quinta-feira, 8 de março de 2018

EXPOSIÇÃO EX AFRICA: UMA REFLEXÃO SOBRE A ARTE CONTEMPORÂNEA AFRICANA [Tipologia 2017]


Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Ciência da Informação
Museologia – 3º Período
Disciplina: Tipologia de Museus - Prof. Luiz Henrique Assis Garcia
Alunos: Cláudia Camelo, Cristina Fonseca e Polianna Santos.


           

Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Inzilo, Mohau Modisakeng

            Ressignificar a história, transferindo o olhar para a outra margem do oceano, é a abertura para o diálogo entre o passado e o presente no atual mundo globalizado. A arte contemporânea se apresenta como o veículo portador de uma nova visão que está permitindo a arte não-ocidental penetrar e transcorrer pela cena artística mundial. No caminho da descolonização da arte, a exposição Ex Africa, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil em Belo Horizonte, é espaço de reflexão e enfrentamento dos moldes escravistas propagados. Em formato blockbuster, internacionalmente padronizada e inserida na conformidade da indústria cultural, a exposição intenta discorrer sobre realidades que vão ao encontro da arte africana, através da expressão de dezoito artistas vindos de oito países da África.


Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Fragments from the City, Abdulrazaq Awofeso

Fica evidente a potencialidade dos temas abordados, ao passo que os processos de transformações radicais que a África passou nas últimas décadas e a globalização generalizada se mesclam às inscrições deixadas pela história em todo o continente. Esse tem sido um debate internacional que aborda um pensamento descolonial do século XXI no campo da arte não-ocidental e, que propõe o deslocamento da ideia eurocêntrica de uma arte tradicional, que carrega o selo do artesanato e das referências etnográficas, para uma dimensão contemporânea da produção artística africana, politicamente engajada, interativa, diversificada e marcada por processos de intercâmbios e aculturações.



Exposição “l’Art des Lega d’Afrique Centrale”© musée du quai Branly

        Nos gabinetes de curiosidades, as coleções funcionavam como emblema de poder e prestígio social do colecionador, nas quais a Europa se embasava para definir e subjugar as sociedades não ocidentais, assim como, ainda hoje, as coleções de arte “primitiva” nos museus etnográficos também são baseadas em  relações de disputas e poder. O que a arte contemporânea africana traz à tona são questionamentos sobre os museus tradicionais onde a arte africana, tida como estagnada historiograficamente, sofre uma resistência à sua integração em acervos diversos, produzindo assim um discurso que aborda as relações de poder incorporadas nesses acervos.

Fonte: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte - Genesis [Je n'isi isi] III, Kudzanai Chiurai

            São inegáveis as considerações que se pode fazer ao visitar Ex Africa. Deixa-se para trás experiências vividas em museus etnográficos, muitos deles agora tipificados como museus de arte, a exemplo do museu do Quai Branly, em Paris, França, cuja abordagem hoje de suas coleções tradicionais é predominantemente estética. Fundado a partir dos acervos de dois museus etnográficos e pela parceria entre o presidente Jacques Chirac, que intencionava deixar a marca de sua gestão no patrimônio cultural francês, e pelo amigo e colecionador de arte africana Jacques Kerchache, o Museu Branly sentiu as pressões anti-colonialistas pelas quais passavam os museus etnográficos, acusados de reificação e caricaturização das culturas alheias. Viu-se, então, tensionado a deslocar o olhar sobre suas coleções para uma via estetizante, que se insere ao mercado de arte, sem entretanto aprofundar a discussão acerca dos movimentos artísticos pós-coloniais e tão pouco abrir-se a eles.

Percebe-se, no discurso institucional, uma certa preocupação de dar espaço ao Outro e de contextualizar os contatos interculturais entre europeus e não-ocidentais. Contudo, predomina a intenção de transformar a nova instituição em um ponto turístico nacional e internacional, voltado ao lazer e à diversão acessíveis ao grande público (GOLDSTEIN, 2008).
       
            Neste sentido, fica evidente na exposição Ex Africa uma abertura ocidental aos diversos estilos de arte que coexistem no continente africano, superando o estigma da arte primeira e também o poder por detrás de uma exposição internacional que traz conceitos e problematizações próprios das sociedades contemporâneas africanas, no que tange às relações antepassadas entre os continentes e seus desdobramentos globalizantes.

A ideia da arte “etnográfica” designada assim pela sociedade ocidental, onde os povos não-ocidentais seriam capazes apenas de produzir uma arte “primitiva”, um artesanato, como uma manifestação tradicional padrão e não uma produção individual, é refutada nesta mostra. A exposição Ex Africa apresenta justamente a individualidade na arte contemporânea africana, visto que já na apresentação da exposição os nomes de todos os artistas estão indicados na parede de entrada, mostrando que esta individualidade não ofusca o sincronismo e a coerência existentes entre as obras e os artistas. Para PRICE (1996),

(...) adaptações, inovações e reelaborações criativas configuram as formas, em constante evolução, da música e da dança, tanto quanto das artes plásticas (e visuais) ... não é nenhuma arte "tradicional" passivamente herdada da África, mas sim a soma total de uma corrente de inovações, através das quais os artistas jogam com as formas tradicionais sem jamais deixá-las inalteradas.

Tudo isso na ótica da arte contemporânea africana, com suportes e técnicas variados, que utilizam fotografia, instalação, vídeo, pintura, escultura e até Afrobeat, música pop de Lagos (Nigéria), que surge como um pertinente exemplo de aculturação. É o que pudemos sentir e compreender na exposição Ex Africa, um recorte cultural do mundo não-ocidental, em especial o africano, com sua própria narrativa acerca de questões históricas, da natureza da criação individual, da autoria desta criação, das relações entre arte, religião, poder, mercado e sobretudo das relações pós-coloniais regionais e intercontinentais. Todas essas obras estão repletas de histórias a contar e ressignificar, ecoadas da outra margem do oceano.

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r/fr/
REFERÊNCIAS:

AREIA,  Manuel Laranjeira Rodrigues de . Patrimónios Culturais Africanos: 1 As Velhas colecções e a nova África  Africanologia - Revista Lusófona de Estudos Africanos n. 2 (2009): Africanologia

EXPOSIÇÃO EX ÁFRICA, 2017, Centro Cultural Banco do Brasil, Belo Horizonte, MG. Catálogo Ex África, Belo Horizonte, MG, Ministério da Cultura, 2017.

GOLDSTEIN, Ilana, 2008, Reflexões sobre a arte “primitiva”: o caso do Museé Branly, Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 14, n. 29, p. 279-314, jan.| jun. 2008.

PRICE, Sally, 1996, A arte dos povos sem história, Afro-Ásia 18 (1996), p. 205-224.

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