temas abordados, ao passo que os
processos de transformações radicais que a África passou nas últimas décadas e
a globalização generalizada se mesclam às inscrições deixadas pela história em
todo o continente. Esse tem sido um debate internacional que aborda um
pensamento descolonial do século XXI no campo da arte não-ocidental e, que
propõe o deslocamento da ideia eurocêntrica de uma arte tradicional, que
carrega o selo do artesanato e das referências etnográficas, para uma dimensão
contemporânea da produção artística africana, politicamente engajada,
interativa, diversificada e marcada por processos de intercâmbios e aculturações.
Exposição “l’Art des Lega d’Afrique Centrale”©
musée du quai Branly
Nos gabinetes de
curiosidades, as coleções funcionavam como emblema de poder e prestígio social
do colecionador, nas quais a Europa se embasava para definir e subjugar as
sociedades não ocidentais, assim como, ainda hoje, as coleções de arte
“primitiva” nos museus etnográficos também são baseadas em relações de
disputas e poder. O que a arte contemporânea africana traz à tona são
questionamentos sobre os museus
tradicionais onde a arte africana, tida como estagnada historiograficamente,
sofre uma resistência à sua integração em acervos diversos, produzindo assim um
discurso que aborda as relações de poder incorporadas nesses acervos.
Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Genesis [Je
n'isi isi] III, Kudzanai Chiurai
São inegáveis as considerações que se pode fazer ao visitar Ex Africa. Deixa-se para trás experiências
vividas em museus etnográficos, muitos deles agora tipificados como museus de
arte, a exemplo do museu do Quai Branly, em Paris, França, cuja abordagem hoje
de suas coleções tradicionais é predominantemente estética. Fundado a partir
dos acervos de dois museus etnográficos e pela parceria entre o presidente
Jacques Chirac, que intencionava deixar a marca de sua gestão no patrimônio
cultural francês, e pelo amigo e colecionador de arte africana Jacques
Kerchache, o Museu Branly sentiu as pressões anti-colonialistas pelas quais
passavam os museus etnográficos, acusados de reificação e caricaturização das
culturas alheias. Viu-se, então, tensionado a deslocar o olhar sobre suas
coleções para uma via estetizante, que se insere ao mercado de arte, sem
entretanto aprofundar a discussão acerca dos movimentos artísticos
pós-coloniais e tão pouco abrir-se a eles.
Percebe-se, no discurso institucional, uma certa preocupação de dar
espaço ao Outro e de contextualizar os contatos interculturais entre europeus e
não-ocidentais. Contudo, predomina a intenção de transformar a nova instituição
em um ponto turístico nacional e internacional, voltado ao lazer e à diversão
acessíveis ao grande público (GOLDSTEIN, 2008).
Neste sentido, fica evidente na exposição Ex Africa uma abertura
ocidental aos diversos estilos de arte que coexistem no continente africano,
superando o estigma da arte primeira e também o poder por detrás de uma
exposição internacional que traz conceitos e problematizações próprios das
sociedades contemporâneas africanas, no que tange às relações antepassadas
entre os continentes e seus desdobramentos globalizantes.
A ideia da arte “etnográfica” designada assim pela sociedade ocidental,
onde os povos não-ocidentais seriam capazes apenas de produzir uma arte
“primitiva”, um artesanato, como uma manifestação tradicional padrão e não uma
produção individual, é refutada nesta mostra. A exposição Ex Africa
apresenta justamente a individualidade na arte contemporânea africana, visto
que já na apresentação da exposição os nomes de todos os artistas estão
indicados na parede de entrada, mostrando que esta individualidade não ofusca o
sincronismo e a coerência existentes entre as obras e os artistas. Para PRICE
(1996),
(...) adaptações,
inovações e reelaborações criativas configuram as formas, em constante
evolução, da música e da dança, tanto quanto das artes plásticas (e visuais)
... não é nenhuma arte "tradicional" passivamente herdada da África,
mas sim a soma total de uma corrente de inovações, através das quais os
artistas jogam com as formas tradicionais sem jamais deixá-las inalteradas.
Tudo isso na ótica da arte contemporânea africana, com suportes e
técnicas variados, que utilizam fotografia, instalação, vídeo, pintura,
escultura e até Afrobeat, música pop de Lagos (Nigéria), que surge como
um pertinente exemplo de aculturação. É o que pudemos sentir e compreender na
exposição Ex Africa, um recorte cultural do mundo não-ocidental, em
especial o africano, com sua própria narrativa acerca de questões históricas,
da natureza da criação individual, da autoria desta criação, das relações entre
arte, religião, poder, mercado e sobretudo das relações pós-coloniais regionais
e intercontinentais. Todas essas obras estão repletas de histórias a contar e
ressignificar, ecoadas da outra margem do oceano.
Links:
REFERÊNCIAS:
AREIA, Manuel
Laranjeira Rodrigues de . Patrimónios Culturais Africanos: 1 As Velhas colecções
e a nova África Africanologia - Revista Lusófona de Estudos Africanos n. 2 (2009): Africanologia
EXPOSIÇÃO EX ÁFRICA, 2017, Centro Cultural Banco do Brasil, Belo
Horizonte, MG. Catálogo Ex África, Belo Horizonte, MG, Ministério da Cultura,
2017.
GOLDSTEIN, Ilana, 2008, Reflexões sobre a arte “primitiva”: o caso do
Museé Branly, Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 14, n. 29, p.
279-314, jan.| jun. 2008.
PRICE, Sally, 1996, A arte dos povos sem história, Afro-Ásia 18 (1996),
p. 205-224.
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