quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O Monarca Cientista: Reflexões sobre D. Pedro II e seu museu particular [Tipologia de Museus 2019]

Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Ciência da Informação – Graduação em Museologia
Disciplina: Função Social dos Museus - Atividade: Trabalho Final
Professor: Luiz Henrique Garcia de Assis

Autores: Álisson Valentim, Ana Lúcia Andrade, Camila Valentoni Guelfi, Débora Amaral e Natiele Souza.

      Não é segredo o fato de que há algo de essencialmente humano no ato de colecionar, assim como há um ato essencialmente colecionador em ser humano. Entretanto, há um notável período da história humana em que a arte de colecionar se destaca e ganha proporções inimagináveis. Este período é o século XIX e a explosão de colecionadores, que vinha mostrando suas caras desde o início do iluminismo, acontece, principalmente na Europa, de maneira entrelaçada a explosão do paradigma científico. A reputação da forma científica de se pensar e o ato de colecionar crescem unidos e apoiados entre si. Alguns foram os principais atores nesta explosão. Entre eles, vale a pena se citar os monarcas e suas grandes coleções principescas - a mais famosa delas, originou o acervo do Louvre. Esses monarcas colecionadores eram vistos no mundo como grandes mecenas na arte e na ciência e, no Brasil, não foi diferente. O Brasil Império também contou com a sua própria versão de um monarca-colecionador-mecenas, o Imperador Dom Pedro II.

      Entre outras contribuições que a personalidade tem no século XIX no fomento das artes e das ciências no Brasil, em especial a etnografia, é válido abordar aqui uma importante e hipotética “instituição” particular, O Museu do Imperador. Não há registros oficiais que atestem a sua existência, mas por meio de notas de viajantes e do próprio Dom Pedro II a respeito de compra de artefatos em leilões, se construiu a ideia da existência do Museu, que embora seja conhecido por esse nome, era coleção particular não aberta a quem não fosse convidado pelo Imperador. É de grande conhecimento que Dom Pedro II gostava de se apresentar e ser visto como um mecenas da ciência. Tinha claramente um lado colecionista, e se envolvia com a ciência através da seleção e da acumulação de artefatos.


      A expressão “Museu do Imperador”, ao invés de “Gabinete de Curiosidades”, está vinculada ao uso do tempo e do próprio imperador. D. Pedro ll costumava denominar o lugar como museu, nos documentos oficiais do Museu Nacional, alguns objetos são identificados como fazendo parte do museu do ex-imperador e no inventário de 1890, por exemplo, surge o termo “Muzeu”. O Museu foi iniciado com a junção de um gabinete de mineralogia e numismática, um herbário, todos herdados da mãe de d. Pedro, a imperatriz Leopoldina (1797- 1826). Leopoldina quando tinha 13 anos de idade, foi presenteada por seu pai – o rei Francisco I (1768-1835) –, com um gabinete de minerais, em 1817 veio ao Brasil, não só para uma pesquisa científica, como, durante o tempo em que viveu no país, enviou pedras, objetos empalhados, plantas secas ou borboletas a seu pai e a sua irmã.

      A mania colecionista fez com que seu pai organizasse um museu brasileiro devido à constante remessa de animais, aves empalhadas, plantas, flores, borboletas, peles e minerais. Dando início a Leopoldina, seria completada por d. Pedro II, que daria, maior abrangência à coleção. Na segunda metade do século XIX, o rei foi adicionando ao herbário, ao gabinete mineralógico e numismático de sua mãe muitos objetos armazenados e recebidos em visitas que fazia ou que recebia. Chefes de Estado, naturalistas brasileiros, viajantes ou estrangeiros traziam sempre presentes ao imperador. Essa não era portanto uma instituição pública e aberta ao público, aos poucos, o local foi sendo conhecido e denominado, até pelo próprio imperador, como museu. O Museu do Imperador era, como veremos, uma espécie de cartão de visitas, que gostava de se apresentar como homem de ciências e absorvido por elas. Seu Museu era assim um bom espelho que reproduzia a sua imagem. Reproduzia, o que lhe ofertava a imagem com que pretendia se fazer reconhecer: o cientista, o mecenas. Invertia, quando mostrava que dentro do Museu havia muito de representação – coleções pequenas ou apenas o resultado do conjunto dos presentes aleatórios que ganhava. De toda maneira, o imperador fazia de sua coleção uma espécie de teatro do seu poder. E determinava aqueles que faziam parte desse seu mundo teoricamente privado.

      O Museu foi distribuído em um total de quatro salas. A antigüidade clássica e a oriental figuravam lado a lado com as heranças advindas das populações andinas, nesse recinto também igualadas às contribuições do Brasil. Os objetos podem ser divididos entre antropologia, botânica e geologia/paleontologia.

Imperatriz Maria Leopoldina (Foto: domínio público, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42186974)

      O local foi definido pelo próprio imperador como um espaço público, mesmo tendo sido um espaço de acesso restrito. Portanto, por meio da análise desse pequeno estabelecimento, é possível pensar de que maneira o monarca manipulava sua imagem, ao mesmo tempo em que a conectava a determinados locais que acabavam por destacar imagens específicas, prontamente veiculadas. É por isso que seu museu, além de portar e acumular todos os presentes que recebia, também servia como espelho da feição que mais admirava apresentar.

      No museu do monarca os visitantes eram selecionados, sendo os naturalistas viajantes seu público-alvo dileto. Interessante é que nem todos que visitavam o imperador tinham acesso ao museu. Políticos e curiosos pareciam ficar restritos às áreas sociais do Paço de São Cristóvão, não galgando os degraus do segundo andar, que levavam à área considerada íntima. Afinal, o Museu do Imperador ficava na parte reservada do Palácio e era sujeito ao arbítrio de seus próprios moradores. É preciso lembrar que museus são objetos de memória e que esta é sempre um exercício de seleção. No museu não só entravam aqueles que o Imperador desejava, como d. Pedro guardava apenas os objetos que gostaria de reservar à posteridade. Nesse caso, o Estado surgia associado à sua própria pessoa, e o soberano soube, como poucos, cuidar da sua lembrança.

No Museu Nacional era possível encontrar objetos que fizeram parte do “Museu do Imperador”. Foto do edifício do Museu Nacional e seu entorno, antes do incêndio que o destruiu. Foto por Roberto da Silva. Fonte: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/omuseu/omuseu.html

      D. Pedro II soube cuidar de sua memória mesmo após o exílio. Destinou os objetos de seu museu a instituições que ficariam responsáveis por guardar e preservar, dividindo sua coleção de acordo com áreas de conhecimento: etnografia, mineralogia e botânica.

      O que mais caracterizava seu museu eram os objetos de ciências naturais, tanto que, vários relatos relacionam o local com essa tipologia, evidenciando a imagem do imperador como um “homem das ciências”.

      É importante compreender que a prática de colecionar é também uma atividade de seleção, diz sobre quem somos, o que queremos lembrar e o que queremos esquecer. Essa construção de significados por meio da coleção, servia para apresentar a imagem que D. Pedro II gostaria de manter memorável, o monarca representante da nação, amigo de viajantes e cientistas, que bradava, “a ciência sou eu”. No que diz respeito ainda à coleção de D. Pedro II, é possível constatar seu papel no desenvolvimento de uma identidade e imaginário nacional. O colecionador classifica seus objetos, indicando regras e interesses dele próprio, e, na coleção em questão, essas premissas podem ser observadas. D. Pedro II colecionou objetos indígenas, de botânica, pedras, antiguidades entre várias outras categorias. Para o exterior, de acordo com as Exposições Universais que ocorriam, o Brasil de D. Pedro II era “um país europeu e indígena”. O imperador não colecionou objetos oriundos da população negra, negando assim a existência da escravidão, indicando toda uma estratégia de esquecimento e silenciamento.

REFERÊNCIAS:

SCHWARCZ, Lilia Moritz e DANTAS, Regina. O Museu do Imperador: quando colecionar é representar a nação. Rev. Inst. Estud. Bras.. 2008, n.46 , pp. 123-164.

BLOM, Philipp. Ter e manter. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003. 303 p

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