sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Síntese da apresentação que realizei durante o 1° Seminário de Organização do Museu Clube da Esquina e Centro de Referência da Música de Minas, ocorrido hoje, 28/11/2014, na ECI/UFMG.

O objetivo principal foi pensar sobre o papel da pesquisa no contexto do museu, através da estruturação do Setor de Pesquisa da instituição. Isso envolve conceber uma equipe básica, permanente, cuja composição poderá ser reforçada em função de projetos ou programas específicos e do crescimento da instituição. As principais atividades do setor de pesquisa são qualificadas como programas permanentes considerando sua intensidade e regularidade. É fundamental que essas atividades estejam articuladas às quais estão vinculadas que são desempenhadas em outros setores dentro da estrutura administrativa. O acervo reunido e a infra-estrutura proposta permitem antever que o MCE-CRMM poderá se tornar um importante centro de pesquisa. Atualmente a música tem sido tratada como objeto de pesquisa por variados campos do saber, da musicologia à história, das ciências sociais ao direito, da comunicação às letras e artes.  Além disso, os temas que remetem aos conceitos geradores como identidades culturais, redes de sociabilidade, circularidades e trânsitos culturais na globalização, entre outros, também poderão fazer parte do campo de interesses e atividades da instituição e de seus freqüentadores. Pode ser um espaço dinamizado por debates e atividades acadêmicas de grupos de pesquisa diversos, inclusive aquelas abertas a um público mais amplo, propiciando interfaces entre ensino, pesquisa e extensão. Haverá possibilidade de exteriorizar parte da produção desses grupos em publicações e atividades de divulgação científica, considerando aí o imenso potencial da internet através de páginas, blogs e redes sociais. Por fim, considerando a implantação do ensino obrigatório de música nas escolas, há que se considerar as futuras necessidades de um conjunto de docentes que poderá encontrar no MCE-CRMM espaço para formação continuada, exercício da pesquisa e preparação de materiais para suas aulas. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Tempo e patrimônio na Grécia



Um trecho do texto que apresentei na última terça-feira na Casa do Baile:

Michael Herzfeld, em seu livro A Place in History: Monumental and Social Time in a Cretan Town considera que “entre o tempo social e o monumental está posto um cisma discursivo”. O tempo social remete ao cotidiano, à experiência diária, é aberto e imprevisível. O tempo monumental, ao contrário, é redutivo e genérico. Ele descreve eventos como realizações de destinos supremos e reduz a experiência social à previsibilidade. Seu foco principal é o passado, um passado constituído por categorias e estereótipos. Nas suas formas extremas, representa o enquadramento temporal do Estado–Nação (HERZFELD, 1991, p.10).
A reavaliação do passado grego tem promovido a reconstrução do patrimônio clássico como caminho para a identidade européia (p.11). Os discursos hegemônicos tendem a enfatizar essa aproximação e simultaneamente demonizar o Oriente. Como demonstra Stavros Stavrides em seu texto Urban Identities: Beyond the Regional and the Global. The Case of Athens, nas Olimpíadas de 2004 enfatizou-se o duplo movimento de alçar Atenas ao padrão das grandes cidades modernas e globais européias, ao mesmo tempo em que se enfocou a particularidade, a “localidade” de sua identidade como “berço da civilização ocidental”. (STAVRIDES, 2008, p. 578). Desde o princípio, já que Atenas foi escolhida capital do nascente Estado Grego moderno, foram feitos esforços para destruir edificações e sítios que pudessem indicar um passado complicado, cheio de rupturas e hibridações. Apenas os monumentos clássicos e Bizantinos eram vistos como apropriados para definir A Atenas do XIX como herdeira da Atenas clássica. (STAVRIDES, 2008, p.579). 

Promoveu-se a unificação dos sítios arqueológicos com séria de áreas verdes e calçadas. Continuidade espacial estabelecendo uma continuidade histórica. As qualidades únicas da cidade são mediadas por uma teatralização seletiva do passado. Por outro lado, a estratégia de construir a identidade contemporânea da cidade implicava em levá-la em uma direção aparentemente oposta, pois precisava apresentar ambientações urbanas modernas reconhecidas como similares às de outras grandes cidades globais, familiares a turistas e cidadãos das metrópoles ocidentais. Emprego da arquitetura de grife. Stavrides identifica dois gestos neste sentido: O teto do Estádio Olímpico, projetado por Calatrava em contraponto aos prosfygika (edifícios modernistas) encobertos pelo “placar” com imagem panorâmica de Atenas incluindo os monumentos mais conhecidos. Jogaram a capa de um cenário espetacular sobre as edificações portadoras de um vocabulário arquitetônico considerado fora de moda. Enquanto os edifícios modernistas remetem a apropriações e identificações que compõem a história de Atenas, a imagem do painel remete a uma Atenas atemporal, de cartão postal para turista. Identificado a uma cultura global de consumo. Enquanto os edifícios modernistas remetem à racionalidade e eficiência, de custo mais baixo, o teto de Calatrava remete a um novo universalismo, o universalismo do consumo, está focalizado na aura do dispêndio.   
Isso pode envolver a valorização e recuperação do patrimônio de valor histórico e cultural, mas incorporado duplamente nesse movimento que o globaliza como espaço estandartizado de lazer e consumo e que o relocaliza como afirmação da identidade e da tradição em viés essencialista e fetichizado (LEITE, 2007, p. 292). Vemos nessa proposição uma chave importante para entender como uma política que ainda podemos considerar “fachidista” ou “tradicional”, perdura, ainda que reinserida numa nova lógica, o que Carlos Fortuna (1997) denominou “conservação inovadora do elemento tradicional” (apud LEITE, 2007, p. 65). Dessa forma os vestígios do passado apresentam-se em forma de pastiche, o que resulta num paradoxo constatado por Hartog (2013, p. 234): “(...) o mais autenticamente moderno hoje seria o passado histórico, mas colocado nas normas modernas. No final das contas, conservam-se apenas as fachadas”.
Esses mesmos jogos de força em torno do patrimônio podem ser vistos no caso do relativamente novo Museu da Acrópole. Sua abertura em Atenas (jun.2009) acrescentou uma nova urgência ao debate de 200 anos em torno das esculturas do Partenon. Os administradores do Museu Britânico deram uma resposta preventiva, deixando clara sua posição de que o novo museu não mudava sua visão de que as esculturas são parte do patrimônio compartilhado de todos e transcendem as fronteiras culturais (MARSHALL, 2012, p.34)

Em seguida, o arquiteto responsável pelo novo museu, Bernard Tschumi, mudou o tom do discurso que antes era pautado pela restituição ou repatriamento cultural, enfatizando somente um desejo de contribuir para a reunificação do Friso do Partenon. No Museu da Acrópole as esculturas originais que ainda permanecem em Atenas são expostas em combinação com réplicas que indicam a localização das demais porções.  Em seu ensaio sobre o tema,

 Athens, London or Bilbao? Contested narratives of display in the Parthenon galleries of the British Museum, Marshall (2012) considera uma quimera a pretensão de reunir todos os pedaços remanescentes de volta em Atenas.

A ideia de girar o relógio para trás para um tempo referencial num agora distante passado em que as esculturas poderiam estar completas é uma poderosa reivindicação, porém não menos utópica e fatalmente ilusória, tanto quanto o argumento do Museu Britânico de que está qualificado para falar em nome de toda a humanidade e reter as esculturas para o benefício dos cidadãos globais do mundo afora. (MARSHALL, 2012, p.42)

O pavilhão no museu tem uma parede de vidro que o coloca em diálogo com a visão do Partenon. A arquitetura representa a intenção de reunificação das esculturas. 
No Museu Britânico o emolduramento das esculturas promove um contexto expositivo que remete a um templo e à arquitetura do próprio Partenon,  assegurando a sala Elgin como espaço extraordinário/monumental  que prova que o museu e a civilização que o criou está à altura de guardar o patrimônio da antiga civilização mãe. Nas transformações urbanas operadas sob este contexto, sob a fachada da restituição cultural pode estar uma estratégia de dominação econômica e política.
 

sábado, 15 de novembro de 2014

Paris no acervo do MET

Prestes a encerrar as atividades da disciplina Museu e Cidade no semestre, encontro essa maravilhosa exposição virtual de obras pertencentes ao Metropolitan Museum of Art (MET) de Nova York. Pena que não pude usar para as aulas, fica para uma outra oferta da disciplina.
View depictions of the fabled city on our Pinterest board: Paris: The City of Light and Love.

Félix Vallotton (Swiss, 1865–1925).Street Scene in Paris (Coin de rue à Paris), 1895. The Metropolitan Museum of Art, New York. Robert Lehman Collection, 1975.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Procure conhecimento, meu filho

O porteiro José Carlos da Silva, 52 anos, costuma repetir o mesmo programa nos dias de folga. Pega o metrô na rua da Consolação, desce na estação da Luz e adentra o seu paraíso: a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
"Gosto de passar o dia inteiro na Pinacoteca admirando a coleção do Almeida Júnior. Sou apaixonado por arte e louco por Caravaggio", diz. "Vou mais a museus e bibliotecas do que ao cinema, porque é de graça."

Uma história singular, mas que sugere várias reflexões interessantes, inclusive sobre os museus e seus públicos. Sempre acreditei que não se pode nivelar por baixo a linguagem e os conteúdos de uma exposição, e que ela deve oferecer justamente o estímulo para a busca do conhecimento. A história do José Carlos, ainda que só dele, diz muito sobre quão variado e fora do esperado pode ser o público que frequenta uma instituição museológica. É preciso aprender com ele, e estar à postos para oferecer mais possibilidades de estudo. Louvo a oferta de bolsa feita pelo MASP: "Um ano inteiro estudando arte, melhor ano da minha vida". Este público interessado, sedento pelo conhecimento, mas isolado dos museus por uma série de barreiras visíveis e invisíveis pode estar logo ali, no entorno mesmo.
Uma discussão que costumo propor em disciplinas como Função Social dos Museus e Museu e Cidade.Dentre tantas leituras indicadas eu destaco o texto de  Ana Rosas Mantecón. Usos y desusos del patrimonio cultural: retos para la inclusión social en la ciudad de México, publicada nos sempre bem cuidados Anais do Museu Paulista. Alguns trechos que destaco:

"La sacralización y monumentalización del patrimonio imponen barreras para que la población pueda apropiárselos en su vida cotidiana y están en la base de procesos de exclusión social"
[...] el reto no es aumentar audiencias, sino acrecentar la comprensión de los mecanismos de exclusión y las fuerzas actuantes en la institución y en el campo cultural, con el fin de poder intervenir en ellos; entablar diálogos cada vez más abiertos con sectores interesados y participantes y, de acuerdo con ello, de este modo brindar una gama variada y compleja de servicios adecuados, en relación con las colecciones u objetivos del museo y con las características socioculturales de los públicos efectivos y potenciales. El reto es que la relación museo-sociedad sea el verdadero soporte y fuerza de la institución.[...]
No se trata pues de simplificar o espectacularizar los recursos useográficos para hacer más rentable la institución, sino de atraer y atender a la mayor diversidad posible de públicos, reconociendo que el objetivo principal es el combate a la inequidad en el acceso a la cultura. [leia o texto completo]



Néstor García Canclini e Ana Rosas Mantecón