Entre as leituras realizadas este semestre na disciplina optativa "Museu, espaço e poder", no curso de graduação em museologia da UFMG, estava este texto
BARBUY, Heloisa . O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na exposição universal.
Anais do Museu Paulista (Impresso), São Paulo, v. 4, p. 211-261. [
completo, aqui]
Incluo o resumo, como está disponível no scielo:
A A.[autora]
estuda, de um ponto de vista museográfico, o significado da presença
brasileira na Exposição Universal de Paris, de 1889. Com base em
documentação rica e em grande parte ignorada ou pouco explorada, revela
esforços empreendidos para apresentar o Brasil como um país atraente
para estrangeiros e analisa o repertório alegórjco mobilizado,
juntamente com a retórica de diferentes tipos de exposições, sejam de
produtos naturais, manufaturados, científicos ou artísticos.
Unitermos:
Exposição internacional. História das exposições, século XIX.
Museografia, século XIX. Exposição Universal, Paris, 1889: presença
brasileira.
Em meio a seminários e outras atividades, a aluna Thelma Palha fez a gentileza de traduzir as citações das fontes impressas em francês citadas pela autora. Além disso se dispôs a compartilhar a tradução através deste blog. Agradeço a ela novamente por essa preciosa contribuição, pois dessa forma mais leitores podem ter uma visão acurada do significativo trabalho de pesquisa empreendido pela autora. Aos interessados, sugiro baixar o texto e acompanhar pelos números a sequência das citações. Boa leitura!
1-
Vocês são
homens de sentimentos elevados, vocês são de uma nação generosa. Vocês têm uma
dupla vantagem de uma terra virgem e de uma raça antiga. Um grande passado
histórico vos identifica ao continente civilizador: vocês reúnem a luz da
Europa ao Sol da América. [Victor Hugo, Carta aos brasileiros, apud Marchand
& Héros 1889:3-4]
2-
Se suprimíssemos
do Champ-de-Mars os palácios e os pavilhões construídos pelas três Américas,
ficaríamos ainda menos surpresos do grande vazio que produziria sua ausência
que o desaparecimento da nota alegre, clara, luminosa, algumas vezes grandiosa,
que esses edifícios projetam no conjunto Champs-de-Mars. [Varigny
29/01/1890:266]
3-
É um dos
traços mais remarcáveis da exposição a grande praça ocupada pelos Estados
latinos da América do Sul. Cada um deles se alojou num palácio próprio e as
arquiteturas desses edifícios acrescentam muito ao pitoresco do Champ-de-Mars. [Rousselet
1890:201]
4-
Em
resumo, é preciso suspender todo julgamento até o momento em que as instalações
estiverem completas; mas o que é fácil sentir é que esses países nos mostrarão,
sobretudo, a riqueza e a variedade da produção de seu solo. São lugares que,
após estarem, há muito tempo adormecido, acordam enfim e querem entrar no
grande movimento industrial provocado pela Europa. [Biart 1890:9]
5-
Elas [as
Américas] têm consciência que o futuro é delas, e nós, os anciões, que lhes
mostramos o caminho, que, sobre essas novas terras, despejamos há séculos, o
excesso de nossa população, nossos pobres e deserdados, nos podemos estar
certo, seguros dos resultados obtidos por estes exilados da Europa. São eles, homens do norte e do sul, Ingleses
e Franceses, Portugueses e Italianos, Espanhóis e Irlandeses, que criaram essas
repúblicas prósperas e este vasto Império do Brasil, colocando em valor essas
terras incultas, aumentada por esse ato comum de humanidade. [Varigny
29/01/1890:266]
6-
Este ano de
1889 será uma data importante na história dos jovens povos do Novo Mundo. Eles
eram poucos no movimento econômico do globo; a política, as guerras civis, onde
pudesse colher honras, dinheiro, uniformes, tinham absorvido a existência da
maior parte entre eles e as prodigiosas riquezas naturais de seu solo e de seu
subsolo continuam inutilizados e parecem continuar a ser sempre. É sob esta
impressão que adormeceram os Parisienses nas últimas exposições. Percorrendo os
palácios da América latina, eles devem convir que o quadro mudou. [Rousselet]
7-
Quem mantém
este ritmo inesperado? Na maioria dos casos a imigração européia. Um sangue
novo rejuvenesceu essas raças um pouco moles. Os únicos Estados que até nossos
dias tinham escapado ao torpor geral, eram, precisamente, esses, onde os
elementos eram os mais numerosos, onde a influência científica e literária
vindas da Europa era maior: a Argentina, o Brasil, o Chile. São eles que matém,
hoje, a cabeça do movimento. [Rousselet 1890:201-2]
8- O Brasil veio à Paris, não para se impor aos olhos,
mas para se fazer constatar pela velha Europa que ele não é indigno, pelos seus
progressos realizados, de entrar mais facilmente ainda no conserto econômico
dos grandes Estados. O Brasil veio à Paris não para procurar a vã satisfação de
recompensas honoríficas, mas para dar um nó mais solidamente nos laços que o prendem a Europa, para abrir de novo
saídas a suas matérias primeiras, e, sobretudo, para dar confiabilidade à todos
aqueles que estiverem prontos a escolhê-lo para sua nova pátria, para lá
trabalhar ou fazer frutificar seu capital. Por sermos Americanos do Sul, nós
não somos menos Americanos, quer dizer, práticos. [Santa-Anna Nery 1889b:X]
9- O Brasil tem necessidade de uma população numerosa
para colocar em valor as riquezas extraordinárias de sua terra.
10- O Brasil é um país novo, que compra no estrangeiro a
maior parte dos alimentos e dos objetos que precisa.
11- O Brasil é um país agrícola, onde o café produz mais
que em qualquer parte do mundo.
12- O Brasil é um país livre, absolutamente livre. O
estrangeiro cansado do jugo da Europa hierarquizada e militarizada, nele se
reencontra, desembarcando, todas as grandes liberdades modernas praticadas há
tempos, ao mesmo tempo em que o acolhimento, é o mais cordial.
13- Se o Brasil é um pa´si livre, ele é ao mesmo tempo um
país de ordem. Nada de revolução a temer.
14- A Itália, Portugal e Alemanha nos dão os braços que
nós precisamos. A Inglaterra nos fornece o capital necessário para nosso
equipamento. A França não nos fornece nem braço nem capital. Bem mai! Uma
circular do governo de 16/05 proibe a imigração para o Brasil.
15- Dessa revista, precisamente rápida, riquezas que a
América abrange a nossos olhos, recursos cada dia mais consideráveis que ela
nos revela, um fato se revela e se impõe: o papel que ela é chamada à
representar na evolução econômica e industrial que se anuncia. O que será esse
papel, as conseqüências, que resultarão para a Europa, a iniciativa
recentemente tomada pelos Estados Unidos para mudar a seu favor os benefícios e
assegurar a sua direção, é o que nos resta estudar.
16- Sua situação geográfica, seu clima nos permitem prever
a grandeza futura de seus Estados nascentes, e podem nos inspirar medos para o
futuro. Em um século, o México, a Guatemala, o Peru, o Brasil, renovarão ou
terão renovado o milagre do crescimento prodigioso dos Estados Unidos. Serão
países com os quais contaremos e que, graças a seus recursos incalculáveis,
estarão à frente das artes, que são o fruto da maturidade das nações ou ao
menos dos empreendimentos industriais e comerciais.
17- Ele corre sob
um túnel de folhagens, ao longo de árvores, essas terríveis árvores, muito
próximas da via, e da qual advertimos em todas as línguas do globo.
18- ...mesmas pretensões marítimas, mas quantas mais
naturais para o país que possuí o Rio de janeiro! Mesmas pretensões
geográficas, mas quantas melhores justificadas aqui, o interesse que tem a
geografia o império do Brasil sendo bem conhecido pelos Franceses.
19- O Brasil, propriamente falando, não é uma nação
industrial; de qualquer forma, sua indústria manufatureira não para de
progredir nos seus diferentes ramos...
20- Há lá a mais bela coleção de madeira – 40 mil
espécies! – que pudesse sonhar um marcineiro; há pedaços de borracha bruta,
algodões, esponjas camadas de minerais de em ouro, prata e diamante, produtos
farmacêuticos para curar todas as doenças, e, para tornar mais atraente a
visita dessas coleções, juntam-se móveis de estilo antigo, quadros e aquarelas
representando lugares os mais pitorescos do Brasil, coleções de medalhas onde
vêem as primeiras moedas cunhadas na América pelos Holandeses em 1645: esta
curiosa série pertence ao Senhor, o Conde Cavalcanti; a Sra. Cavalcanti
emprestou, ela mesma, seu estojo, que contém quatro ou cinco milhões de
diamantes e de pedras preciosas. Não nos esquecemos, a mais preciosa, a não
menos rara de todas as pedras que podemos ver, quer dizer, o famoso meteoro de
Bendego, que caiu do céu em 1784.
21- Nós achamos
ainda produtos análogos a esses que nós vimos em outros pavilhões. As
maravilhosas riquezas naturais do Brasil estão demonstradas pelas magníficas
amostras de madeiras e por uma exposição muito interessante de borracha, que é
produzida pela seiva de diversas árvores, recolhida por meio de incisões e
submetida a uma preparação particular. O cacau, o açúcar, o café, etc. são as
principais produções dessa vasta região, representada dignamente na exposição.
No piso térreo, o público se comprime em volta da
cópia em madeira do meteorito de Bendego. O original, conservado no museu do
Rio de Janeiro, pesa 5,360 kg. e é composto, principalmente, por ferro e
níquel.
22- As selvas do Brasil fornecem ao marcineiro um
inesgotável tesouro de madeiras preciosas; nos as vemos, desenvolvidas sob
forma de pirâmides no piso térreo, enquanto que no andar superior nos
apresentam móveis de estilo fabricados por artistas indígenas; a maior parte
dessas madeiras não são empregadas, eu creio, nas marcenarias européias, onde
nós nos servimos quase que exclusivamente de exemplares vindos de nossos países
como o carvalho, a nogueira, a pereira, a oliveira, etc. (...) Não podemos,
então, prever ainda qual a saída para
essas madeiras brasileiras, que são tão belas, de um grão tão fino, que nos
damos conta, podem ser artisticamente trabalhadas.
Com as pirâmides de madeira alternam outros compostos
de minerais ou de pedras de ornamento: entre esses últimos observamos os
magníficos mármores com veios negros de Gandarela. Por todo lado se elevam
enormes pilhas de borracha. Um pequeno salão, muito elegante, exibe algumas
espécies de café, cacau e de erva mate, planta cuja infusão dá um chá muito
apreciado na América do Sul e que poderemos degustar aqui, como no Paraguai.
23- De lá vieram essas madeiras raras cujos grânulos
enormes chamam a atenção; do norte essas pedras preciosas, diamantes,
esmeraldas; do Rio Grande do Sul, essas ágatas, essas ametistas e essas
coralinas, esses minerais de ouro; depois esses vinhos, esses tabacos e o café
do qual o Brasil produz a metade do
que o mundo consome. Mas sua prosperidade atual não é
nada ao lado do que o futuro lhe reserva. Quando essas vastas florestas forem
abertas, quando as regiões ainda pouco conhecidas do oeste forem invadidas pela
civilização, não será mais, como hoje, por um milhão que numerarão a importação
e a exportação do Império. De outro modo elevado será a parte contributiva do
Brasil ao movimento industrial e comercial do universo.
24- Vocês desejam conhecer ao certo o que achamos no hall
e nos dois andares das galerias decoradas de flores em camafeu sobre fundo
dourado e de guirlandas? Cafés, cacaus, baunilhas, açúcar, cana de açúcar,
tabaco, mármores, amostras de madeiras, produtos manufaturados de todo tipo,
alguns quadros ruins, algumas esculturas de escolares. Produtos agrícolas e
primeiras matérias expostas atestam os imensos recursos de um solo onde nenhum
tesouro seja raro, mesmo o ouro e os diamantes.
25- Cultivamos hoje o café em todos os países
intertropicais. Entre os países produtores, o primeiro rang pertence ao Brasil,
que praticamente só produz quantidade de café que todos os outros países
reunidos e que durante a campanha do 1/7/1888 à 30/6/1889 exportou 6,300.00
sacos de 60 kilos ou 378 milhões de kilogramas (...) Os países onde nós [os
franceses] nos abastecemos são, por ordem de importância, o Brasil, Haiti, a
Venezuela, a Índias Inglesas, os Estados Unidos, a Nova Granada, as Costas da
África, etc.
26- Nós já fizemos muito; nós ainda temos mais para fazer.
É impossível parar sem comprometer tudo que foi tentado até aqui. Vamos então!E
para o progresso!
27- No entanto (num período posterior), as exposições
internacionais haviam aparecido. O diretor do museu, por sua instrução não
menos que por sua atividade, se achava à frente das exposições preparatórias organizadas
no Rio de Janeiro nessa época, e não deixou de contribuir fortemente no aumento
das coleções do museu adicionando o excedente dessas exposições. Era pouco, mas
era qualquer coisa se refletirmos sobre a pobreza desse estabelecimento. Até
lá, o Museu brasileiro viu entrar somente duas vezes em suas galerias coleções
do mais alto interesse e capazes de atrair por seu valor, a atenção dos mais
ricos museus europeus. Eu quero falar das coleções egípcias que o Imperador
Pedro I havia comprado(...). A segunda aquisição consistia no rico presente
feito pelo rei Ferdinando de Nápoles, ao Imperador Dom Pedro I, seu genro,
presente composto por numerosos vasos etruscos e em bronze de Pompéia, que sua
Majestade doou ao Museu.
28- É uma preciosa ocasião de constatar, por exemplo, a
soma muito imponente de trabalhos realizados a cada ano, por um grupo de sábios
brasileiros: MM.Cruls, Derby, Gorceix, Freire e tantos outros.
29- O panorama do Rio de Janeiro é cheio de charme à
noite. O espectador está sobre uma colina entre a cidade e as montanhas que
formam o anfiteatro em volta dela; diante da cidade está a baía. Os fundos bem
vistos e as montanhas verdejantes formam
contrastes com as águas azuis do mar. A cidade, suas construções, suas ruas,
seus monumentos se apresentam bem à vista do espectador. Esse panorama é
tratado com os procedimentos de decoração de Cicéri; certos efeitos se devem
pela espessura das pinturas que formam, de alguma forma, um baixo relevo; mas o
conjunto, repetimos, é agradável.
30- Esse panorama foi imaginado e colocado em obra com
muita arte por um artista brasileiro, de um talento comprovado.
31- No âmbito do divertimento, mudança de cenário ou de
instrução, um imaginário coletivo que se desenvolve será cedo ou tarde
recuperado pela propaganda, pela publicidade, pelo comércio.