domingo, 6 de dezembro de 2020

Espaços Culturais (Teatro) e Ditadura [Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus 2020]

 

UFMG/ECI

CURSO: Museologia

DISCIPLINA: Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus

PROFESSOR: Luiz Henrique Assis Garcia

ALUNOS: Daniela Tameirão dos Santos Mota, Marco Antônio da Rocha Ferreira, Ronaldo André Rodrigues


Os Espaços de cultura, particularmente os espaços cênicos constituíram-se desde sua origem a representatividade de questões sociais. Entretanto, também foram lugar de discriminação e de expressão de elites e grupos sociais relacionados aos contextos políticos. A partir dessa perspectiva, o trabalho busca abordar, de maneira mais específica, a repressão dos espaços teatrais no período da ditadura brasileira. Segundo essa perspectiva, serão correlacionados diferentes momentos das artes cênicas no Brasil e no mundo, como formas de expressão de diferentes classes, além de representar grupos antagonistas – aqueles que representavam, seja cênica ou socialmente, as elites; e aqueles que buscavam a visibilidade e a busca de direitos e cidadania.

Após desenvolver um trabalho de pesquisa junto às fontes digitais, uma vez que o período de desenvolvimento do texto coincide com a disseminação da pandemia do novo coronavírus, COVID-19, optou-se por abordar algo relacionado ao tema desenvolvido à época para a exposição curricular do curso de Museologia da UFMG que desenvolveu como tema a vida do teatrólogo e diretor João das Neves.

Segue, portanto, a compilação de algumas ideias a partir da bibliografia relacionada ao tema que buscou compreender melhor como os espaços teatrais passaram por períodos de repressão e de exceção ou mesmo extinção de direitos durante a ditadura militar dos anos 1960/1970 no Brasil. A reação da classe oprimida e algumas alternativas encontradas para “burlar” a censura da época se refletiram nas atividades cênicas e uma vez mais, retomaram uma relação com diferentes períodos da história nos quais o teatro tornou-se o espaço de expressão e de representação de diferentes grupos e minorias.

Pode-se verificar que ao longo da história, foram inúmeras as lutas da classe artística para a consolidação de uma arte em que tivessem o direito à liberdade de expressão e atuação em espaços apropriados. Após análises das bibliografias pesquisadas, constatamos que a ditadura no teatro é percebida desde o século XVI, quando o centenário teatro japonês Kabuki foi proibido pelo governo local.

Percebe-se, então, que oTeatro Kabuki passou pelo processo de repressão, censuras, áreas pré-determinadas para atuação, locais longe dos grandes centros e também espaços teatrais que não remetessem às classes de elite. Deve-se ressaltar ainda que os artistas do kabuki, nos seus primeiros anos, foram principalmente mulheres. Acredita-se que o kabuki se originou nas danças e apresentações de teatro leves apresentadas pela primeira vez em Kyoto, em 1603, por Okuni, uma assistente do santuário de Izumo. A palavra kabuki tinha conotações chocantes, não-ortodoxas e pouco elegantes, e começou a ser aplicada às apresentações da popular companhia teatral de Okuni e seus imitadores. Como um importante negócio paralelo dos grupos de onna kabuki (de mulheres) era a prostituição, o shogunato Tokugawa os desaprovava, banindo os grupos em 1629 e tornando ilegal a aparição de mulheres nos palcos. Assim, o kabuki wakashu (de jovens homens) se tornou popular, mas em 1652 também foi banido devido ao efeito adverso na moral pública das atividades de prostituição dos atores adolescentes.

A proposta consistiu em levar questões sociais e reflexões para diferentes grupos, marginalizados e demais parcelas da população que não tinham direito ao acesso às artes, especialmente o teatro. Quanto às localizações geográficas, os teatros londrinos foram instalados em áreas marginais, os “liberties de Londres”, onde o governo municipal tinha um controle limitado e por isso considerava o lugar das coisas que não eram consideradas aceitáveis na Cidade. As companhias teatrais queriam o centro, mas as autoridades londrinas eram hostis e tentaram extinguir as apresentações.



No Brasil, na época da ditadura a história também foi parecida, quase 300 anos após os acontecimentos de Londres e Japão os espaços teatrais brasileiros, em meados do século XX sofreram repressões extremas, como extinção de teatro, constantes afeamento de fogo em teatros. No processo de busca de referências, consideramos ser um trabalho relevante demonstrar que a interferência dos Governos nas artes como um processo centenário e mundial, conforme citação de Siedl (2018). A citação abaixo foi escolhida para alavancar o assunto da ditadura no teatro brasileiro.

“Em alguns contextos históricos, o teatro recebeu um lugar de prestígio na cidade, perto do centro e de das instituições de poder. Em outros contextos, o mesmo não teve muita escolha e foi forçado para as margens da cidade, onde lutou para sobreviver.” (SIEDL, 2018, p.1)


Percebe-se assim que a censura ocorreu no teatro brasileiro, especificamente na fase inicial de trabalho do teatrólogo João das Neves, anos de chumbo da ditadura, 1960/1970. Os anos de 1967 e 1968 foram centrais para se entender todo o movimento dos artistas e as diferentes formas de manifestação da resistência cultural em relação ao regime político e repressão à liberdade de expressão. Algumas apresentações já representavam um movimento de resistência e de luta contra a supressão da liberdade de expressão e de novas formas de fazer arte. Nara Leão, Zé Keti e João do Vale representam tal grupo de artistas.



Para além das peças, houve manifestações e movimentos grevistas por parte dos artistas, assim como uma ação violenta por parte de movimentos antidemocráticos como o ataque do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) ao atores da peça “Roda Viva” no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo e destruição do Teatro Opinião (vide figura 1 ao lado) no Rio de Janeiro e a depredação da bilheteria do Teatro Ruth Escobar.

Figura 1 – Atentado ao Teatro Opinião (dez/1968)
Fonte: Memorial da Democracia -
http://memorialdademocracia.com.br/publico/image/5707

Observa-se, assim que o teatro engajado no Brasil foi um processo social transformador, a classe artística subversiva e atuante teve seu valor e suas vitórias, porém, muitos espaços teatrais foram literalmente queimados, destruídos. Mas ao mesmo tempo se analisarmos a história dos teatros em Londres e no Japão, pode-se, dessa maneira, fazer uma relação ao teatro japonês Kabuki, no século XVI com o teatro brasileiro em meados do século XX, período da extrema ditadura no Brasil. Nota-se que a censura não mudou muito ao longo dos anos, as Leis de censura eram semelhantes nestes países e os exemplos pesquisados nos mostram que o poder dos Governos em querer manipular as artes é antigo e mundial; e por séculos se repete.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARLOS e SILVA, Rosa Maria. Ditadura, Censura Teatral e Direitos Humanos: Ruth Escobar, a voz da resistência. IN: IX Seminário Internacional de Direitos Humanos. GT2: História, Memória e Verdade. João Pessoa: CCTA/UFPB, 2017. Disponível em: <http://www.ufpb.br/evento/index.php/ixsidh/ixsidh/paper/viewPDFInterstitial/4320/1721>. Acesso em 09 set. 2020.

CARBONE, R. (2019). João das Neves e o teatro de rua do Centro Popular de Cultura. IN: Pitágoras 500, 9(2), 11-26. Disponível em: <https://doi.org/10.20396/pita.v9i2.8654553>. Acesso em 09 set. 2020.

EMBAIXADA do Japão no Brasil.Um vibrante e emocionante teatro tradicional. Disponível em: <https://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/pdf/kabuki.pdf>.Acesso em 07 out. 2020.

KAMINSKI, Leon Frederico. Teatro, liberdade e repressão nos Festivais de Inverno de Ouro Preto, 1967-1979. Varia hist. [online]. 2016, vol.32, n.59 [citado 2020-07-22], pp.327-355. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/vh/v32n59/0104-8775-vh-32-59-0327.pdf>. Acesso em 09 out. 2020.

NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e seus públicos. In: Estudos Históricos, 28, FGV, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2141/1280>. Acesso em: 09 set. 2020.

SEIDL, Rodrigo. O Teatro Transgressor. Uma análise comparativa entre o teatro profissional elisabetano de Londres e o Kabuki japonês de Edo. IN: Encontro ANPUH-SP, Guarulhos: Anais ANPUH-SP, 2018. Disponível em: <https://www.encontro2018.sp.anpuh.org/resources/anais/8/1533082794_ARQUIVO_TeatroTransgressor-RodrigoSeidl.pdf>. Acesso em 09 set. 2020.

SOUZA, Miliandre Garcia de. "Ou vocês mudam ou acabam": aspectos políticos da censura teatral (1964-1985).Topoi (Rio J.) [online]. 2010, vol.11, n.21, p.235-259. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/topoi/v11n21/2237-101X-topoi-11-21-00235.pdf>. Acesso em 09 set. 2020.


 

3 comentários:

  1. Luiz,
    Agradecido pelo compartilhamento de ideias, conhecimentos e opiniões.
    Sorte e sucesso! Abraço.

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  2. Luiz,
    Agradecido pelo compartilhamento de ideias, conhecimentos e opiniões.
    Sorte e sucesso! Abraço.

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