domingo, 6 de dezembro de 2020

O teatro de João das Neves e a censura [Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus 2020]



UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
CURSO DE MUSEOLOGIA
DISCIPLINA: Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus
DOCENTE: Luiz Henrique Assis Garcia
DISCENTES: Jade Drumond Magalhães, Marcus Vinícius D’Lazzari da Silveira,
Dandara Teixeira, Jessica Baumgartner e Marina Rebuite


João das Neves, sua vida e seu teatro são o tema da Exposição Curricular do
curso de Museologia da UFMG no ano de 2020. Partimos do acervo doado pelo
próprio João em 2017 para a DICOLESP/UFMG e daí nasceu também esta
pesquisa. Além de grande expoente do teatro de resistência no Brasil, João foi,
dentre várias coisas, diretor, escritor, produtor e ator em várias peças que lidavam
com temas populares, conversavam com minorias e setores da sociedade
geralmente excluídos dos palcos. Frequentemente suas peças eram vistas como
subversivas, sendo alvo de vários tipos de censura, mas hoje podemos chamá-las
de contestadoras e críticas.
 
A censura ao teatro durante a ditadura militar não foi homogênea, pelo
contrário, em alguns momentos a repressão política se fez mais presente e em
outros o foco era a manutenção da moral e bons costumes. A maneira como os
mecanismos da censura agia também variava, por vezes vetando totalmente a
apresentação de algumas peças, ou barrando trechos específicos e até censurando
outras por faixas etárias. Esse dinamismo no serviço censor brasileiro durante os
anos do regime militar se dá devido a mudanças na estrutura dos órgãos
responsáveis e no comando dos presidentes e ministérios; além do fato de haver o
crivo dos próprios censores na ponta da estrutura.
 
Porém o processo da censura não se dava de maneira exclusivamente
administrativa, através de vetos e proibições de exibições. A própria proibição das
apresentações também acarretava outras mazelas aos grupos teatrais, que já
carentes de verba se viam sufocados economicamente pela falta dos recursos das
bilheterias, mesmo quando já haviam gasto com figurino, aluguel de teatros e
demais custos. Os grupos também sentiam a diminuição gradual de público devido
às restrições por classificação etária: os mais jovens foram perdendo o interesse e o
costume de frequentar teatros, aonde antes iam acompanhados de seus
responsáveis. Esse movimento, inclusive propiciou a criação de peças infantis, com
o intuito de gerar público: criança que vai ao teatro é um adulto que irá ao teatro.
João das Neves fazia teatro para todas as classes, idades e públicos, inclusive para
os mais jovens; a peça A Lenda do Vale da Lua é um bom exemplo da relevância do
teatro de João para a dramaturgia infantil.
 
O sufocamento econômico seria inclusive mais efetivo ao tentar impedir que
um grupo teatral desenvolva seu trabalho artístico, já que dessa forma a opinião pública não interpretaria como um cerceamento da liberdade de expressão. Um exemplo desse mecanismo censor é visto na luta do Grupo Opinião para manter as
cortinas de seu teatro abertas. Sediado numa parte alugada do Shopping Center da Siqueira Campos por 15 anos, o Teatro Opinião não teve como arcar com os preços que o dono, o então senador Arnon de Melo estipulou, nas palavras do próprio “ou
compra ou sai”. Além do alto valor cobrado pelo espaço, o Teatro sofreu falsas acusações referentes a índole de seus artistas e também inspeções indevidas pelo Serviço de Fiscalização de Diversões da Secretaria de Segurança. O Teatro acaba sendo fechado e o espaço vendido, mas os artistas não se deram por vencidos e
como Grupo Opinião fizeram o possível para continuar atuando.
 

Recorte do Jornal O Pasquim do ano de 1980, 
edição 00567, sobre o fechamento do Teatro Opinião.
 


O fechamento do Teatro gerou uma enorme repercussão na classe artística brasileira, como podemos ver na carta enviada pelo presidente da associação de atores do Pará, que lamentou profundamente o ocorrido e se colocou à disposição
do Grupo Opinião para qualquer auxílio. A carta faz parte do acervo pessoal de João que está na DICOLESP/UFMG e demonstra a importância da união de forças nesse momento.
 
 
 
Carta do Presidente da Federação Estadual de Atores,Autores e Técnicos de Teatro - FESAT do Pará
 
 
 
 
João fez teatro em nosso país numa realidade em que a liberdade de
expressão estava ameaçada e sem dúvida esbarrou na repressão que só foi
superada através da resistência, da reunião e da recriação. O contexto geral da arte
no país era de silenciamento e arbitrariedade, e os critérios para tal nem sempre
ficavam claros e as intenções da censura nem sempre eram diretas. É importante
revisitar o trabalho e a vivência de João das Neves para valorizar ainda mais a
liberdade de expressão e não cairmos nas armadilhas do passado.

Referências bibliográficas:


QUINZE anos de opnião. O Pasquim , Rio de Janeiro, 1980. Edição 00567(1), pg. 8.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=124745&Pesq=%22Jo%c3
%a3o%20das%20Neves%22&pagfis=2105
8 . Acessado em: 27 de outubro de
2020.

 SOUZA, Miliandre Garcia de . "Ou vocês mudam ou acabam": aspectos políticos
da censura teatral (1964-1985). Topoi (Rio J.) [online]. 2010, vol.11, n.21,
pp.235-259. ISSN 2237-101X. Disponível em:
<
https://www.scielo.br/pdf/topoi/v11n21/2237-101X-topoi-11-21-00235.pdf >.
Acessado em: 27 de outubro de 2020.

ROSA, Seleste Michels da. Censura teatral no Brasil: uma visão histórica .
Revista Eletrônica Literatura e Autoritarismo: Literatura: Compreensão crítica,
Universidade Federal de Santa Maria, v.1, n. 14, jul/dez. 2009. Disponível em:
<
http://w3.ufsm.br/literaturaeautoritarismo/revista/num14/art_08.php >. Acessado em:
27 de outubro de 2020.



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