quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

IDENTIDADE E PODER

Universidade Federal de Minas Gerais

Escola da Ciência da Informação - Museologia

Grupo: Andreza Pinheiro; Esther Inácio; Fabiano Martins; Fabio D. Antunes; Iolanda Soares; Isadora Barbosa; Júlia Avelar

SEMINÁRIO 4 

IDENTIDADE E PODER 

Museus e Antropologia

O modelo hegemônico que existia nas instituições museais no início dos anos 90 passou por um processo onde recebeu muitas críticas internas e externas devido ao seu discurso antropológico que tinha um caráter de dominação.

“Beijo que mata as realidades que pretende preservar, a museografia de luvas de algodão branco, rigorosamente respeitadora dos seus preceitos metodológicos e técnicos, pode não ser a mais adaptada a pelo menos certos ramos da etnomuseologia” (DURAND, 2007, p.384)

O processo de descolonização foi essencial para o surgimento de novas condições dentro desses espaços. A etnomuseologia se juntou às ideias de uma ‘nova museologia’ e os ‘ecomuseus’, que se baseavam em construir uma relação mais próxima com a população, e proporcionar um enriquecimento próprio de conhecimento. Com isso, também incluía a descentralização do objeto e a ideia de interdisciplinaridade dentro dos museus. Anos depois que essas iniciativas foram implementadas e essa nova dinâmica dentro da museologia se iniciou, os resultados foram positivos e trouxe até uma determinada valorização do patrimônio imaterial, que naquela época não era reconhecido tal importância ainda.

Após todas essas constatações surge a ideia de fazerem um seminário organizado por várias instituições de estudo antropológico, que ocorreu na França em 6 de abril de 2007, onde visava dar a palavra aos antropólogos que estavam envolvidos em projetos que eram mais bem estruturados, que faziam mais sentido para a museologia etnográfica.

A partir de todo o contexto antropológico e museológico apresentado até aqui, surge uma questão, o que vem a ser a “arte primitiva”, que nada mais é do que um termo empregado para categorizar as artes produzidas pelos povos indígenas das civilizações não europeias, da América, Ásia, África e Oceania, e que abrange também a arte pré-história, a arte bruta, e a arte naif, no qual, reside aí um dos problemas com a denominação de “arte primitiva”, que agrupa expressões artísticas de culturas e tempos diferentes, coisas que não possuem ligações diretas, mas que sob os olhos da cultura dominante são associadas.

No livro “Cannibal boxes and glass tours”, o antropólogo Michael Ames discorre sobre o conceito de Arte Nativa, destacando que “para a Arte Nativa ser aceita na sociedade dominante, ela precisa permanecer imutável, exótica e “primitiva”. A evolução da forma, do estilo, e o distanciamento da arte da cultura onde o artista se encontra, é um privilégio reservado para a arte branca." (AMES, 1992). Essa noção de arte primitiva permeia as estruturas dos museus etnográficos, no qual, a produção do outro é colocada no lugar de exótico, e é colocada em exibição como algo estranho ao olho do normal.

No texto "Reflexões sobre a arte ‘primitiva’: o caso do Musée Branly", a escritora Ilana Goldstein apresenta um estudo do caso sobre Museu Branly, localizado na França, um museu etnográfico que se formou em cima da ideia de olhar para a arte dos outros povos de um ponto de vista sobretudo estético (GOLDSTEIN, 2008). A perspectiva sustentada seria a de que a beleza plástica das obras de arte, seriam capazes de falar por si só, sendo essa uma ideia não homogênea no meio da antropologia, diversos pensadores vão pensar na interpretação de objetos etnográficos em conjunto com seus contextos.

O Musée Branly foi projetado por Jean Nouvel e busca propor um diálogo entre culturas, além de retomar o papel e a importância que objetos, artefatos etnográficos e outros elementos como riquezas de uma “arte primitiva”, tão importante quanto as obras criadas após o surgimento da escrita e que os europeus da época minimizaram sua relevância como manifestação artística e cultural (GOLDSTEIN, 2008)

               Figura 1: Musée du quai Branly


Fonte:  Contemporary architecture in Paris / toothpicnations

Verifica-se que nas artes não ocidentais assumem a função de objetos dinâmicos e de testemunhos etnográficos das culturas que divergem das artes ocidentais, como manifestações estéticas que apresentam uma importante autoridade de comunicação dentro das sociedades que geram essas dimensões etnográficas, como objetos que possuíam valor de troca, como no caso do Museu Branly que abordou a arte primitiva dos povos sem escrita como uma das mais genuínas expressões artísticas da história, pois a percepção de barbárie vista pelos desbravadores europeus eram tidas como verdades absolutas, dentro do seu contexto histórico e ético, ao passo que tanto a história como a ética e a sociedade, são elementos adaptativos que se convergem, colidem e confrontam-se, enquanto se desenvolvem e após a inauguração do Musée Branly, estas “artes primitivas” foram alçadas ao que elas contém de maior valor, sua autêntica representação da história e da arte não escrita.

O Musée Branly possui grande relevância ao assumir o papel de agente capaz de suscitar reflexões acerca do que vem a ser a “arte primitiva” sob diferentes aspectos que incluem diferentes perspectivas, como a museológica, a etnográfica, a política e a artística, entre outras ciências por onde perpassa e se registra essa “arte primitiva” (GOLDSTEIN, 2008), pois o Musée Branly consegue estimular questionamentos como “Qual a importância de um artefato da antiguidade enquanto objeto e enquanto registro físico e a relevância de sua concepção para a era moderna?”.

Ao observarmos artes não ocidentais, estamos olhando para objetos que atuam como testemunhos etnográficos, como manifestações estéticas, e como mercadorias com valor de troca. Essas são dimensões distintas, mas que se sobrepõem e se relacionam, sendo assim, elas não devem ser esquecidas, é aí que reside um dos debates sobre a abordagem predominantemente estética que o projeto do Museu Branly assume. Antropologia e museu podem continuar a falar sobre o outro, porém não podem falar no lugar do outro, precisa ser uma ação em conjunto com aqueles ao qual eles desejam estudar.


Referencia Bibliografica:


DURAND, Jean-Yves. Este obscuro objecto do desejo etnográfico: o museu. in: Etnográfica, 2 (11). Revista do Centro de Estudos de Antropologia. Lisboa: CEAS / ISCTE. pp 373-385.

GOLDSTEIN, Ilana. Reflexões sobre a arte "primitiva": o caso do Musée Branly.Horiz.antropol. [online]. 2008, vol.14, n.29 [cited

2013-08-27], pp. 279-314.

KOK, Glória. A fabricação da alteridade nos museus da América Latina: representações ameríndias e circulação dos objetos etnográficos do século XIX ao XXI. ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL/DOSSIÊ. Anais do Museu Paulista. P. 26 .2018.

ABREU, Regina .M.R.M. Tal antropologia qual museu? Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v S7, p.121-143, 2008

MACKENZIE, JohnM. Museums and empire: natural history, human cultures and colonial identities .Manchester: Manchester University Press, New York: distributed exclusively in the USA by Palgrave Macmillan, 2009, 286 p.

AMES, Michael M. Cannibal tours and glass boxes: the anthropology of museums . Vancouver: UBC Press, 1992.

https://www.scielo.br/j/anaismp/a/bqm45jwxRkHspfFcgYSsxfG/?lang=pt






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