quinta-feira, 8 de março de 2018

Entre o nu e a assinatura: o papel da mulher nos museus de arte [Tipologia 2017]

ECI - UFMG - Museologia
Grupo: Beatriz, Bruno, Carina, Renata, Ronaldo.


“As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu de Arte de São Paulo? Apenas 6% dos artistas em exibição são mulheres, mas 68% dos nus são femininos”

Quase sempre, o primeiro contato que temos com a arte é na escola, seja visitando um museu, seja frequentando as aulas de arte que fazem parte da grade escolar. Nessas classes, o indivíduo começa a ter as primeiras noções sobre os artistas, as coleções, os espaços culturais e museus. Por isso é tão importante que esse contato inicial com a arte seja estimulado de maneira prazerosa, instrutiva, preocupada com os conceitos que são ensinados, sem nunca esquecer de levar em conta o universo imenso e diverso que temos na área artística.

Quando o aluno é incentivado a expandir seu modo de ver, de se expressar e de se comunicar através do que está sendo apresentado a ele, tanto nos museus quanto dentro da sala de aula, ele se torna um cidadão capaz de se conhecer e se reconhecer dentro da sociedade de uma forma muito melhor.

A arte é uma construção social, por isso, definir um conceito único de arte se torna praticamente impossível. Ela possibilita a percepção individual de cada ser humano e, por ser quase um sinônimo de expressão de sentimentos, cada um percebe a obra artística de acordo com as próprias experiências de vida, criando um diálogo único com o que está sendo visto, ouvido ou sentido. Essa conversa permite que a arte ganhe um significado singular para cada pessoa, e é por isso que estimular desde cedo o contato com o universo artístico é tão importante.

O lugar mais comum para a arte é o museu. Com a instituição museal surgiram e foram desenvolvidos seus conceito como a museologia social que trata de reflexões que instituem o museu integral, ao serviço da sociedade, e, por outro, vinculam os museus a novas funções sociais, como agentes de comunicação e de intervenção social, tendo como epicentro o indivíduo e a comunidade, deixando o museu de ser encarado como mero local de armazenamento de coleções ou de memórias.

A partir disso, a museologia de género pode ser também entendida também como a feminização das funções de direção e de curadoria de museus ou de instituições museológicas, bem como a sua representação no próprio espaço do museu, a qual é considerada indispensável à concretização de políticas de boas práticas. O conceito de museologia de género é relativamente recente, tendo surgido nos anos 1990. Resultou da convergência de diferentes fatores, provenientes tanto da área específica da museologia como do campo dos estudos das mulheres e do género.

“Ser artista para a mulher é resgatar o mito de Lilith, substantivando predicados de valor: ser disciplinada, criativa, inovadora, autônoma, ter o domínio da técnica. Ser artista é abrir possibilidades e atributos, construindo a si mesma como sujeito”

O destino biológico da mulher ao longo da história sempre ficou restrito à esfera doméstica, nos cuidados da casa, filhos e maridos. A esfera cultural, por outro lado, foi restrita aos homens, cidadãos, que tinham papel de grande importância dentro da comunidade.

Desde a pré história o corpo feminino foi mistificado através do poder da geração da vida. A preservação da espécie fica como responsabilidade da mulher, portadora dessa desse processo magico. O mais comum exemplo dessas representação é a Vênus, tão normalmente encontrada dentro das obras de artes. É a partir daí que” a mulher perde espaço cultural cooperativo na medida que o homem passa a dominar a sua função biológica.”

Na Grécia antiga o corpo idealizado era o masculino, enquanto a fisionomia feminina era mostrada em grande parte vestida. Já na Idade Média o corpo feminino passa a ser porta de entrada para o pecado, enquanto a imagem da virgem passa a ser a idealização do feminino. A exaltação da beleza feminina se dá somente a partir do Renascimento onde a mulher se torna objeto de admiração pela sua imaculada beleza. Durante o renascimento a beleza passa a ser exterior, e a mulher passa a ter importância social pelo seu poder de sedução.



A partir do século XV, com a efervescência de corte que busca uma individualidade, construída a partir das identidades, aparece o estilo na arte e aparece também a emergência de uma nova linguagem: o corpo nu. O corpo feminino passa a ser celebrado ao longo do século XV ao XVIII. “A sensualidade da mulher adquire valor social: a venenosa nudez, o despudor. A mudança no imaginário erótico é representado. Vemos nas representações da mulher a partir do renascimento o refinamento do flerte juvenil; a tentação servil; a erotização da esposa; a infidelidade conjugal; prostitutas mais adequadas e discretas - a representação das artistas (cantoras e dançarinas) A mulher além de segundo sexo, passa a ser o belo sexo.” Os temas mitológicos e bíblicos são pretexto para despi-las e a ocorre a predominância do nu feminino sobre o masculino.

O êxito estético da imagem da mulher sob a imagem masculina, no entanto, não eliminou de fato as relações hierárquicas presentes na ideologia social, podendo até ter contribuído para reforçar um estereótipo equivocado e que é se é presente até hoje ( a mulher como um ser frágil, dócil, passível, condenado à dependência). Nesse processo todo de idealização da imagem feminina ocorre o aprisionamento da própria essência da mulher, que até hoje não se vê representada por tais imagens, sejam elas em obras de artes, esculturas, à até mesmo capas de revistas e outdoors.

É somente a partir da década de 70 que artistas, críticos e historiadores feministas começam a reivindicar o espaço da mulher artista dentro da história da arte, excluída pelo monopólio masculino, sendo que as qualidades femininas foram muito tempo vistas como negativas nas obras de arte e que, a história da arte tem construído um discurso do artista como herói (homem), o que descarta a mulher deste universo.

A conquista à alfabetização e escolaridade se deu de forma diferente entre homens e mulheres, assim como seus direitos como cidadão. Nascidas em famílias de alta condição social e de caráter mais libertário, de fato um pequeno número de mulheres obtiveram a oportunidade de se tornarem artistas. Mas a educação feminina sempre estava primordialmente relacionada aos hábitos domésticos.

“As lentas transformações se devem, provavelmente ao não reconhecimento da mulher como participante da sociedade no âmbito público e na cultura, não sendo necessário seus direitos a instrução”

Grandes mulheres passam a aparecer no meio das artes e protagonizam a luta pela assinatura até hoje. De forma representativa podemos citar Artemisia Gentilesch (1593) que sua história, como mulher e como artista, ganhou repercussão após sua temática agressiva contra homens. Artemisia, da Itália, é conhecida por influências de Caravaggio na sua pintura porém, ela a história que não se repercute e que realmente afetou diretamente o seu trabalho é de seu estupro. Após ser estuprada e, além disso, culpada por, momento, estar no lugar errado (um ateliê de arte), percebemos uma mudança brusca na sua forma de pintar. Artemisia Gentilesch não foi uma representante do barroco italiano apenas por admirar o trabalho de Caravaggio mas porque todo o horror e trauma que viveu e que só o barroco com suas cores fortes poderiam representar.

Além desta, podemos citar Berthe Morisot (1841) que é representante do impressionismo, apenas exaltado por assinaturas como a de Van Gogh e Manet. Kathe Kollwitz (1867), da Prussia, representante do expressionismo alemão tratava de questão sociais de seu tempo, entre duas guerras, além de dominar técnicas de gravura e litografia. Tamara Lempick (1898), fugida aos 14 anos com a família para paris para fugir dos horrores de Varsóvia, representa o art decó e a geometrização da pintura. Podemos citar também Frida Kahlo que, apesar de toda a sua maestria, ficou mais conhecida por sua relação perturbada com seu marido, o também pintor Diego Rivera. Além disso podemos citar ainda Anita Malfatti e Tarsila do Amaral além de Bertha Lutz pela sua influência tanto na briga por direitos feministas quando pelos museus de ciências naturais.

Um grupo de mulheres vem se destacando, mas elas já exercem suas atividades há pelo menos 32 anos, elas se auto intitulam Guerrilla Girls, usando máscaras de gorila para protestar de forma bem-humorada e ousada contra a desigualdade de gênero e de raça no mundo da arte – em inglês, a pronúncia das palavras guerrilha e gorila é semelhante. O questionamento central é: Por que há tão poucas artistas mulheres com obras em exposição nos museus e galerias de arte, se há tantas modelos nuas nas peças exibidas?

GUERRILLA GILRS: As mulheres, seus espaços da arte, todos os espaços da arte

Para exemplificar as possibilidades de expressão feminina no mundo da arte e confirmar os reflexos do mundo real no mundo da arte nasceu nos anos 1980 o grupo Guerrilla Girls. Formado por um grupo de mulheres buscou mostrar ao mundo que a desigualdade de gêneros também se refletia no campo das artes. O primeiro foco de atuação ocorreu em função da exposição “An international survey of recent painting and sculpture” (“Um panorama internacional da pintura e da escultura recente”) que ocorreu no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1984.

Qual a realidade da exposição de 1984?

A de apresentar um panorama artístico em que somente 13 dos 165 artistas de 17 países que expunham suas obras eram mulheres. Uma realidade no mundo das artes que refletia a desigualdade social entre homens e mulheres e que se intitulava como aquela que, à época, representava um conjunto dos mais importantes artistas do mundo.

O propósito do grupo é ter como foco as questões relativas à realidade das mulheres nos diferentes campos sociais, sejam pessoais ou profissionais, sejam privados ou públicos, sejam individuais ou coletivos. Iniciada com a exposição de uma situação diferenciada quanto ao gênero feminino no mundo das artes, as diferentes expressões do grupo buscaram expor questões sobre a participação das mulheres nos diferentes campos e uma relação com o mundo das artes.

Desde a formação elas são incógnitas e anônimas e contam com mais de 55 membros ao longo do tempo em que atuam com máscaras de gorila como forma de expressão e para se manterem “desconhecidas”. Realizaram mais de 100 projetos com propostas que compõem desde projetos de rua, cartazes e adesivos a exposições em museus em que “desnudam” um universo em que se tem práticas discriminatórias exemplificadas pelas desigualdades recorrentes nas exposições e no campo das artes. As formas de expressão do grupo se fazem em cartazes provocativos e reflexivos cartaz acerca da quantidade de mulheres em exposições, de maneira cronológica e perspectiva nos Museus de Nova York: “Quantas mulheres tiveram exposições individuais em Museus de Nova York no ano passado? como abaixo apresentado.



Se percebe do movimento uma preocupação com as questões de gênero no mundo das artes, seus reflexos e suas intenções. Ainda assim se percebe um campo a ser explorado, de busca da participação e da identidade feminina de maneira igualitária e libertária. Um grupo que busca desconstruir o modelo social e histórico de visão do mundo feminino, do mundo da mulher.
Elas estão por diferentes locais, pelo mundo. De diferentes maneiras, em suas expressões, seja em cartazes, livros, adesivos, ações, conversas, apresentações, workshops e exposições. No ano de 2017 foram diferentes manifestações, na Marcha das Mulheres em Washington DC e em Los Angeles e na “Occupy Museums Statement and Protest” no MoMA em Nova York. Durante o meses de setembro a novembro de 2017 participam de uma mostra em São Paulo no MASP com sua primeira retrospectiva sob o título “Guerrilla Girls: Gráfica, 1985-2017” no período de 01/12/2017 a 14/02/2018 com cerca de 100 dos trabalhos mais importantes cartazes em 30 anos de carreira.
Se não por obrigação ou dever, os museus de arte têm por uma questão de consciência essa dívida com as mulheres. Eles devem repensar a forma em que as mulheres estão representadas em suas galerias, elas não somente devem ocupar o posto de “objetos museais”, mas também o de criadoras desses objetos, de expositoras, de curadoras ou qualquer outro que lhes convir. Vá ao museu mais perto de você e conte os trabalhos assinados por mulheres. O desafio lançado pelas Guerrilla Girls há alguns anos mantém-se atual: a relação das mulheres com os museus define-se pela ausência, sobretudo ao nível dos discursos expositivos.
Aliás, de um modo geral, o simbolismo e a metáfora têm, nos museus da mulher, um lugar cativo. Portanto, é perceber que todas essas mulheres, - seja ela de Willendorf, de Milo ou de Malta - ganharam vida e estão por aí criando sua própria visão do que venha a ser a Vênus Moderna. Sendo assim, os lugares de memória, devem introduzir pontos de vista tendentes à igualdade, de modo a que também reflitam o protagonismo feminino no processo da construção humana.

Referencias:

Nenhum comentário:

Postar um comentário