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segunda-feira, 20 de junho de 2022

MUSEUS, IDENTIDADE E PODER

 Universidade Federal De Minas Gerais

Escola de Ciência da Informação - ECI - Curso de Graduação em Museologia

Disciplina: Tipologia de  Museus

Professor: Luiz Henrique Garcia

Grupo: Adriana Lage Borges Souza,  Ana Carolina Gomes Fiuza, Bia Pimentel, Gabriella Maria de Assis Pereira e Laura Braga Melo


Introdução: Antropologia, etnografia e museologia possuem interseções no campo das ciências sociais aplicadas, principalmente quando nos referimos a suas construções teórico-metodológicas. Essas ciências humanas são construídas em meio a expansão imperialista europeia, e, portanto, muitas de suas visões ainda estão "contaminadas" por esse eurocentrismo branco. Georges-Henri Rivière, museólogo francês, em meio a uma tentativa de trazer seu campo para um estudo dos subalternos, cria o conceito de etnomuseologia, que seria um estudo das culturas, dos povos, do etno, a partir de um olhar museológico, ou seja, toda conceituação, seu histórico e desenvolvimentos de museus indígenas, comunitários e etnológicos voltando pra uma musealização crítica. A partir dessa musealização crítica surge a crítica de Ilana Goldstein (2008) ao conceito de arte primitiva/arte primeira, voltada principalmente aos museus europeus.

Museu e Sociedade: Após finalizar seu trabalho de reorganização do Musée Trocadéro, Rivet anunciou seu novo projeto, o Musée de l'Homme, que se tornou referência internacional, mas, décadas mais tarde, se tornou antiquado e pouco visitado. Por isso, os acervos do Musée de l'Homme e também do Musée National des Arts d’Afrique et d’Océanie foram transferidos para o que posteriormente viria a ser o Musée du Quai Branly. A criação do Musée du Quai Branly foi possível pela existência de outras mostras que classificavam como arte objetos coletados em sociedades não-ocidentais, como a Primitivism in 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern, que redescobriu a art nègre. A polêmica desta exposição foi que a percepção dos “povos primitivos” não foi requisitada e artistas dos países em desenvolvimento não foram convidados a expor. A mostra Magiciens de la Terre contrapõe a primeira. Ela se pretendia “pós-moderna”, dando ao Outro voz, nome e rosto. Artistas não-ocidentais foram convidados pelo curador Jean-Hubert Martin para a criação da exposição. Essas duas grandes exposições pioneiras somadas aos interesses particulares de Chirac e Kerchache montam o contexto do surgimento Musée du Quai Branly.


01 - Trocadero - Musée Trocadero, reorganizado por Paul Rivet.


02 - Musée de l’Homme - Antecessor do  Musée du Quai Brainly.

03 - Mostra - Mostra Primitivism in 20th Century Art: Affinity 
of the Tribal and the Modern.

 

Etnografia - Contexto de Surgimento: A etnografia pode ser definida como: “Parte da antropologia que se dedica ao estudo das múltiplas etnias, de suas implicações antropológicas e sociais. As discussões e estudos sobre esse tema surgiram na década de 70, com a exigência de muitos países sobre seus artefatos e obras, que durante muito tempo foram saqueados e expostos de forma descontextualizada. Registro feito com o intuito de descrever a cultura material de um povo.” O Museu Etnográfico pode ser caracterizado como uma instituição que valoriza as manifestações culturais e locais de uma população, priorizando a preservação da tradição de uma cultura. A criação desses espaços, permite que os objetos, artefatos, obras de arte e mercadorias sejam inseridos em seu contexto de origem. A relação do Brasil com os museus etnográficos, iniciou-se ao longo do século XX. O maior destaque dessa mudança foi o modo como os povos indígenas brasileiros passaram a ser enxergados, transformando a relação entre a cultura nativa e seu apagamento durante séculos. Desta forma, políticas de proteção foram implementadas assegurando individualidade, preservação em âmbito demográfico e cultural. No entanto, são poucas instituições etnográficas que têm destaque e conhecimento no país. Isso porque, grande parte desses espaços são mantidos através de ações não-governamentais. O Museu Casa dos Açores é um exemplo e possui um acervo muito rico culturalmente, localizado em Biguaçu, São Miguel da Terra Firme - Santa Catarina. Retrata o contexto escravista e imigratório durante o século XVIII. Muitas são as discussões sobre a formação e configuração desses espaços. Encontrar o equilíbrio entre a desassociação e a instituição clássica, ou reproduzir, mesmo que minimamente, os padrões seguidos por esta, além de se tornarem descaracterizadas de uma instituição museológica é um grande desafio.



04 - Primitivism

05 -Magiciens de la Terre

06 - Máscara Cara Grande - Ypé, de etnia Tapirapé

Criação do Museu Quai Branly: O Museu foi aberto em junho de 2006, e a ideia da criação, em Paris, de um museu para abrigar e expor a chamada arte primitiva, partiu do então presidente da França Jacques Chirac, apaixonado por arte africana. Na época da criação/construção, diretores do Museu chegaram a ser acusados de comprar peças de origem ilegal, a preços milionários, inclusive estátuas nigerianas. Pairava no ar a suspeita que essa súbita visibilidade das artes primitivas teria como finalidade principal a valorização deste segmento do mercado de arte, o que de fato ocorreu. A maioria das peças expostas no Museu não foi criada como obra de arte e sim para servir a funções práticas e triviais do dia-a-dia (ex caça), ou funções transcendentais (ex. cultos religiosos).

Hoje o Branly conta com mais de 370 mil objetos, e é dedicado às civilizações e à arte da Oceania, Ásia, África e América, antigas civilizações não europeias. 


07 - Musée du Quai Branly - fachada

08 - Quai Branly - interior


09 - Artigos da Nigéria


Expressões artísticas no mundo - Primitivismo: No início do Século XX, alguns artistas modernistas do Fauvismo, Surrealismo, Cubismo exploravam as coleções etnográficas de museus de todo mundo em busca de inspiração,  que, de certa forma, não tinham questionamentos políticos e morais da época, como é destacado por GOLDSTEIN (2008). A arte moderna buscava referências da arte feita por povos e tribos primitivas. Por exemplo a semelhança entre os rostos angulosos, geométricos e coloridos das Demoiselles d’Avignon (1907) de Picasso e certas máscaras africanas. 



10 - Les Demoiselles d'Avignon - Picasso, 1907



11 - A dança, Paul Gauguin -1909


Os cientistas, os antropólogos na sua maioria, são contra a expressão arte primitiva. Pois no contexto intelectual seria a crença na existência de sociedades “primitivas”, no sentido de “menos evoluídas”, que foi muito pontuada no evolucionismo, na segunda metade do século XIX. No século XX, a noção de arte “primitiva” engloba manifestações tão distintas como: a arte “bruta”, a arte naïf ou popular, a arte pré-histórica e as artes indígenas, que são classificadas como artes “primitivas” devido ao seu processo de criação seguindo os impulsos humanos instintivos e “genuínos”, ou de sua forma inconsciente, pela qualificação marginalizada de seus produtores, seja em relação à “normalidade” psíquica (arte bruta), seja em relação à cultura erudita (arte naïf ou popular), seja em relação a um menor grau evolutivo (arte pré-histórica) ou à supremacia econômica e tecnológica da sociedade Ocidental (artes indígenas).



12 - Arte Bruta: O Normal é Psicótico - Jean Dubuffet, 1962

13 - Arte Bruta no Brasil: Obra de Arthur BispoFavela

14 - Arte naif ou popular: o sonho, Henry Rousseau - 1910

15 - Arte naif no Brasil: Heitor dos Prazeres, 1965


16 - Pinturas rupestres - Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Januária - MG

17 - Arte indígena: Apapaataí Atujuwá Ajou, Jatobá fêmea

Conclusão: Ao examinarmos as artes não-ocidentais, estamos diante de objetos que operam, simultaneamente, como testemunhos etnográficos de outras culturas aos olhos ocidentais, como manifestações estéticas com forte poder de comunicação, no seio das comunidades em que são produzidas, e como mercadorias com valor de troca, no mercado global. […]  Assim, a abordagem predominantemente estética que deu a tônica do projeto Branly, desde o início, continua a merecer debate. (GOLDSTEIN, 2008, p. 310)


Referências Bibliográficas:

AIDAR, Laura. Fouvismo, In.: Toda a Matéria, Artes. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/fauvismo/>. Acesso em : 3, jan de 2022


CONVERSANDO SOBRE NAIF, In.: Arte Naïf (2020) – Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em:: <https://youtu.be/DaMGT9QotRQ> Acesso em 03, jan de 2022.


DURAND, Jean-Yves. Este obscuro objecto do desejo etnográfico: o museu. in: Etnográfica, 2 (11). Revista do Centro de Estudos de Antropologia. Lisboa: CEAS / ISCTE. pp 373-385.


GOLDSTEIN, Ilana. Reflexões sobre a arte "primitiva": o caso do Musée Branly. Horiz.antropol. [online]. 2008, vol.14, n.29 [cited  2013-08-27], pp. 279-314.


HENRI ROUSSEAU, sua arte e sua história, In.: Arte e Blog, em 21 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.arteeblog.com/2016/05/henri-rousseau-sua-arte-e-sua-historia.html>. Acesso em 3, jan de 2022

LES DEMOISELLES D’AVIGNON, In.:  Wikipédia, a enciclopédia livre, 2012. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Les_demoiselles_d%27Avignon> Acesso em: 03, jan de 2022.


NETO, Aristóteles Barcelos. O despertar das máscaras grandes do Alto Xingu: Iconografia e transformação. In.: A Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 2010, v.2, n.2, jul.-dez., p.43-66. Disponível em: <http://paineira.usp.br/cema/images/ProducaoCEMA/AristotelesBarcelosNeto/O_despertar_das_mascaras_grandes_do_Alto.pdf> Acesso em 03, jan de 2022.


OLIVEIRA, Alecsandra Matias, Jean Dubuffet, In.:Das Artes 109 / Destaque 17/07/21

Disponível em : <https://dasartes.com.br/materias/jean-dubuffet/> Acesso em 03, jan de 2022.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. Os museus etnográficos brasileiros: “Polvo é povo, molusco também é gente”. In: O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.67-98.


TOMBADA PELO IPHAN, obra de Arthur Bispo do Rosário ganha mostra no Rio, com peça inédita - In.: Jornal O Globo, Cultura › Artes visuais. 24, set. 2019. Disponível em : <https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/tombada-pelo-iphan-obra-de-arthur-bispo-do-rosario-ganha-mostra-no-rio-com-peca-inedita-23968582>Acesso em: 03, jan de 2022.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Acervos públicos, sentidos do patrimônio e interpretação da História

A notícia de que o atual governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), mandou retirar do gabinete de governo o quadro "Alegoria da morte de Estácio de Sá" (Antônio Parreiras, 1911), alegando que a mesma traz má sorte ou está "carregada" (palavras que teriam sido ditas pelo músico Jorge Ben Jor), produz espanto e uma série de inquietações. Antes de tudo,  assombra um gesto público dessa natureza, da parte de um político ocupando uma cadeira importante, que intenta criar algum tipo de distração ante problemas de gestão e finanças do estado que governa, apelando para esse tipo de interpelação pela irracionalidade, superstição. Ao mesmo tempo, tal gesto absolutamente criticável faz pensar também sobre os diferentes sentidos do patrimônio e as possíveis interpretações da História das quais participam. Retrato alegórico da empreitada colonial, com toda sua violência e imposição de modelo civilizacional, a pintura, figurava no gabinete do governador como elemento integrado à construção simbólica de identidade, inicialmente do Estado-Nação, uma vez que encomendada pelo então Prefeito do o Rio de Janeiro Inocêncio Serzedelo Corrêa no tempo em que a cidade era a Capital Federal. Nesse sentido é como o atestado de que o embate entre "civilização" e "barbárie" teve nos colonizadores os vencedores, dos quais o moderno estado brasileiro se colocava como continuador. Estácio de Sá, desse modo, apresenta-se como mártir da conformação de um Estado Nacional do qual não teve em vida a menor ciência. Posteriormente podemos considerar que a obra foi ressignificada para compor a narrativa iconográfica que constrói a identidade do Rio como estado sem deixar de afirmar sua centralidade para a nação brasileira. Mas, em algum momento, surge a dúvida:  que sentidos alegorias como essa, que demandam uma atitude contemplativa e conhecimento de certos códigos culturais, podem ganhar, nos tempos em que o oculocentrismo combinou-se à circulação acelerada de imagens no espaço público, nas múltiplas mídias e nas redes internéticas? Quão público é o gabinete do governador - o que implica perguntar - quem ultimamente olhava esse quadro?
O deslocamento da pintura - indiferentemente da motivação aparentemente irracionalista ou calcada numa pueril tentativa do governador de angariar a simpatia do eleitorado supersticioso que ele acredita representar, ou eventualmente de desviar o debate público no momento em que se questiona justamente sua capacidade de governar - acaba por paradoxalmente lançar a mesma na rede e nas mídias, talvez reacendendo um potencial de ressonância que estava adormecido enquanto estava na parede enquanto cumpria uma função residual se comparada à que exerceu nos tempos em que certos artefatos significavam muito nesse tipo de espaço através do qual se narrava uma certa história e se afirmava uma dada forma de poder. Se por um lado um motivo patético traz o quadro à baila, por outro às vezes só assim o que esquecido se coloca novamente no horizonte de nossas atenções.
Hoje nossa interpretação da colonização é bastante diversa daquela do início do século XX, e por aí podemos tomar certamente "Alegoria da morte de Estácio de Sá" desde um ângulo crítico que revela a lógica de violência e imposição, as contradições e assimetrias nas quais se ergueu a Colônia, e as implicações disso na formação do território e da nação brasileira nos séculos seguintes. A pintura portanto pode representar um testemunho relevante dessa história, e ao mesmo tempo instigar reflexões sobre temas e tensões distintivas e intestinas de nossa sociedade. Se o governador a retira da parede e esconde numa sala ainda menos frequentada do palácio de governo, parece, sintomaticamente, um gesto produtor de amnésia. Se decidir transferi-lo a algum museu, acena a possibilidade de torná-lo acessível a um público maior. Nesse último caso, me coloco favorável, desde que seja feitas a pesquisa e comunicação museológica condizentes para que a trajetória do quadro seja considerada elemento chave para pensar seu sentido contemporâneo.
  






quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Brasil vai a Paris em 1889 - citações traduzidas


Entre as leituras realizadas este semestre na disciplina optativa "Museu, espaço e poder", no curso de graduação em museologia da UFMG, estava este texto

BARBUY, Heloisa . O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na exposição universal. Anais do Museu Paulista (Impresso), São Paulo, v. 4, p. 211-261. [completo, aqui]

Incluo o resumo, como está disponível no scielo:

A A.[autora] estuda, de um ponto de vista museográfico, o significado da presença brasileira na Exposição Universal de Paris, de 1889. Com base em documentação rica e em grande parte ignorada ou pouco explorada, revela esforços empreendidos para apresentar o Brasil como um país atraente para estrangeiros e analisa o repertório alegórjco mobilizado, juntamente com a retórica de diferentes tipos de exposições, sejam de produtos naturais, manufaturados, científicos ou artísticos.
Unitermos: Exposição internacional. História das exposições, século XIX. Museografia, século XIX. Exposição Universal, Paris, 1889: presença brasileira.

Em meio a seminários e outras atividades, a aluna Thelma Palha fez a gentileza de traduzir as citações das fontes impressas em francês citadas pela autora. Além disso se dispôs a compartilhar a tradução através deste blog. Agradeço a ela novamente por essa preciosa contribuição, pois dessa forma mais leitores podem ter uma visão acurada do significativo trabalho de pesquisa empreendido pela autora. Aos interessados, sugiro baixar o texto e acompanhar pelos números a sequência das citações. Boa leitura!


1-       Vocês são homens de sentimentos elevados, vocês são de uma nação generosa. Vocês têm uma dupla vantagem de uma terra virgem e de uma raça antiga. Um grande passado histórico vos identifica ao continente civilizador: vocês reúnem a luz da Europa ao Sol da América. [Victor Hugo, Carta aos brasileiros, apud Marchand & Héros 1889:3-4]
2-       Se suprimíssemos do Champ-de-Mars os palácios e os pavilhões construídos pelas três Américas, ficaríamos ainda menos surpresos do grande vazio que produziria sua ausência que o desaparecimento da nota alegre, clara, luminosa, algumas vezes grandiosa, que esses edifícios projetam no conjunto Champs-de-Mars. [Varigny 29/01/1890:266]
3-       É um dos traços mais remarcáveis da exposição a grande praça ocupada pelos Estados latinos da América do Sul. Cada um deles se alojou num palácio próprio e as arquiteturas desses edifícios acrescentam muito ao pitoresco do Champ-de-Mars. [Rousselet 1890:201]
4-         Em resumo, é preciso suspender todo julgamento até o momento em que as instalações estiverem completas; mas o que é fácil sentir é que esses países nos mostrarão, sobretudo, a riqueza e a variedade da produção de seu solo. São lugares que, após estarem, há muito tempo adormecido, acordam enfim e querem entrar no grande movimento industrial provocado pela Europa. [Biart 1890:9]
5-       Elas [as Américas] têm consciência que o futuro é delas, e nós, os anciões, que lhes mostramos o caminho, que, sobre essas novas terras, despejamos há séculos, o excesso de nossa população, nossos pobres e deserdados, nos podemos estar certo, seguros dos resultados obtidos por estes exilados da Europa.  São eles, homens do norte e do sul, Ingleses e Franceses, Portugueses e Italianos, Espanhóis e Irlandeses, que criaram essas repúblicas prósperas e este vasto Império do Brasil, colocando em valor essas terras incultas, aumentada por esse ato comum de humanidade. [Varigny 29/01/1890:266]
6-       Este ano de 1889 será uma data importante na história dos jovens povos do Novo Mundo. Eles eram poucos no movimento econômico do globo; a política, as guerras civis, onde pudesse colher honras, dinheiro, uniformes, tinham absorvido a existência da maior parte entre eles e as prodigiosas riquezas naturais de seu solo e de seu subsolo continuam inutilizados e parecem continuar a ser sempre. É sob esta impressão que adormeceram os Parisienses nas últimas exposições. Percorrendo os palácios da América latina, eles devem convir que o quadro mudou. [Rousselet]
7-       Quem mantém este ritmo inesperado? Na maioria dos casos a imigração européia. Um sangue novo rejuvenesceu essas raças um pouco moles. Os únicos Estados que até nossos dias tinham escapado ao torpor geral, eram, precisamente, esses, onde os elementos eram os mais numerosos, onde a influência científica e literária vindas da Europa era maior: a Argentina, o Brasil, o Chile. São eles que matém, hoje, a cabeça do movimento. [Rousselet 1890:201-2]
8-      O Brasil veio à Paris, não para se impor aos olhos, mas para se fazer constatar pela velha Europa que ele não é indigno, pelos seus progressos realizados, de entrar mais facilmente ainda no conserto econômico dos grandes Estados. O Brasil veio à Paris não para procurar a vã satisfação de recompensas honoríficas, mas para dar um nó mais solidamente nos laços  que o prendem a Europa, para abrir de novo saídas a suas matérias primeiras, e, sobretudo, para dar confiabilidade à todos aqueles que estiverem prontos a escolhê-lo para sua nova pátria, para lá trabalhar ou fazer frutificar seu capital. Por sermos Americanos do Sul, nós não somos menos Americanos, quer dizer, práticos. [Santa-Anna Nery 1889b:X]
9-      O Brasil tem necessidade de uma população numerosa para colocar em valor as riquezas extraordinárias de sua terra.
10-  O Brasil é um país novo, que compra no estrangeiro a maior parte dos alimentos e dos objetos que precisa.
11-  O Brasil é um país agrícola, onde o café produz mais que em qualquer parte do mundo.
12-  O Brasil é um país livre, absolutamente livre. O estrangeiro cansado do jugo da Europa hierarquizada e militarizada, nele se reencontra, desembarcando, todas as grandes liberdades modernas praticadas há tempos, ao mesmo tempo em que o acolhimento, é o mais cordial.
 13-  Se o Brasil é um pa´si livre, ele é ao mesmo tempo um país de ordem. Nada de revolução a temer.
14-  A Itália, Portugal e Alemanha nos dão os braços que nós precisamos. A Inglaterra nos fornece o capital necessário para nosso equipamento. A França não nos fornece nem braço nem capital. Bem mai! Uma circular do governo de 16/05 proibe a imigração para o Brasil.
15-  Dessa revista, precisamente rápida, riquezas que a América abrange a nossos olhos, recursos cada dia mais consideráveis que ela nos revela, um fato se revela e se impõe: o papel que ela é chamada à representar na evolução econômica e industrial que se anuncia. O que será esse papel, as conseqüências, que resultarão para a Europa, a iniciativa recentemente tomada pelos Estados Unidos para mudar a seu favor os benefícios e assegurar a sua direção, é o que nos resta estudar.
16-  Sua situação geográfica, seu clima nos permitem prever a grandeza futura de seus Estados nascentes, e podem nos inspirar medos para o futuro. Em um século, o México, a Guatemala, o Peru, o Brasil, renovarão ou terão renovado o milagre do crescimento prodigioso dos Estados Unidos. Serão países com os quais contaremos e que, graças a seus recursos incalculáveis, estarão à frente das artes, que são o fruto da maturidade das nações ou ao menos dos empreendimentos industriais e comerciais.
17-   Ele corre sob um túnel de folhagens, ao longo de árvores, essas terríveis árvores, muito próximas da via, e da qual advertimos em todas as línguas do globo.
18-  ...mesmas pretensões marítimas, mas quantas mais naturais para o país que possuí o Rio de janeiro! Mesmas pretensões geográficas, mas quantas melhores justificadas aqui, o interesse que tem a geografia o império do Brasil sendo bem conhecido pelos Franceses.
19-  O Brasil, propriamente falando, não é uma nação industrial; de qualquer forma, sua indústria manufatureira não para de progredir nos seus diferentes ramos...
20-  Há lá a mais bela coleção de madeira – 40 mil espécies! – que pudesse sonhar um marcineiro; há pedaços de borracha bruta, algodões, esponjas camadas de minerais de em ouro, prata e diamante, produtos farmacêuticos para curar todas as doenças, e, para tornar mais atraente a visita dessas coleções, juntam-se móveis de estilo antigo, quadros e aquarelas representando lugares os mais pitorescos do Brasil, coleções de medalhas onde vêem as primeiras moedas cunhadas na América pelos Holandeses em 1645: esta curiosa série pertence ao Senhor, o Conde Cavalcanti; a Sra. Cavalcanti emprestou, ela mesma, seu estojo, que contém quatro ou cinco milhões de diamantes e de pedras preciosas. Não nos esquecemos, a mais preciosa, a não menos rara de todas as pedras que podemos ver, quer dizer, o famoso meteoro de Bendego, que caiu do céu em 1784.
21-   Nós achamos ainda produtos análogos a esses que nós vimos em outros pavilhões. As maravilhosas riquezas naturais do Brasil estão demonstradas pelas magníficas amostras de madeiras e por uma exposição muito interessante de borracha, que é produzida pela seiva de diversas árvores, recolhida por meio de incisões e submetida a uma preparação particular. O cacau, o açúcar, o café, etc. são as principais produções dessa vasta região, representada dignamente na exposição.
No piso térreo, o público se comprime em volta da cópia em madeira do meteorito de Bendego. O original, conservado no museu do Rio de Janeiro, pesa 5,360 kg. e é composto, principalmente, por ferro e níquel.
22-  As selvas do Brasil fornecem ao marcineiro um inesgotável tesouro de madeiras preciosas; nos as vemos, desenvolvidas sob forma de pirâmides no piso térreo, enquanto que no andar superior nos apresentam móveis de estilo fabricados por artistas indígenas; a maior parte dessas madeiras não são empregadas, eu creio, nas marcenarias européias, onde nós nos servimos quase que exclusivamente de exemplares vindos de nossos países como o carvalho, a nogueira, a pereira, a oliveira, etc. (...) Não podemos, então, prever  ainda qual a saída para essas madeiras brasileiras, que são tão belas, de um grão tão fino, que nos damos conta, podem ser artisticamente trabalhadas.
Com as pirâmides de madeira alternam outros compostos de minerais ou de pedras de ornamento: entre esses últimos observamos os magníficos mármores com veios negros de Gandarela. Por todo lado se elevam enormes pilhas de borracha. Um pequeno salão, muito elegante, exibe algumas espécies de café, cacau e de erva mate, planta cuja infusão dá um chá muito apreciado na América do Sul e que poderemos degustar aqui, como no Paraguai.   
23-  De lá vieram essas madeiras raras cujos grânulos enormes chamam a atenção; do norte essas pedras preciosas, diamantes, esmeraldas; do Rio Grande do Sul, essas ágatas, essas ametistas e essas coralinas, esses minerais de ouro; depois esses vinhos, esses tabacos e o café do qual o Brasil produz a metade do
que o mundo consome. Mas sua prosperidade atual não é nada ao lado do que o futuro lhe reserva. Quando essas vastas florestas forem abertas, quando as regiões ainda pouco conhecidas do oeste forem invadidas pela civilização, não será mais, como hoje, por um milhão que numerarão a importação e a exportação do Império. De outro modo elevado será a parte contributiva do Brasil ao movimento industrial e comercial do universo.
24-  Vocês desejam conhecer ao certo o que achamos no hall e nos dois andares das galerias decoradas de flores em camafeu sobre fundo dourado e de guirlandas? Cafés, cacaus, baunilhas, açúcar, cana de açúcar, tabaco, mármores, amostras de madeiras, produtos manufaturados de todo tipo, alguns quadros ruins, algumas esculturas de escolares. Produtos agrícolas e primeiras matérias expostas atestam os imensos recursos de um solo onde nenhum tesouro seja raro, mesmo o ouro e os diamantes.
25-  Cultivamos hoje o café em todos os países intertropicais. Entre os países produtores, o primeiro rang pertence ao Brasil, que praticamente só produz quantidade de café que todos os outros países reunidos e que durante a campanha do 1/7/1888 à 30/6/1889 exportou 6,300.00 sacos de 60 kilos ou 378 milhões de kilogramas (...) Os países onde nós [os franceses] nos abastecemos são, por ordem de importância, o Brasil, Haiti, a Venezuela, a Índias Inglesas, os Estados Unidos, a Nova Granada, as Costas da África, etc.
26-  Nós já fizemos muito; nós ainda temos mais para fazer. É impossível parar sem comprometer tudo que foi tentado até aqui. Vamos então!E para o progresso!
27-  No entanto (num período posterior), as exposições internacionais haviam aparecido. O diretor do museu, por sua instrução não menos que por sua atividade, se achava à frente das exposições preparatórias organizadas no Rio de Janeiro nessa época, e não deixou de contribuir fortemente no aumento das coleções do museu adicionando o excedente dessas exposições. Era pouco, mas era qualquer coisa se refletirmos sobre a pobreza desse estabelecimento. Até lá, o Museu brasileiro viu entrar somente duas vezes em suas galerias coleções do mais alto interesse e capazes de atrair por seu valor, a atenção dos mais ricos museus europeus. Eu quero falar das coleções egípcias que o Imperador Pedro I havia comprado(...). A segunda aquisição consistia no rico presente feito pelo rei Ferdinando de Nápoles, ao Imperador Dom Pedro I, seu genro, presente composto por numerosos vasos etruscos e em bronze de Pompéia, que sua Majestade doou ao Museu.
28-  É uma preciosa ocasião de constatar, por exemplo, a soma muito imponente de trabalhos realizados a cada ano, por um grupo de sábios brasileiros: MM.Cruls, Derby, Gorceix, Freire e tantos outros.
29-  O panorama do Rio de Janeiro é cheio de charme à noite. O espectador está sobre uma colina entre a cidade e as montanhas que formam o anfiteatro em volta dela; diante da cidade está a baía. Os fundos bem vistos  e as montanhas verdejantes formam contrastes com as águas azuis do mar. A cidade, suas construções, suas ruas, seus monumentos se apresentam bem à vista do espectador. Esse panorama é tratado com os procedimentos de decoração de Cicéri; certos efeitos se devem pela espessura das pinturas que formam, de alguma forma, um baixo relevo; mas o conjunto, repetimos, é agradável.
30-  Esse panorama foi imaginado e colocado em obra com muita arte por um artista brasileiro, de um talento comprovado.
31-  No âmbito do divertimento, mudança de cenário ou de instrução, um imaginário coletivo que se desenvolve será cedo ou tarde recuperado pela propaganda, pela publicidade, pelo comércio.