sexta-feira, 22 de julho de 2022

JORNALISMO LGBTQIA+: O JORNAL LAMPIÃO DA ESQUINA COMO OBJETO DE RESISTÊNCIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO
DISCIPLINA METODOLOGIA HISTÓRICA EM MUSEUS

Alexsandro Claudio
Daniel Augusto Volante Daldegan de Paula
Ingrid Gabriele Fernandes Fonseca
Lara do Prado Cunha
Vitor Luiz Medeiros de Souza

JORNALISMO LGBTQIA+: O JORNAL LAMPIÃO DA ESQUINA COMO OBJETO DE RESISTÊNCIA

Flávia Péret, pesquisadora sobre a Imprensa Gay no Brasil, responde:

No mês de junho de 2022 foi realizada uma entrevista online via whatsapp com Flávia Péret, durante a entrevista perguntamos sobre a pesquisa que Peret fez para seu livro Imprensa Gay no Brasil. A pergunta feita era sobre o porquê do Jornal Lampião da Esquina ter sido considerado tão relevante, a resposta foi: “O que destacava o Lampião eram os Conteúdo das reportagens. Antes do Lampião o que existiam eram iniciativas mais “leves”  onde a comunidade gay falava mais sobre eventos sociais e fofocas, muitas vezes reforçando estereótipos do homem gay. O Lampião era um jornal inteiro de muitas páginas e conteúdos de matérias de pesos com pesquisas consistentes. Faziam reportagens complexas, abordaram temáticas como racismo, homofobia, etc.”


01 - Flávia Péret. Foto: Bianca de Sá


A leitura do livro de Peret (A Imprensa Gay no Brasil) despertou uma vontade no grupo de pesquisar um pouco mais sobre o jornal Lampião da Esquina, e com isso descobrimos muitas coisas interessantes.


02 - Livro: A imprensa gay no brasil - Flávia Péret


Concepção do Jornal Lampião da Esquina

Um dos pioneiros dentre a imprensa alternativa que discutiu a homossexualidade de forma política, múltipla e afirmativa, foi o célebre Jornal Lampião da Esquina. Este promoveu proposições de desconstruções de estigmas estacionados na sociedade sobre a homoafetividade como também construiu alianças junto aos movimentos considerados minoritários, colocando em destaque pautas sobre o feminismo, ambientalismo, assim como incluindo o movimento negro e questões indígenas em suas publicações.


03 - Exemplares do jornal Lampião da Esquina

O Lampião da Esquina surge em um período ditatorial no Brasil. Uma época marcada pela repressão e por perseguições, passando só então as temáticas do jornal concebíveis devido a abertura política que aconteceu na segunda metade da década de 70, em um momento que ocorreu a diminuição da censura no país.

Sendo assim, a ideia do jornal nasce de um encontro do ativista gay e editor-chefe da Gay Sunshine, Winston Leyland, com intelectuais brasileiros. Nesse momento, João Silvério Trevisan, Jean-Claude Bernardet, Aguinaldo Silva e Peter Fry em reunião na casa do artista plástico Darcy Penteado decidem organizar no Brasil uma publicação de cunho político definido, colocando à tona a questão dos direitos gays. Reunidos em colaboração com Adão Costa, Antônio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata e João Antônio Mascarenhas, publicam em abril de 1978, na cidade do Rio de Janeiro, a edição número 0 do Lampião da Esquina.


04 - Lampião da Esquina nº 0

As pautas parceiras do Lampião da Esquina: 

Conforme nossa pesquisa foi se desdobrando, ficava claro que o Lampião abarcava em suas matérias muito mais que apenas as reivindicações dos públicos homossexuais. Em diversas manchetes o jornal denunciava e chamava a atenção para pautas tão urgentes quanto a sua inicial. Em capas como: “Brasil, campeão mundial de Travestis”, “Lesbianismo, machismo, aborto, discriminação” e “Negros, qual o lugar deles?”  Lampião demarcava com veemência seu posicionamento sociopolítico e deixava claro quais eram pautas que eram parceiras.

Na maioria das vezes o jornal trazia discussões com grande densidade e pessoas de referência para falar de alguma pauta específica, como Abdias do Nascimento para discutir sobre o movimento negro. O jornal também não se eximia das articulações políticas e trouxe o Presidente Lula para uma matéria exclusiva onde se discutia sobre as articulações populares, greve e feminismo. Apesar de explorar muitos temas com um tom satírico, o jornal não se limitava a isso e em cada linha escrita era possível obter informações pertinentes, sempre com uma linguagem crítica e bem embasada.


05 - Lampião da Esquina nº 14


Capas que Instigam:

Como dizem, “A primeira impressão é a que fica”, isso para um jornal é imprescindível, é o  que chama a atenção e faz os leitores diferenciarem seu periódico escolhido dos demais. A produção e design do jornal do Lampião, bebiam de diversas referências estéticas, em contraponto de uma ausência de recursos. 

Algo a se falar sobre a capa é o símbolo do jornal. O chapéu de cangaceiro representa o Lampião (nome do jornal e figura histórica do sertão brasileiro), possui círculos brancos e pretos decorativos e um triângulo no centro. O mais peculiar são os dois círculos e o retângulo (ou cilindro) embaixo do chapéu que servem para representar um rosto mas também representa o formato de um pênis. 


06 - Destaque da logo do Jornal Lampião da Esquina

Apresentar alguma notícia impactante ou alguma imagem atrativa é parte fundamental para a capa de qualquer tipo de projeto midiático que a apresenta, isso não seria diferente com o “Lampião da Esquina’’. Começando com a utilização de uma segunda cor, além do preto, o que o destaca dos demais jornais que são bastante preto no branco, eles utilizavam o verde ou o amarelo para dar um tom mais vibrante a capa, isso também mostra a característica de sempre utilizar bastante cores da comunidade, onde a bandeira que utilizam para representar o movimento possui a formação do arco-íris. As edições deveriam então suprir a necessidade de chamar atenção, fazer uma crítica, ter uma identidade visual e ainda sim, serem produzidas num esquema de cooperativismo e em curto período.


07 - Lampião da Esquina nº 13

As capas possuíam o estilo próximo das pornochanchadas e das charges (aqui no Brasil) e estilo diretamente vinculado à cultura visual Queer, pós moderna que ocorria e pautava a arte nos anos 70 (Nos Estados Unidos e Europa). 

A última coisa a se falar sobre a capa do Lampião são as chamadas principais escritas. Nem sempre o que estava estampado na capa do jornal estava presente dentro do mesmo, essa composição “caótica” se repetiu até o fim da produção do jornal, curioso pensar nisso porque normalmente a capa é onde se encontra as notícias mais importantes presente naquela edição, o Lampião fazia essa inversão para apresentar outros fatos e, às vezes, não sendo, necessariamente, a matéria mais importante que estava sendo noticiada. Ou seja, a seleção das notícias que se tornaram chamadas não foram hierarquizadas. No Lampião todas as possibilidades de chamar atenção, eram utilizadas, mas não necessariamente direcionadas à matéria mais relevante.

08 - Lampião da Esquina nº 15


Referências Bibliográficas:


CAE RODRIGUES, Jorge. Impressões de identidade: um olhar sobre a imprensa gay no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: eduff, 2010


PÉRET, Flávia. Imprensa gay no Brasil: entre a militância e o consumo. Publifolha, 2011.

SANTOS, Wendel Souza.  O movimento LGBT no Brasil (1978- 1981): um estudo sobre o Jornal Lampião da Esquina. 2015.



segunda-feira, 18 de julho de 2022

Os espaços de socialização da comunidade LGBT de Belo Horizonte

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO
DISCIPLINA METODOLOGIA HISTÓRICA EM MUSEUS

Beatriz Queroz Figueiredo
Camila Bueno Marques Salera
Ingrid Ferreira das Dores Andrade
Isabelle Iennaco
Maíra Paula Gil
Raphaela Luiza Damato Lima

O trabalho “Espaços de socialização da comunidade LGBTQIA +” foi concebido por alunas no sexto período do curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais. O intuito do estudo consistiu na busca de uma maior compreensão do porque esses espaços são considerados LGBT friendly, bem como entender as pessoas LGBTs como sujeitos sociais que circulam ao mesmo tempo de forma livre, segundo a lei escrita e restrita, levando em conta os espaços que são de fato seguros para a existência queer.


https://www.guiagaybh.com.br/a-cidade 


A escolha dos locais: Café Cultura Bar, Café com Letras, Café Cine Belas e o próprio Cine Belas ocorreu em virtude da presença desses espaços no Guia Gay BH. O fato de um encontrar-se relativamente perto dos demais foi fator fundamental na escolha. Outro ponto importante é a localização na região da Savassi, conhecido point LGBT da cidade onde andam, segundo as pessoas mais conservadoras,“pessoas estranhas” e com roupas igualmente estranhas. A presença dos locais supracitados no Roteiro GLBT BH do “Jornal Rainbow”, acervo do professor Luiz Morando foi essencial para a consolidação de nossa escolha. O trabalho do referido docente de coleta e seleção para a construção da coleção que foi ponto de partida para esse trabalho deu-se em virtude da ausência de um número significativo de publicações acerca da temática LGBT na atualidade, ao menos no que diz respeito à realidade brasileira.


Com a realização do trabalho, temos como objetivo a aplicação das metodologias para a realização de uma pesquisa histórica e a laboração da mesma baseada em bibliografia, trabalho de campo, análise e purificação das fontes para a construção de algo sólido acerca dos espaços de socialização da comunidade em questão. A metodologia aplicada foi: visita ao acervo do professor Luiz, pesquisa bibliográfica e realização de entrevistas. A efetivação das últimas foi primordial para entendermos a realidade desses estabelecimentos, suas relações com a população LGBT e a efetiva acolhida ou não da diversidade, tendo em vista duas negativas de entrevista quando o assunto foi revelado.


O Café Cultura Bar mudou de dono há onze anos e o local que antes era um café cultural atualmente apresenta a proposta de ser um bar. O público alvo aparentemente segue sendo, segundo a entrevista com um funcionário da casa “mais de esquerda”. A tentativa dupla de realização da entrevista com algum funcionário do Café com Letras foi frustrada, assim como ocorreu no Café Cine Belas. O Cine Belas Artes (atual Una Cine Belas Artes), que também fez parte de nossa pesquisa, foi inaugurado como cinema em 1992 e conta com um histórico cultural e de resistência que vai muito além de sua trajetória como cinema de arte. O local anteriormente era a sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG. Fomos bem recepcionadas quando em trabalho, contudo, tivemos que falar com várias pessoas até que alguém concedesse uma curta entrevista sobre os frequentadores LGBTs.


(...)os atuais grandes centros urbanos não podem ser considerados simplesmente como cidades que cresceram demais - daí suas mazelas e distorções. A própria escala de uma megacidade impõe uma modificação na distribuição e na forma de seus espaços públicos, nas suas relações com o espaço privado, no papel dos espaços coletivos e nas diferentes maneiras por meio das quais os agentes (moradores, visitantes, trabalhadores, funcionários, setores organizados, segmentos excluídos, “desviantes”, etc.) usam e se apropriam de cada uma dessas modalidades de relações espaciais. (MAGNANI, 2002, p.8)


Durante a realização da pesquisa foi possível constatar a presença senão de algum grau de preconceito, ao menos certo receio em tocar nesse “tema tabu” que é a população LGBT. Os espaços sociais podem, de acordo com Miége ser locais “ de resistência, uma auto-organização diante do espaço público burguês, no âmbito dos movimentos sociais”. Conseguimos constatar que mesmo sob uma represália muitas vezes sutil como “os olhares, as atitudes veladas, os comentários” descritos por Peret, a população LGBT segue frequentando os espaços e transformando ora um cinema de arte, ora um café em pontos de encontro relativamente seguros para a comunidade.


Uma questão que à primeira vista não ficou muito clara acerca dessas vivências tidas como “fora do normal” é o medo de simplesmente falar sobre a população LGBT. Após um exercício mental de ler nas entrelinhas à moda de Zadig no conto de Voltaire “O cão e o cavalo” - conseguimos perceber que a vida cor de rosa é apenas uma licença poética concedida à Édith Piaf, nem sempre as informações encontram-se claras o suficiente à primeira vista, logo, uma análise mais aprofundada pode acabar com construções utópicas. Sobre a prática da pesquisa em campo, nos conta Georges Duby que: “A distância entre essa verdade que o historiador persegue e que se esquiva sempre, e o que manifestam os testemunhos que está em condições de interrogar” é um processo inerente da purificação das fontes tão necessária para a construção de algo com alicerces sólidos.


Referências Bibliográficas


MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista brasileira de ciências sociais, v. 17, p. 11-29, 2002.


MIÈGE, Bernard. Mutações no espaço público contemporâneo: Sete considerações fundamentais sobre o espaço público contemporâneo. In: SOUSA , Mauro Wilton de; 


PERET, Luiz Eduardo Neves. Pegação, Cidadania e Violência: as Territorialidades do Imaginário da População LGBT do Rio de Janeiro. Revista Contemporânea ed.14, vol.8, n1, 2010. p. 63 - 76


GINSBURG, Carlo. Sinas: raízes de um paradigma indiciário. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.143-179. 


VOLTAIRE. O cão e o cavalo. In: CONTOS. São Paulo: Nova Cultural, 2003. cap. 3, p. 14-17.


DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1993, 162 p. (Caps. III, IV)

A Influência da imprensa no estigma da AIDS sobre a comunidade LGBTQIA+

Universidade Federal de Minas Gerais 

Escola de Ciência da Informação 

Disciplina: Metodologia de Pesquisa Histórica em Museus 

Professor: Luiz Henrique Garcia

Alunos: Bárbara Oliveira, Lorrayne Drumond, Natália Oliveira, Odirlei Almeida, Sâmara Rebeca, Thamires Caetano.

Data: 06/07/2022

 

A Influência da imprensa no estigma da AIDS sobre a comunidade LGBTQIA+

 

As informações sobre a Síndrome da Imunodeficiência Humana, mais conhecida como AIDS, no Brasil na década de 80, foi acompanhada pelos brasileiros principalmente pela mídia impressa. É possível notar ainda nos dias de hoje, o lugar privilegiado que a mídia e o acesso à informação têm sobre a formação da opinião pública. Não é de se espantar, portanto, que naquela época, sem internet e com poucos canais de informação, e com a influência do preconceito já existente contra LGBTQIA+, a ideia da AIDS como, informalmente chamada, de “peste gay” ou “castigo divino” fosse difundida e a aceita.

A comunidade LGBTQIA+ que vivia um período de muita luta por seus direitos básicos de existência aliados a falta de conhecimentos sobre a doença (até pela própria medicina) junto à moral cristã, que era uma vertente extremamente forte, e a forma que a imprensa brasileira simplesmente replicava o que a imprensa internacional difundia, davam seguimento e voz ao preconceito e discurso de ódio já presente na sociedade em relação a esse grupo. 

Mesmo antes do primeiro caso da doença ser confirmado no Brasil, os homossexuais foram apontados como principal “grupo de risco” de contaminação pelo HIV e isso fez a AIDS ser considerada por muitos como uma doença de gay, estigma que existe até os dias atuais. Como se não bastasse, a primeira morte confirmada de um brasileiro com a doença foi a do costureiro Markito, que era um homem gay. Os jornais noticiavam o medo, o preconceito e a moralização da epidemia. A comunidade médica, que não era livre de ideais individuais e que enfrentava uma doença desconhecida, influenciava em tais estigmas, quando todos que manifestavam a doença eram tratados como "gays ou drogados". Dessa forma, o estigma foi se concretizando sobre a comunidade LGBTQIA+ como sendo os grandes portadores da doença, e foi essa a ideia que perpetuou no imaginário brasileiro por algum tempo. 

Algumas reportagens em revistas de grande circulação (Veja, Istoé, …) expunham trechos que davam espaço a homossexuais com AIDS para falarem sobre sua vida, sobre a doença e suas relações, após a morte de Cazuza, sua mãe ficou conhecida como a "mãe dos aidéticos" e se preocupava em ajudar e a difundir informações. É possível notar a influência dos ideais de alguns jornais em suas reportagens, que no geral foram sendo suavizadas com o passar dos anos e com a evolução do conhecimento médico em relação à doença.

O tratamento pela imprensa, dava voz ao estigma já presente na sociedade em relação a esse grupo. Paulo Ricardo Diniz Filho (2014) apresenta como os ‘desvios sociais’, apresentados por Howard Becker e Erwing Goffman, foram estigmatizados pela sociedade, levando uma pessoa ou grupo a ser reconhecido apenas por uma característica e por seus estereótipos. Os conceitos e estigmas foram sendo construídos e difundidos pela sociedade, perpassando por questões morais, religiosas e sociais.

Com o passar do tempo é possível notar as mudanças em como a AIDS e esses estigmas eram tratados, até mesmo nas palavras usadas, as palavras "aidéticos" e "drogados" foram trocadas por "vítimas do HIV" e "usuários de drogas", termos homofóbicos foram banidos e o discurso foi sendo alterado. 

A imprensa, ainda é um grande difusor de opiniões e se mantém necessária como uma forma de promover campanhas de conscientização sobre HIV e AIDS e  da diminuição de estigmas, principalmente o de como a doença não está relacionada a homossexualidade, além de reduzir o preconceito sofrido por soro-positivos e em como se proteger do vírus. 


REFERÊNCIAS 

 

DA SILVA VIANNA, ELIZA . Aids a contrapelo: experiência da doença e relações de poder. HISTÓRIA: DEBATES E TENDÊNCIAS (PASSO FUNDO) , v. 21, p. 155-171, 2021.

 

FAUSTO NETO, Antônio. Comunicação e mídia impressa: Estudo sobre Aids. São Paulo: Hacker Editores, 1999. 

 

FILHO, Paulo Ricardo Diniz. Outsiders e Estigma: Duas perspectivas sobre o desvio social. 2014. 

 

GARCIA, S.KOYAMA,M. A. H. Estigma, discriminação e HIV/Aids no contexto brasileiro, 1998 e 2005. Revista de Saúde Pública, v. 42, n. suppl 1, p. 72–83, jun. 2008.

 

LOPES, Pablo de Oliveira. NEVES, Paulo Sérgio da Costa. PEREIRA, Lucas de Almeida. Uma visão interdisciplinar da AIDS na década de 1980: em cena, jornalismo e saúde. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 09, pp. 46-69. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/visao-interdisciplinar, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/visao-interdisciplinar

 

MOREIRA V, MENESES AM, ANDRADE DB, ARAÚJO MC. Fenomenologia do estigma em HIV/AIDS: “coestigma”. Mental. 2010;8(14):115-31.

 

SILVA, Letícia Gonçalves Ozório; NETO, Paulo Bungart. A sombria história da “peste-gay”: a autoficção de Caio Fernando Abreu e o retrato do estigma da AIDS no Brasil.

 

SILVA, F. R.; GUEDES, R. da S. A mídia impressa e a construção narrativa sobre a AIDS no Brasil no final do século XX: Uma relação perigosa. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 121-140, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art7 O Brasil é caracterizado como um país de ampla di

 

TERTO JR, Veriano. Homossexualidade e saúde: desafios para a terceira década de epidemia de HIV/AIDS. Horizontes antropológicos, v. 8, p. 147-158, 2002.

 

ZANATTA, Elaine Marques. Documento e identidade: o movimento homossexual no Brasil na década de 80. Cadernos AEL, 1996.



 


O QUE SÃO OS NOSSOS LUGARES DE ONTEM HOJE? UM ESBOÇO CARTOGRÁFICO DOS ESPAÇOS LGBTQIA+ DE BELO HORIZONTE (1970-1990)

 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG

ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

CONSERVAÇÃO E MUSEUS II

PROFESSORA: Luiz Henrique Garcia

ALUNA: Alice Rodrigues, Elison Vitor, Flávia Torres, Daise Garcia, Evelyn 



Todos os dias, a gente acorda, se conecta à internet e se informa, informa e opina sobre o lugar que mora. Posta fotos, vídeos e faz outras infinidades de coisas que nos dizem sobre hábitos cotidianos dessa cidade. São coisas que dizem sobre o lugar e suas dinâmicas. Quando pensamos a cidade como geografia das experiências, os lugares adquirem identidades tão diversas quanto as subjetividades que os ocupam, sejam para construir experiências significativas, sejam como espaços de fluxo.

Nesse espectro das dinâmicas sociais (especialmente na modernidade e todo o seu aparato contemporâneo), o espaço acresce a elas o sentido do novo. Os lugares se movimentam dentre os espaços da cidade e a cidade se transforma a cada demanda da especulação imobiliária, tendências econômicas, políticas, demográficas e ideológicas. Ver imagens da Belo Horizonte dos anos 1970, nós, 90's e 00's kids, é como avistar o desconhecido e reconstruir imagens de um cotidiano desconhecido. E esse cotidiano está além da objetividade daquele lugar. O cotidiano dos anos 1970 está repleto de uma forma de se vestir, de falar, de uma estética material, ideologias e pessoas que minimamente compartilhamos o fundamental nos dias de hoje. Não porque se perde, mas porque a cidade é esse lugar rotativo e transformador a cada geração, a cada demanda de pensamento. 

Durante a pesquisa que empreendemos sobre os espaços de sociabilidade LGBTQIA+ em Belo Horizonte dos anos 1970 e 1980, nós nos deparamos com um universo social totalmente adverso ao de 2022. Durante o levantamento dos dados, encontramos muitas saunas e boates inauguradas na cidade, primordialmente nos anos 1980 (e essa abertura advém do fortalecimento das lutas LGBTQIA+ ao longo do século XX). Ao filtrarmos os metadados de pesquisa, nós nos deparamos com vários artigos de opiniões, peças teatrais, entrevistas em jornais de grande circulação na cidade dedicadas ao tema. Isso demonstra a significância da cidade e seus lugares para as subjetividades que nela habitam, que os lugares não são espaços neutros e a sua edificação, especialmente os lugares de sociabilidade, expressam as lutas daqueles que dedicam as suas vidas pelo direito de ocupá-los. Falar de cidade é falar de direitos, e assim cartografamos alguns desses lugares e os apresentamos tal qual são hoje mediados pela seguinte pergunta: o que a imagem do presente permite narrar sobre o passado? Nessa pesquisa, ao fotografarmos o hoje com o intento de sabermos que há naqueles endereços hoje, questionamos como seria? Quem frequentaria? Quais vivências ocorreram ali? Essa a intrigante pergunta sobre o lugar; para além do que era, quais memórias se constituíram ali? Qual o significado desses lugares quando se pensa a sociabilização? Dentre esses lugares há saunas dedicadas ao público masculino. Qual a importância desse espaço para a promoção de encontros, o conforto e segurança para a expressão da sexualidade, afetos e dos encontros? Quando se pensa em bares ou nas festas LGBTQIA+ em que havia um círculo principal de amigos e se estendia à agregados e pessoas recém conhecidas que encontravam ali um ambiente seguro para experienciar o universo queer ou até mesmo as festas panfletadas entre os membros da comunidade… há tudo nisso uma dinâmica social e a rotatividade ou, melhor dizendo, a revitalização, a reinvenção e as novas significações desses lugares e do espaço urbano em si. Isso diz sobre as nossas lutas diárias enquanto pessoas, enquanto coletivos, independente das classificações das nossas identidades e dos interesses que sustentam as nossas ocupações.

0 - Cartografia de Belo Horizonte: locais visitados

01 - SOHO: Rua Santa Rita Durão, 674. Funcionários

02 - TOCA: Rua Aimorés, 1855. Lourdes

03 - ALIÁS: Rua Gonçalves Dias, 2217. Lourdes


04 - ZUUM: Av. Bias Fortes, 541; esquina com Bernardo Guimarães. Lourdes

05 - LULU: Rua Leopoldina, 415. St. Antônio

06 - CARBONARA RESTAURANTE: Praça Raul Soares, 350. Centro

07 - VAPORE - Rua Timbiras, 2523. Lourdes

08 - SAUNA NETURNO: Rua Guajajaras, 2099. Barro Preto

09 - PHSYQUE AND BODY THERMAS: Rua Timbiras, 2040. 
Lourdes

10 - EROS MIX CLUB: Rua Aimorés, 1840. Lourdes

11 - JOSEFINE: Rua Antônio Albuquerque, 729. Savassi

12 - RAINBOW: Rua Goitacazes, 1361. Barro Preto


13 - BELAS ARTES, ESPAÇO URBANO: Rua Gonçalves Dias, 1581. Lourdes

14 - CINE SHOPPING ROMA: Av. Santos Dumont, 477. Centro

15 - CAFÉ BELAS ARTES: Rua Aimorés, 1840. Lourdes

16 - CAFÉ COM LETRAS: Rua Antônio Albuquerque, 718. Lourdes

17 - CAFÉ DO CASTELO: Rua da Bahia, 1149. Centro

18 - GIZ BAR: Av. Contorno, 2395. St. Tereza 


REFERÊNCIAS


BOURDIEU, Pierre. Espaço físico, espaço social e espaço apropriado. São Paulo: Estudos Avançados. 2013.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2002, v. 17, n. 49 [Acessado 13 Abril 2022] , pp. 11-29.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Volume 1. São Paulo: Editora Terra e Paz S.A, 1999. Pp. 571

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2002, v. 17, n. 49 [Acessado 13 Abril 2022] , pp. 11-29.

PERET, Luiz Eduardo Neves. Pegação, Cidadania e Violência: as Territorialidades do Imaginário da População LGBT do Rio de Janeiro. Revista Contemporânea ed.14, vol.8, n1, 2010. p. 63 - 76.

QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando. Vestígios de proativismo LGBTQIA em Belo Horizonte (1950-1996). Revista Unilab. vol 1, n. 4, 2008.

SANTOS, Leonel Cardoso dos. Gradientes Hierárquicos ‘na Balada’: Etnografia, Corpos e Sociabilidades nas Boates GLS de Belo Horizonte. 2012. 116 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.

MIÈGE, Bernard. Sete considerações fundamentais sobre o espaço público contemporâneo. 2014

Scott, J. (2017). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade.  V. 20 n. 2. Porto Alegre, 1995


ESTUDO DA HISTÓRIA CULTURAL DA REPRESENTATIVIDADE GLS/LGBTQIA+ NO FIM DA DÉCADA DE 70, NO BRASIL, A PARTIR DA EDIÇÃO EXPERIMENTAL (nº 0) DO JORNAL IMPRESSO LAMPIÃO DA ESQUINA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS                                       05/07/2022

ESCOLA DE CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO

METODOLOGIA DE PESQUISA HISTÓRICA EM MUSEUS

PROF. LUIZ HENRIQUE GARCIA

ALUNO: VITOR GOMES DOS SANTOS

 

ESTUDO DA HISTÓRIA CULTURAL DA REPRESENTATIVIDADE GLS/LGBTQIA+ NO FIM DA DÉCADA DE 70, NO BRASIL, A PARTIR DA EDIÇÃO EXPERIMENTAL (nº 0) DO JORNAL IMPRESSO LAMPIÃO DA ESQUINA 

Ao fim da década de 70, em meio a ditadura militar no Brasil, mas já na fase de abertura política, Winston Leyland, editor da Gay Sunshine (revista voltada para o público homossexual de São Francisco, Califórnia) se reunia com mais onze militantes intelectuais que eram autodeclarados homossexuais (HEEREN, 2011, p.47) (LAMPIÃO, 2016). Segundo Agnaldo Silva, tudo começou quando Winston Leyland, da Gay Sunshine Press, esteve no Brasil coletando material para uma antologia de autores homossexuais latino-americanos. (LAMPIAO, 1978, p.5). Em nenhuma fonte consultada foi possível compreender quantos foram, ou em qual deles surgiu a ideia de formar um corpo editorial, com essas onze pessoas, mas é distinguível ter havido mais de um encontro, sendo sediados tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo, e também que em uma dessa reuniões se teve a ideia de criar um jornal, brasileiro, que compreendesse a vida social e as ambições civis do segmento homossexual da população, assim como suas tramas com as demais minorias (HEEREN, 2011, p.47) (LAMPIÃO, 2016) (LAMPIÃO, 1978, p. 2), chegando a abordar até mesmo a questão dos direitos dos animais, afirmando que esta conquista tornava esse grupo, a mais exótica das minorias:

“E LAMPIÃO reafirma aqui seu conceito de minoria: é um grupo sobre o qual a sociedade repressiva mantém seus tacões, mesmo que ele não seja minoritário, como as mulheres (...).” (LAMPIÃO, 1978, p. 11)

 Mais tarde, esse start foi classificado como compromisso histórico pela própria imprensa alternativa. Assim, foi criado Lampião da Esquina e ficou decidido que o seu Conselho Editorial fosse formado por: Adão Costa, Aguinaldo Silva, Antônio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Darcy Penteado, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata, Jean-Claude Bernadet, João Antônio Mascarenhas, João Silvério Trevisan e Peter Fry (HEEREN, 2011, p.47). É importante ressaltar que foram enviados diversos convites a mulheres para fazer parte do corpo editorial, mas nenhuma se pronunciou (LAMPIÃO, 1978, p.4). Encarregados de traçar e manter a linha editorial do periódico, lançaram primeiramente uma edição experimental, de número 0 - lançada em abril de 1978, com a mensagem “circulação restrita” em sua capa – que traz a nota editorial “Saindo do Gueto” na página de abertura, deixando claro sua postura e seu lugar de incursão. 

01 - Cabeçalho da edição experimental - Nº 0 - 
jornal Lampião da esquina

“Ventos favoráveis sopram no rumo de uma certa liberalização do quadro nacional em ano eleitoral, a imprensa notícia promessas de um Executivo menos rígido, fala-se na criação de novos partidos, de anistia, de uma investigação das alternativas propostas faz até com que se fareje uma “abertura do discurso político brasileiro”.” (...) “É preciso dizer não ao gueto e, em consequência sair dele. O que nos interessa é destruir a imagem-padrão que se faz do homossexual, segundo o qual ele é um ser que vive nas sombras, que prefere a noite, que encara a sua preferência sexual como uma espécie de maldição (...).” “(...) Falando da discriminação, do medo, dos interditos ou do silêncio, vamos também soltar a fala da sexualidade no que ela tem de positivo e criador.” (LAMPIÃO, 1978, p.2).

Havia interesse de se estudar, inicialmente, a representação do homossexual através das matérias do jornal, ao longo de sua história, em paralelo com o contexto social, político, da época, que o jornal buscava embarcar. Entretanto, por se tratar de um jornal subversivo, político - de militância, voltado para mudar as estruturas da linguagem (dos fatos) amplamente associada a representação do homossexual brasileiro - mostra-se extremamente complexo em suas relações e, até mesmo, denso em seu conteúdo. Assim, geralmente as matérias surgem como indícios de diversos aspectos do status quo que eram impedimentos para o trabalho da equipe editorial, ou mesmo, enquanto resistências concernentes à conquista dos direitos humanos e da liberdade de expressão deste segmento da população, nos trazendo profícuas análises e infinitos caminhos possíveis de serem percorridos. Dado a fertilidade do material, o estudo resolveu restringir sua abordagem ao momento da incursão inicial do jornal Lampião da esquina, sua edição de lançamento. Esta autoproclamada “edição experimental”, nos interessa tanto, justamente por condensar esta tal densidade de conteúdo, aflorando perceptivelmente suas complexidades. Como por exemplo, quando uma carta selecionada, intitulada de Apelo ao jovem guei, levemente embasada em argumentos teológicos, afirma que “muitos (homossexuais) adotam habitualmente um comportamento artificial em consequência de discriminações mais ou menos veladas a que estão sujeitos.” (LAMPIÃO, 1978, p.15). Tal visão encontra eco constante no artigo “Qual é a da nossa imprensa?”, onde Frederico Jorge Dantas, questiona o momento atual e a inserção de uma imprensa homossexual, falando de sua dificuldade com o boletim EROS, onde encontrou “barreiras praticamente intransponíveis, quase todas erguidas pelas pessoas a quem ele dirigia o boletim” (LAMPIÃO, 1978, p.5):

                                                                   “Repressões sociais que nos são impostas pelo grupo majoritário onde o machista credenciado desrespeita a própria regra das liberdades individuais.” (...). (...)  “Reflexo exato da corrupção moral em que se encontra envolvida a homossexualidade, vítima dessa discriminação esmagadora, a que continua sendo imposta pelo estilo machista.” (...) “Dolorosos processos de autocondenação destroem centenas de homofilios incapazes de enquadrar dentro de uma definição social estável. Esta insegurança acaba originando comportamentos agressivos e em alguns casos, contrário ao bem estar social do nosso próprio grupo.

E sendo grave, afirma, “reconheço ser a bicha atual um estágio necessário para se atingir um tipo ideal de homossexual conscientizado de sua própria realidade sexual.” Chega finalmente a admitir “E procuro apoio naqueles que defendem a tese de que o homossexual tem necessidades de se desenvolver dentro de uma realidade contrária a esta” (LAMPIÃO, 1978, p.5). Talvez indicando a necessidade que iria ao encontro, um pouco mais tarde, do desenvolvimento e aplicação constantes das Teorias Queer.

02 - Capa da edição experimental - N° 0 -
jornal Lampião da esquina

De fato, a representação do homossexual aparece de forma bem tensionada, na sessão Tendências por exemplo, aparece o artigo Três vezes Darcy Penteado, que fala de três projetos do artista pela cidade, dentre eles uma peça teatral chamada a engrenagem do meio, onde um dos três protagonistas é um travesti. Pode-se retirar o seguinte trecho da reportagem: “nela a temática homossexual é tratada de maneira séria, direta, e os personagens são pessoas comuns, não caricaturas ou “doentes” mentais, como tem acontecido sempre em peças do gênero. (LAMPIÃO, 1978, p. 13). E em diversos locais do jornal o vocábulo irmãos, clama por união e tomada de autoconsciência coletiva. “Sabe, digo isso porque é difícil um homossexual sem a carga de maldição que lhe impuseram.” (LAMPIÃO, 1978, p.7).

Havia o forte entrave da censura à grande imprensa. Na imprensa brasileira o único jornal de grande circulação que abordava a homossexualidade era o Jornal Notícias Populares, jornal conhecido por sua abordagem sensacionalista ao extremo, de vocabulário depreciativo e que trazia temáticas principalmente ligadas a violência, crime e sexo (LAMPIÃO, 2016), ainda, João Silvério Trevisan afirma que quando a palavra “lésbica” aparecia na edição da Folha de São Paulo, eles cortavam e escreviam “feminista. Esses eram, portanto, fatores desfavoráveis as discussões de gênero e representatividade GLS. 

          A saída a censura era editar jornais alternativos – a chamada imprensa nanica. Um dos nomes mais relevantes do jornalismo nanico era o Pasquim (falar mais). Entretanto, o cineasta Luiz Carlos Lacerda afirma que ele tinha um corpo editorial extremamente machista e homofóbico. Havia também jornais mimeografados, de baixíssima circulação, como o Eros (LAMPIÃO, 1978, p. 5) e o GENTE GAY (LAMPIÃO, 1978, p.14). Nessa conjectura, em 1976, no breve período de dois meses, no Jornal da Última Hora, o ousado buscou instaurar-se através da Coluna do Meio. De “cunho informativo social e burlesco” (LAMPIÃO, 1978, p. 6) promovendo o “encontro” de ideias dispersas, pela falta de espaço, para se discutir a temática homossexual. Na época, recebia de 30 a 40 cartas por dia. Apesar disso, Celso Curi, jornalista idealizador da coluna, acabou demitido, recebeu ameaças (LAMPIÃO, 2016), e foi processado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (LAMPIÃO, 1978, p. 6). A reportagem sobre o acontecimento, ocupa três páginas desta edição de nº 0, e reporta se tratar do primeiro processo contra homossexualismo na história judicial do Brasil. De um lado, evidenciando os entraves políticos e sociais da época, e de outro, demonstrando a crescente relevância da temática.

Portanto, o Lampião não foi o primeiro jornal para o público homossexual, mas foi o primeiro, a tratar da questão estrutural da linguagem que sustenta as relações sociais e a visão do homossexual na sociedade brasileira sob uma ótica crítica, ou seja, foi o primeiro a abordar a sexualidade de maneira pontual no Brasil. (SANTOS, 2015, p. 136). Cada edição teve uma circulação de 10 a 15 mil exemplares em todo o país (FERREIRA, 2012. p. 4).

NAS RUAS

Na época, os travestis e homossexuais eram marginalizados de forma violenta. O documentário Lampião da Esquina da diretora Lívia Perez, ainda no primeiro minuto, mostra uma reportagem do começo da década de 80 onde entrevistados afirmam coisas como “eu acho que não deveria existir homossexual”, outro fala “acho que deveria acabar de um jeito ou de outro, prendendo... matando...”, enquanto um outro entrevistado ao ser questionado se ele acha que devem matar travestis, afirma que “se a lei permitir.... seria uma boa”. O filme pode ser conferido abaixo:



          Vale ainda ressaltar outros assuntos que aparecem nessa edição como: prisioneiros de consciência e o “apoio moral” da Anistia; homossexuais nos campos de concentração, como eles eram distinguidos e o apagamento da temática na memória coletiva; contos e poemas; tendências em voga (marcava uma sessão); sexualidade de figuras emblemáticas da política; “marginalização” do gozo feminino e do gozo homossexual; inseminação artificial em casais de lésbicas; arte erótico-homossexual brasileira, os limites entre erótico e pornografia, e os parâmetros que formulam o estatuto moral/imoral.  E na seção Cartas na Mesa: Homossexualismo no futebol, TV-Globo estereotipando a representação de seus atores como mais “viris” do que realmente são, expectativas sobre a revista, solicitações de fotos de homens nus, reclamações, queixas contra a polícia, e até desabafos.

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Carlos. Imprensa Homossexual: Surge o Lampião da Esquina. Revista Alterjor 1(1), São Paulo, 2012. P 1-13.

HEEREN, José Augusto de Castro. O armário invertido: comunicação e discurso sob a luz de Lampião. 2011. 238 f. Dissertação (Mestrado)- Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação, São Paulo, 2011. p. 45-49.

LAMPIÃO da Esquina. Lívia Perez. São Paulo, Doctela/Canal Brasil, 2016. Disponível em: Lampião da Esquina - Agnus Guei do Labedisco

LAMPIÃO DA ESQUINA. Rio de Janeiro. Editora Lampião, circulação restrita, nº 0, 1978.

PERET, L.E.N. Pegação, Cidadania e Violência: as territorialidades do imaginário da população LGBT do Rio de Janeiro. In: Revista Contemporânea. Ed. 14. Vol. 8. Nº 1. 2010.

SANTOS, Wendel Souza.  O movimento LGBT no Brasil (1978- 1981): um estudo sobre o Jornal Lampião da Esquina. Temática. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/25245/13733.