Reflexos n°2 - Conhecimento, política e instituições no Brasil (1889-1934)
Paulo Teixeira IumattiProfessor Livre-Docente - Instituto de Estudos Brasileiros – Universidade de São Paulo
ptiumatt@usp.br Julio César De Oliveira Vellozo
Professor - Universidade Mackenzie – São Paulo
juliovellozo@gmail.com
O
artigo procura apresentar um novo quadro interpretativo para o estudo
da produção intelectual brasileira de 1889 até os anos 1930, propondo um
esboço do modo de articulação entre instituições, política e produção
do conhecimento no Brasil a partir da proclamação da República, e,
particularmente, das transformações deflagradas pela fórmula federativa
da Constituição de 1891. Argumenta-se que tais transformações definiram
uma nova configuração para as disputas inter-regionais e suas relações
com o poder central – configuração que repercutiu profundamente nos mais
diversos ramos da produção do saber e da arte. Compreender tal produção
à luz dessas transformações implica trilhar uma vertente pouco
explorada pela bibliografia, qual seja a da recuperação das mediações
entre espaço público, política, vida intelectual e epistemologia, o que,
por sua vez, ajuda a lançar luz sobre aspectos importantes relativos à
vida intelectual, institucional e política a partir dos anos 1930,
marcada, por exemplo, pelo surgimento das universidades.
***
Um trecho:
"Era fundamental à República manter certo controle
sobre os conflitos descritos acima – e, sobretudo, procurar construir
sua legitimidade em face dos mesmos. Para isto, valia-se do fato de que a
dinâmica dos confrontos tornava ainda mais necessária uma esfera
superior reconhecidamente legítima, em que o verdadeiro e o falso
pudessem ser discernidos em face de provas, ou em que os argumentos
fossem suficientemente fortes para desencadear ações oficiais e
processos de ordem jurídica.
Essa esfera não era formada apenas por instituições como o Congresso
Nacional e o Supremo Tribunal Federal, mas dizia respeito à própria
imprensa, a instituições culturais de abrangência nacional, como a
Biblioteca Nacional, a Sociedade de Geografia, a Liga de Defesa Nacional
e o IHGB (Instituto Historico e Geografico Brasileiro), e fóruns de
discussões e negociações como os Congressos de História Nacional ou de
Geografia. Nessa esfera, tornava-se urgente produzir e veicular um
conhecimento que estivesse à altura da necessidade de argumentos fortes,
reconhecidos em situações de conflito, tudo parte da emergência de um
paradigma modernizador.
Destarte, a assimilação do modo “moderno” e realista de
produzir ciência e técnica passa a ser imprescindível à consolidação da
República e dos grupos que procuram se reequilibrar no poder, nos
Estados e na União. Ora, esse movimento está na base do momento de
renovação metodológica que inspira figuras-chave da produção intelectual
do período, provocada por movimentos gerais que se faziam sentir no
mundo e pelas demandas da nova situação jurídico-política aberta com a
Constituinte de 1891."
Outro:
"Observamos que a demanda convergente por um espaço de legitimidade colaborou de forma decisiva para que se processasse uma mudança no paradigma predominante do que era tido como um conhecimento legitimamente reconhecido como verdadeiro. Tratava-se de modernizá-lo, de colocá-lo em consonância com métodos desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos. Com efeito, é possível constatar (e o fato tem sido constatado, mas não explicado pela bibliografia pertinente) que, em face das necessidades práticas, concepções deterministas e grandes sistemas biológicos, filosóficos ou sociológicos, que interpretavam a evolução total da humanidade ou fatos específicos a partir de prismas mais ou menos inflexíveis, dando pouca margem para o diálogo com o empírico, perderam espaço em todas as áreas: na medicina, na engenharia, nos estudos geográficos e geológicos, nos estudos lingüísticos e etnológicos, na história etc. [27] Assim, por exemplo, a discussão de novas teorias, como a bacteriologia, que explicava a origem das doenças, colocava em xeque representações consolidadas sobre o peso do fator climático e/ou racial. Na etnologia o mesmo acontecia a partir de estudos como os de Franz Boas, que combatiam os esquemas dos antropólogos evolucionistas, de um lado sustentando a necessidade de estudos monográficos, parciais, e menos ambiciosos, e de outro criticando os determinismos de raça e meio [28]."