Escola de Ciência da Informação – Graduação em Museologia
Disciplina: Função Social dos Museus - Atividade: Trabalho Final
Professor: Luiz Henrique Garcia de Assis
Autores: Antonio Marcus, Beatriz Figueiredo, Carolina Rocha, Erika Mendonça, Karla Esther e Natália Rocha.
O colecionismo é uma característica inerente à diversas sociedades ao longo da história. Entretanto, é a partir do século XVI que esse fenômeno começa a ser realizado de forma sistemática, ocasionado pela quebra do paradigma epistemológico dominante, tendo a racionalização medieval teocêntrica dado lugar ao antropocentrismo, onde o homem passou a ser considerado o detentor da razão e capaz de realizar suas próprias escolhas no mundo.
As coleções particulares representam, uma maneira de sobreviver até mesmo à própria morte. É a memória, do colecionador, seu legado. Tal fato se torna intrinsecamente essencial, principalmente por se tratar de um período no qual a medicina ainda não era tão avançada e as pessoas morriam muitas vezes, bastante jovens. É um fenômeno “Carpe Diem”, do Latim, termo que, em tradução livre significa tanto “aproveite o dia” no sentido belo do termo, viver cada dia para aproveitar bem, quanto aproveitar o dia pois este pode ser o último que você vive. Ou seja, a compreensão da efemeridade da vida faz com que o homem colecione. Com o tempo, este surto colecionista se espalha, deixando de fazer parte somente da rotina da nobreza.
O período das coleções faz com que muitas pessoas passem a ter armários que abrigam coleções em suas casas (até mesmo as casas de boneca tinham tais móveis com pequenas conchas e objetos). Se destacaram na Holanda, em decorrência da ascensão do Calvinismo, onde era vista com maus olhos a ostentação de bens terrenos. Assim, esses proprietários expunham suas maravilhas em armários que se localizavam no interior de suas residências.
As coleções surgem, portanto, do interesse humano pelo belo e pelo emblemático, a sede de conhecimento que foi alimentada pelas navegações. Contudo, o fenômeno da peste negra e o medo da morte fazem também parte do processo de consolidação dos chamados gabinetes de curiosidades, que ao contrário do que muitos acreditam possui sim um método lógico de organização (e possuía no modo de organização dos artefatos, a “assinatura do seu idealizador, de seu dono).
A Europa foi o berço dessa faceta do colecionismo em decorrência das Grandes Navegações, causadas pelas inovações tecnológicas, que colaboraram na expansão do comércio, possibilitando assim a troca não só de bens, como tecidos e alimentos, mas também de objetos considerados como “maravilhas”, que representavam o “invisível”, ou seja, países exóticos e sociedades diferentes.
Em decorrência desse fenômeno, a criação de novos espaços para abrigar essas coleções torna-se imperativa, iniciando assim o aparecimentos de locais como os gabinetes de curiosidades e os studiolos.
Studiolo que pertenceu a Francesco I de Medici, século XVI.
Esses espaços surgiram como uma forma mais privada para a apreciação dos objetos, onde colecionadores, cada vez mais curiosos e desejosos de obter itens belos e emblemáticos, como também de objetos que para eles eram incompreensíveis, guardavam seus bens, que lhes serviam para a demonstração de seu poder aquisitivo e também intelectual.
Contudo, com a expansão da atividade colecionista, os studiolos já não eram suficientes para abrigar todos os itens que eram coletados, e alguns colecionadores começaram a se especializar de acordo com suas preferências, formando coleções de naturalia e mirabilia. No século seguinte, essas divisões foram se alargando, fazendo surgir coleções artísticas, de numismática e medalhística, até o século XVIII, com o aparecimento de coleções arqueológicas.
Com tudo isso, é possível discutir a importância do colecionismo para a formação dos museus, visto que essas primeiras coleções fazem parte do acervo de muitos deles, independente de suas tipologias. Entretanto, não se pode considerar os museus como uma evolução de gabinetes e studiolos, já que esses espaços possuíam sua própria organização e epistemologia, diferente do contexto de criação dos museus, usados para a criação das identidades nacionais no século XIX.
Outro ponto importante se refere à possibilidade de haver fruição nos gabinetes de curiosidades, o que se confirma pela constatação de que a fruição seria a função primordial desses espaços. Os colecionadores os construíam justamente com a função de apreciação. Nesse aspecto, a estética era extremamente valorizada, visto que esses espaços eram expositores de objetos, pinturas, plantas, animais empalhados, com cada gabinete trazendo em si a característica de seu proprietário.
Posteriormente, muitas destas coleções particulares são realocadas nos chamados museus modernos. Porém, é errôneo dizer que os museus são evoluções dos gabinetes, pois estes são instituições distintas que, muitas vezes, inclusive coexistiram. Com a passagem das coleções particulares para os museus, pelo menos, em teoria, com a abertura da instituição para o público e com a “perda das marcas do dono da coleção, da força de seu nome nesta”, as coleções ficam um pouco mais neutras. Porém, convém lembrar que nenhuma exposição é efetivamente neutra. A expografia, quem é o curador, o diretor, o tipo de coleção e as empresas ou o governo vigente, são alguns dos muitos fatores que acabam marcando as exposições. Deve-se, contudo, trabalhar com o ideal de museu polifônico, efetivamente democrático e representativo, para que as instituições museais cumpram sua missão de preservar e dar acesso público ao patrimônio não somente em um documento, também de forma efetiva.
Deixaremos a título de aprofundamento e curiosidade sugestões de vídeos que ilustram o interior desses gabinetes, assim como uma outra modalidade desse fenômeno, os armários de curiosidades.
Vídeos: https://youtu.be/_NDTSe4Y5JE; https://youtu.be/FM5xSyb5EP4. (Ressaltamos que esses dois vídeos são uma sequência, sendo que ambos foram produzidos em língua inglesa e a plataforma de streaming oferece legendas apenas em língua inglesa).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLOM, Philipp. O dragão e o carneiro tártaro. In: Ter e manter. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003, p. 29-42.
BRIGOLA, João Carlos Pires. O colecionismo joanino. In: Colecções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
JANEIRA, A. L. A configuração epistemológica do coleccionismo moderno (séculos XV-XViii). Episteme, Porto Alegre, n.20, janeiro/junho 2005, pp 23-36.
YATES, Frances A. A memória no renascimento: o Teatro da Memória de Giulio Camillo. In: A arte da memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p.171-204.
VIAGGIOINBAULE. Studiolo di Francesco I de’ Medici in Palazzo Vecchio, 2019, Disponível em:<https://www.viaggioinbaule.it/studiolo-di-francesco-i-palazzo-vecchio/>. Acessado: em 11 de novembro de 2019 às 13:13 horas.
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