UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Alexsandro Claudio
Flávia Péret, pesquisadora sobre a Imprensa Gay no Brasil, responde:
No mês de junho de 2022 foi realizada uma entrevista online via whatsapp com Flávia Péret, durante a entrevista perguntamos sobre a pesquisa que Peret fez para seu livro Imprensa Gay no Brasil. A pergunta feita era sobre o porquê do Jornal Lampião da Esquina ter sido considerado tão relevante, a resposta foi: “O que destacava o Lampião eram os Conteúdo das reportagens. Antes do Lampião o que existiam eram iniciativas mais “leves” onde a comunidade gay falava mais sobre eventos sociais e fofocas, muitas vezes reforçando estereótipos do homem gay. O Lampião era um jornal inteiro de muitas páginas e conteúdos de matérias de pesos com pesquisas consistentes. Faziam reportagens complexas, abordaram temáticas como racismo, homofobia, etc.”
01 - Flávia Péret. Foto: Bianca de Sá |
A leitura do livro de Peret (A Imprensa Gay no Brasil) despertou uma vontade no grupo de pesquisar um pouco mais sobre o jornal Lampião da Esquina, e com isso descobrimos muitas coisas interessantes.
02 - Livro: A imprensa gay no brasil - Flávia Péret |
Concepção do Jornal Lampião da Esquina
Um dos pioneiros dentre a imprensa alternativa que discutiu a homossexualidade de forma política, múltipla e afirmativa, foi o célebre Jornal Lampião da Esquina. Este promoveu proposições de desconstruções de estigmas estacionados na sociedade sobre a homoafetividade como também construiu alianças junto aos movimentos considerados minoritários, colocando em destaque pautas sobre o feminismo, ambientalismo, assim como incluindo o movimento negro e questões indígenas em suas publicações.
03 - Exemplares do jornal Lampião da Esquina |
O Lampião da Esquina surge em um período ditatorial no Brasil. Uma época marcada pela repressão e por perseguições, passando só então as temáticas do jornal concebíveis devido a abertura política que aconteceu na segunda metade da década de 70, em um momento que ocorreu a diminuição da censura no país.
Sendo assim, a ideia do jornal nasce de um encontro do ativista gay e editor-chefe da Gay Sunshine, Winston Leyland, com intelectuais brasileiros. Nesse momento, João Silvério Trevisan, Jean-Claude Bernardet, Aguinaldo Silva e Peter Fry em reunião na casa do artista plástico Darcy Penteado decidem organizar no Brasil uma publicação de cunho político definido, colocando à tona a questão dos direitos gays. Reunidos em colaboração com Adão Costa, Antônio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata e João Antônio Mascarenhas, publicam em abril de 1978, na cidade do Rio de Janeiro, a edição número 0 do Lampião da Esquina.
04 - Lampião da Esquina nº 0 |
As pautas parceiras do Lampião da Esquina:
Conforme nossa pesquisa foi se desdobrando, ficava claro que o Lampião abarcava em suas matérias muito mais que apenas as reivindicações dos públicos homossexuais. Em diversas manchetes o jornal denunciava e chamava a atenção para pautas tão urgentes quanto a sua inicial. Em capas como: “Brasil, campeão mundial de Travestis”, “Lesbianismo, machismo, aborto, discriminação” e “Negros, qual o lugar deles?” Lampião demarcava com veemência seu posicionamento sociopolítico e deixava claro quais eram pautas que eram parceiras.
Na maioria das vezes o jornal trazia discussões com grande densidade e pessoas de referência para falar de alguma pauta específica, como Abdias do Nascimento para discutir sobre o movimento negro. O jornal também não se eximia das articulações políticas e trouxe o Presidente Lula para uma matéria exclusiva onde se discutia sobre as articulações populares, greve e feminismo. Apesar de explorar muitos temas com um tom satírico, o jornal não se limitava a isso e em cada linha escrita era possível obter informações pertinentes, sempre com uma linguagem crítica e bem embasada.
05 - Lampião da Esquina nº 14 |
Capas que Instigam:
Como dizem, “A primeira impressão é a que fica”, isso para um jornal é imprescindível, é o que chama a atenção e faz os leitores diferenciarem seu periódico escolhido dos demais. A produção e design do jornal do Lampião, bebiam de diversas referências estéticas, em contraponto de uma ausência de recursos.
Algo a se falar sobre a capa é o símbolo do jornal. O chapéu de cangaceiro representa o Lampião (nome do jornal e figura histórica do sertão brasileiro), possui círculos brancos e pretos decorativos e um triângulo no centro. O mais peculiar são os dois círculos e o retângulo (ou cilindro) embaixo do chapéu que servem para representar um rosto mas também representa o formato de um pênis.
06 - Destaque da logo do Jornal Lampião da Esquina |
Apresentar alguma notícia impactante ou alguma imagem atrativa é parte fundamental para a capa de qualquer tipo de projeto midiático que a apresenta, isso não seria diferente com o “Lampião da Esquina’’. Começando com a utilização de uma segunda cor, além do preto, o que o destaca dos demais jornais que são bastante preto no branco, eles utilizavam o verde ou o amarelo para dar um tom mais vibrante a capa, isso também mostra a característica de sempre utilizar bastante cores da comunidade, onde a bandeira que utilizam para representar o movimento possui a formação do arco-íris. As edições deveriam então suprir a necessidade de chamar atenção, fazer uma crítica, ter uma identidade visual e ainda sim, serem produzidas num esquema de cooperativismo e em curto período.
07 - Lampião da Esquina nº 13 |
As capas possuíam o estilo próximo das pornochanchadas e das charges (aqui no Brasil) e estilo diretamente vinculado à cultura visual Queer, pós moderna que ocorria e pautava a arte nos anos 70 (Nos Estados Unidos e Europa).
A última coisa a se falar sobre a capa do Lampião são as chamadas principais escritas. Nem sempre o que estava estampado na capa do jornal estava presente dentro do mesmo, essa composição “caótica” se repetiu até o fim da produção do jornal, curioso pensar nisso porque normalmente a capa é onde se encontra as notícias mais importantes presente naquela edição, o Lampião fazia essa inversão para apresentar outros fatos e, às vezes, não sendo, necessariamente, a matéria mais importante que estava sendo noticiada. Ou seja, a seleção das notícias que se tornaram chamadas não foram hierarquizadas. No Lampião todas as possibilidades de chamar atenção, eram utilizadas, mas não necessariamente direcionadas à matéria mais relevante.
08 - Lampião da Esquina nº 15 |
Referências Bibliográficas:
CAE RODRIGUES, Jorge. Impressões de identidade: um olhar sobre a imprensa gay no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: eduff, 2010
PÉRET, Flávia. Imprensa gay no Brasil: entre a militância e o consumo. Publifolha, 2011.
SANTOS, Wendel Souza. O movimento LGBT no Brasil (1978- 1981): um estudo sobre o Jornal Lampião da Esquina. 2015.
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