domingo, 6 de dezembro de 2020

O Teatro no Festival de Inverno da UFMG de 1967 a 1979: Percurso histórico e resistências [Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus 2020]

 

Disciplina: Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus
Prof.
Luiz H. Garcia
Grupo:
Anita Helena Vieira de Souza, Júnia Mara Alves de Souza, Natiele Cristina Souza

 

Quando se inicia uma pesquisa histórica não podemos dimensionar a potencialidade de fala que as fontes possuem. Inicia-se recolhendo documentos e no decorrer do processo de investigação nos deparamos com uma multiplicidade de caminhos dos quais podemos trilhar. Nesse percurso vários são os questionamentos: Quais documentos selecionar? Quais estratégias utilizar? Como delimitar a pesquisa? Quais vozes serão reveladas para compor um tema? Os documentos nos orientam e nos dão as pistas para a escolha dos melhores métodos que possibilitaram compreender um fato. Nesse sentido, o papel do pesquisador é o de decifrar documentos para revelar histórias, sempre considerando, segundo Ginzburg (1991, p.177), que “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la”.

A análise histórica das fontes documentais fomentou as bases para a presente pesquisa, que visa descrever a trajetória histórica do festival de inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, demonstrando a importância das atividades de extensão para a UFMG, percebendo, sobretudo, as tensões ocasionadas ao festival pelo regime Militar no Brasil anos de 1967 a 1979. Visou ainda compreender as relações imbricadas entre a comunidade de Ouro Preto em relação a chegado do festival. Ademais, tem-se em vista investigar os movimentos de resistência política contra o sistema autoritário implantado no país.

Desta forma, pretende-se em linhas gerais: apresentar o festival, descrever as nuances da arte feita na rua, refletir como essa atividade provoca e atrai a população local de Ouro Preto, promover um diálogo entre o presente e o passado percebendo como a emergência do novo causa reações, prevê pensar os aspectos de negociação da Universidade com os pontos de tensão e as soluções encontradas para a realização do evento em meio ao regime militar. Outro aspecto importante aqui abordado é o de pensar os conceitos religiosos que contrastam o tempo todo com o novo estilo advindo do festival, cogitando a arte como fator que vai além do entretenimento.

O Festival de Inverno da UFMG teve sua criação três anos após o golpe de 1964, em 1967,  por iniciativa de dois grupos de Belo Horizonte: O grupo de artistas plásticos vinculados à escola de belas artes da UFMG e do grupo de músicos da Fundação de Educação Artística (FEA) e ainda, com apoio da prefeitura de Ouro Preto, local onde aconteceram as primeiras versões do festival.  Para os fundadores do evento sua idealização estava embasada nos preceitos de reunir a juventude em torno do imaginário de liberdade, confraternização, criatividade e arte. A primeira ideia, segundo o professor Haroldo Matos, era a criação de um curso de férias em Ouro Preto que servisse de canal de afirmação para os artistas e intelectuais perseguidos pelo regime militar.

Cartaz do 1º Festival de Inverno da UFMG realizado em Ouro Preto.

Acesso aos cartazes de todos os festivais no link https://www.ufmg.br/festivaldeinverno-noticias/galerias/cartazes-historicos-resgatam-50-anos-do-festival-de-inverno-da-ufmg/

 

Nesse sentido, o festival era uma forma de refúgio para a opressão que os estudantes da Universidade sofriam, já que tinha o objetivo de divulgar a arte, por meio da música, das artes plásticas, do teatro, da literatura oferecendo cursos e oficinas para a população em geral e assim aliviar a pressão da censura.



Além das transformações experimentadas no campo artístico, pensava-se em propor investigações didáticas, ampliando a liberdade na expressão do ensino, esse fator era facilitado pela forma de contato entre professores, artistas e estudantes, que construíam de forma menos rígida e mais informal as relações artísticas.

Em suas instrumentalizações, o Festival de Inverno, era um espaço de trocas e de ampla circulação cultural, esse movimento possibilitou maior contato entre expressões artísticas e de linguagens, e ao mesmo tempo contribuiu para o cenário das artes cênicas em âmbito nacional.

Em relação a repressão, observa-se que, nas primeiras edições, a ditadura era moderada em relação ao controle das atividades culturais. Contudo, esse quadro seria modificado a partir da decretação do AI-5 com recrudescimento da censura, onde muitos artistas foram presos e exilados.

O episódio mais famoso foram as prisões sofridas pelos integrantes do grupo teatral norte americano “The Living Theatre”.


 Judith Malina e Julian Beck em uma prisão brasileira.

Para saber mais sobre o episódio do “The Living Theatre”, acesse http://primeiroteatro.blogspot.com.br/2015/08/o-living-theater-no-brasil.html?view=snapshot

Inicialmente, de acordo com relatos, o Festival de Inverno da UFMG foi bem aceito pela população. Ele reunia um fluxo considerável de pessoas composto não só por estudantes, mas também por turistas, que vinham do mundo inteiro.

Entretanto, problemas começaram aparecer e com eles o descontentamento da população ouro-pretana. Como o evento reunia diferentes tipos de pessoas era compreensível que transformações culturais ocorreriam e com elas um certo estranhamento, pois alteravam as formas de vivências já estabelecidas e enraizadas na cidade. Integrantes da igreja católica e famílias tradicionais da cidade se posicionavam contra o Festival e relatos negativos eram noticiados pelos jornais, em um deles foi divulgada a fala de um padre que teria pronunciado em praça pública que o festival não seria um festival de inverno e sim do inferno.  O estilo e modos de viver dos estudantes e turistas, bem como os hippies incomodavam as famílias conservadoras que viam nas expressões artísticas um ataque ao estilo, segundo eles, tradicional da cidade.

A influência do festival foi muito significativa. Considerado como o “Festival mãe”, o Festival de Inverno da UFMG foi importante combustível para a criação de outros festivais no Brasil e principalmente em Minas Gerais.

Um deles é Festival da Paraíba, denominado festival de verão de areia, do qual sofreu grande repressão, sendo inclusive cancelado. Este acontecimento denota o quanto o Festival de Inverno da UFMG foi foco de resistência em um período em que as manifestações culturais eram intensamente reprimidas.



Assim podemos considerar que o festival está contextualizado historicamente no cenário das relações políticas e culturais das décadas em que esteve inserido. O evento possibilitou demonstrar a criação de um caminho de desenvolvimento e transformação cultural a partir da arte.

 Em 1979 o festival não será mais realizado em Ouro Preto, retornando apenas em 1993. Em entrevista com o produtor cultural Júlio Varella, este revela que houve em 1979 uma superlotação da cidade o que levou o então secretário municipal de cultura a decidir pela retirada do festival da cidade de Ouro Preto, segundo as alegações, havia um grande caos associada ao fato da UFOP realizar no mesmo ano e período do festival seu vestibular, segundo Varella o vestibular recebeu 6 mil inscrições e o resultado foi que “ninguém conseguia transitar nas ruas, a cidade ficou abarrotada, a comida acabou, foi um caos. No final do ano, o secretário de Estado da Cultura, Wilson Chaves sugeriu que o Festival se tornasse itinerante”. O festival retorna à cidade somente em 1993. Acesse a entrevista completa em: https://www.ufmg.br/boletim/bol1239/pag5.html

Diversos grupos teatrais consolidados no Brasil hoje tiveram sua origem no Festival de Inverno da UFMG. Dentre eles, o grupo Giramundo criado pelo professor da Escola de Belas Artes Álvaro Apocalypse com Terezinha Veloso e Maria do Carmo.  Após Rodrigo Pederneiras participar de uma oficina de dança em 1975 surge o Grupo Corpo, companhia de dança com reconhecimento internacional.  Nasce também no Festival o grupo Oficcina Multimédia através de Hugo Herrera. Das oficinas do Festival ainda foi criado o Grupo Uakti com seus instrumentos inusitados que permaneceu ativo até o ano de 2015.   



Para conhecer o cenário do festival em seus primeiros anos e sua história acesse o link dos vídeos:

https://www.youtube.com/watch?v=NgRF1MVniU4&feature=emb_title&ab_channel=TVUFMG.

https://www.youtube.com/watch?v=5yByZ7e5Rgk&ab_channel=TVUFMG

https://www.youtube.com/watch?v=yIRkV7LBysU&ab_channel=TVUFMG

 

Referências

FERNANDINO, Fabrício José. 20 anos do Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais: 1967 a 1986. 2011.

GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. – São Paulo: Cia. das letras, 1989.

KAMINSKI, Leon Frederico. Por Entre A Neblina: O Festival de Inverno de Ouro Preto (1967-1979). E A Experiência Histórica dos Anos Setenta. 2012.

KAMINSKI, Leon Frederico. https://www.historia.uff.br/stricto/td/2052.pdf  Cap. Ouro Preto e seus invernos infernais. p.170.

KAMINSKI, Leon Frederico. Teatro, liberdade e repressão nos Festivais de Inverno de Ouro Preto, 1967-1979 https://www.scielo.br/pdf/vh/v32n59/0104-8775-vh-32-59-0327.pdf 

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