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segunda-feira, 20 de junho de 2022

MUSEUS, IDENTIDADE E PODER

 Universidade Federal De Minas Gerais

Escola de Ciência da Informação - ECI - Curso de Graduação em Museologia

Disciplina: Tipologia de  Museus

Professor: Luiz Henrique Garcia

Grupo: Adriana Lage Borges Souza,  Ana Carolina Gomes Fiuza, Bia Pimentel, Gabriella Maria de Assis Pereira e Laura Braga Melo


Introdução: Antropologia, etnografia e museologia possuem interseções no campo das ciências sociais aplicadas, principalmente quando nos referimos a suas construções teórico-metodológicas. Essas ciências humanas são construídas em meio a expansão imperialista europeia, e, portanto, muitas de suas visões ainda estão "contaminadas" por esse eurocentrismo branco. Georges-Henri Rivière, museólogo francês, em meio a uma tentativa de trazer seu campo para um estudo dos subalternos, cria o conceito de etnomuseologia, que seria um estudo das culturas, dos povos, do etno, a partir de um olhar museológico, ou seja, toda conceituação, seu histórico e desenvolvimentos de museus indígenas, comunitários e etnológicos voltando pra uma musealização crítica. A partir dessa musealização crítica surge a crítica de Ilana Goldstein (2008) ao conceito de arte primitiva/arte primeira, voltada principalmente aos museus europeus.

Museu e Sociedade: Após finalizar seu trabalho de reorganização do Musée Trocadéro, Rivet anunciou seu novo projeto, o Musée de l'Homme, que se tornou referência internacional, mas, décadas mais tarde, se tornou antiquado e pouco visitado. Por isso, os acervos do Musée de l'Homme e também do Musée National des Arts d’Afrique et d’Océanie foram transferidos para o que posteriormente viria a ser o Musée du Quai Branly. A criação do Musée du Quai Branly foi possível pela existência de outras mostras que classificavam como arte objetos coletados em sociedades não-ocidentais, como a Primitivism in 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern, que redescobriu a art nègre. A polêmica desta exposição foi que a percepção dos “povos primitivos” não foi requisitada e artistas dos países em desenvolvimento não foram convidados a expor. A mostra Magiciens de la Terre contrapõe a primeira. Ela se pretendia “pós-moderna”, dando ao Outro voz, nome e rosto. Artistas não-ocidentais foram convidados pelo curador Jean-Hubert Martin para a criação da exposição. Essas duas grandes exposições pioneiras somadas aos interesses particulares de Chirac e Kerchache montam o contexto do surgimento Musée du Quai Branly.


01 - Trocadero - Musée Trocadero, reorganizado por Paul Rivet.


02 - Musée de l’Homme - Antecessor do  Musée du Quai Brainly.

03 - Mostra - Mostra Primitivism in 20th Century Art: Affinity 
of the Tribal and the Modern.

 

Etnografia - Contexto de Surgimento: A etnografia pode ser definida como: “Parte da antropologia que se dedica ao estudo das múltiplas etnias, de suas implicações antropológicas e sociais. As discussões e estudos sobre esse tema surgiram na década de 70, com a exigência de muitos países sobre seus artefatos e obras, que durante muito tempo foram saqueados e expostos de forma descontextualizada. Registro feito com o intuito de descrever a cultura material de um povo.” O Museu Etnográfico pode ser caracterizado como uma instituição que valoriza as manifestações culturais e locais de uma população, priorizando a preservação da tradição de uma cultura. A criação desses espaços, permite que os objetos, artefatos, obras de arte e mercadorias sejam inseridos em seu contexto de origem. A relação do Brasil com os museus etnográficos, iniciou-se ao longo do século XX. O maior destaque dessa mudança foi o modo como os povos indígenas brasileiros passaram a ser enxergados, transformando a relação entre a cultura nativa e seu apagamento durante séculos. Desta forma, políticas de proteção foram implementadas assegurando individualidade, preservação em âmbito demográfico e cultural. No entanto, são poucas instituições etnográficas que têm destaque e conhecimento no país. Isso porque, grande parte desses espaços são mantidos através de ações não-governamentais. O Museu Casa dos Açores é um exemplo e possui um acervo muito rico culturalmente, localizado em Biguaçu, São Miguel da Terra Firme - Santa Catarina. Retrata o contexto escravista e imigratório durante o século XVIII. Muitas são as discussões sobre a formação e configuração desses espaços. Encontrar o equilíbrio entre a desassociação e a instituição clássica, ou reproduzir, mesmo que minimamente, os padrões seguidos por esta, além de se tornarem descaracterizadas de uma instituição museológica é um grande desafio.



04 - Primitivism

05 -Magiciens de la Terre

06 - Máscara Cara Grande - Ypé, de etnia Tapirapé

Criação do Museu Quai Branly: O Museu foi aberto em junho de 2006, e a ideia da criação, em Paris, de um museu para abrigar e expor a chamada arte primitiva, partiu do então presidente da França Jacques Chirac, apaixonado por arte africana. Na época da criação/construção, diretores do Museu chegaram a ser acusados de comprar peças de origem ilegal, a preços milionários, inclusive estátuas nigerianas. Pairava no ar a suspeita que essa súbita visibilidade das artes primitivas teria como finalidade principal a valorização deste segmento do mercado de arte, o que de fato ocorreu. A maioria das peças expostas no Museu não foi criada como obra de arte e sim para servir a funções práticas e triviais do dia-a-dia (ex caça), ou funções transcendentais (ex. cultos religiosos).

Hoje o Branly conta com mais de 370 mil objetos, e é dedicado às civilizações e à arte da Oceania, Ásia, África e América, antigas civilizações não europeias. 


07 - Musée du Quai Branly - fachada

08 - Quai Branly - interior


09 - Artigos da Nigéria


Expressões artísticas no mundo - Primitivismo: No início do Século XX, alguns artistas modernistas do Fauvismo, Surrealismo, Cubismo exploravam as coleções etnográficas de museus de todo mundo em busca de inspiração,  que, de certa forma, não tinham questionamentos políticos e morais da época, como é destacado por GOLDSTEIN (2008). A arte moderna buscava referências da arte feita por povos e tribos primitivas. Por exemplo a semelhança entre os rostos angulosos, geométricos e coloridos das Demoiselles d’Avignon (1907) de Picasso e certas máscaras africanas. 



10 - Les Demoiselles d'Avignon - Picasso, 1907



11 - A dança, Paul Gauguin -1909


Os cientistas, os antropólogos na sua maioria, são contra a expressão arte primitiva. Pois no contexto intelectual seria a crença na existência de sociedades “primitivas”, no sentido de “menos evoluídas”, que foi muito pontuada no evolucionismo, na segunda metade do século XIX. No século XX, a noção de arte “primitiva” engloba manifestações tão distintas como: a arte “bruta”, a arte naïf ou popular, a arte pré-histórica e as artes indígenas, que são classificadas como artes “primitivas” devido ao seu processo de criação seguindo os impulsos humanos instintivos e “genuínos”, ou de sua forma inconsciente, pela qualificação marginalizada de seus produtores, seja em relação à “normalidade” psíquica (arte bruta), seja em relação à cultura erudita (arte naïf ou popular), seja em relação a um menor grau evolutivo (arte pré-histórica) ou à supremacia econômica e tecnológica da sociedade Ocidental (artes indígenas).



12 - Arte Bruta: O Normal é Psicótico - Jean Dubuffet, 1962

13 - Arte Bruta no Brasil: Obra de Arthur BispoFavela

14 - Arte naif ou popular: o sonho, Henry Rousseau - 1910

15 - Arte naif no Brasil: Heitor dos Prazeres, 1965


16 - Pinturas rupestres - Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Januária - MG

17 - Arte indígena: Apapaataí Atujuwá Ajou, Jatobá fêmea

Conclusão: Ao examinarmos as artes não-ocidentais, estamos diante de objetos que operam, simultaneamente, como testemunhos etnográficos de outras culturas aos olhos ocidentais, como manifestações estéticas com forte poder de comunicação, no seio das comunidades em que são produzidas, e como mercadorias com valor de troca, no mercado global. […]  Assim, a abordagem predominantemente estética que deu a tônica do projeto Branly, desde o início, continua a merecer debate. (GOLDSTEIN, 2008, p. 310)


Referências Bibliográficas:

AIDAR, Laura. Fouvismo, In.: Toda a Matéria, Artes. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/fauvismo/>. Acesso em : 3, jan de 2022


CONVERSANDO SOBRE NAIF, In.: Arte Naïf (2020) – Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em:: <https://youtu.be/DaMGT9QotRQ> Acesso em 03, jan de 2022.


DURAND, Jean-Yves. Este obscuro objecto do desejo etnográfico: o museu. in: Etnográfica, 2 (11). Revista do Centro de Estudos de Antropologia. Lisboa: CEAS / ISCTE. pp 373-385.


GOLDSTEIN, Ilana. Reflexões sobre a arte "primitiva": o caso do Musée Branly. Horiz.antropol. [online]. 2008, vol.14, n.29 [cited  2013-08-27], pp. 279-314.


HENRI ROUSSEAU, sua arte e sua história, In.: Arte e Blog, em 21 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.arteeblog.com/2016/05/henri-rousseau-sua-arte-e-sua-historia.html>. Acesso em 3, jan de 2022

LES DEMOISELLES D’AVIGNON, In.:  Wikipédia, a enciclopédia livre, 2012. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Les_demoiselles_d%27Avignon> Acesso em: 03, jan de 2022.


NETO, Aristóteles Barcelos. O despertar das máscaras grandes do Alto Xingu: Iconografia e transformação. In.: A Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 2010, v.2, n.2, jul.-dez., p.43-66. Disponível em: <http://paineira.usp.br/cema/images/ProducaoCEMA/AristotelesBarcelosNeto/O_despertar_das_mascaras_grandes_do_Alto.pdf> Acesso em 03, jan de 2022.


OLIVEIRA, Alecsandra Matias, Jean Dubuffet, In.:Das Artes 109 / Destaque 17/07/21

Disponível em : <https://dasartes.com.br/materias/jean-dubuffet/> Acesso em 03, jan de 2022.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. Os museus etnográficos brasileiros: “Polvo é povo, molusco também é gente”. In: O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.67-98.


TOMBADA PELO IPHAN, obra de Arthur Bispo do Rosário ganha mostra no Rio, com peça inédita - In.: Jornal O Globo, Cultura › Artes visuais. 24, set. 2019. Disponível em : <https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/tombada-pelo-iphan-obra-de-arthur-bispo-do-rosario-ganha-mostra-no-rio-com-peca-inedita-23968582>Acesso em: 03, jan de 2022.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Em dia com a museologia: podemos descolonizar os museus?

Essa pergunta, em outras palavras, já vem sendo feita desde a década de 1970. Desde a Mesa de Santiago. Entretanto, se perguntar é relativamente fácil, responder parece ser uma tarefa bem mais árdua. À qual não me furto. Por isso mesmo proponho disciplinas optativas como Museu, espaço e poder e Museu e cidade. Em alguns momentos parece que as respostas vêm de uma troca de sinal, de uma proposta muito repetitiva calcada na construção de identidade.  A fala de Javier Royer Rezzano, coordenador do Sistema Nacional de Museus do Uruguai, me parece que vai um pouco além:

“A colonização não vem apenas de fora, é feita também a partir de dentro, é como a divisão Norte/Sul, que não é só global, existe na nossa própria casa”, observa. “O museu tem de falar de todos e com todos – ricos e pobres, dominantes e dominados, elites e excluídos –, porque, quer queira quer não, é um espaço político.”

A matéria do Público [completa, aqui] lança uma visada crítica a partir de questionamentos como  "(...) esta mudança não se faz sem a consciência de que o museu é também um território de conflito, em que se vão cruzar visões díspares em resposta a perguntas fundamentais: O que é uma obra de arte? A que nos  referimos quando falamos de história nacional? Como se mostra o extermínio dos povos indígenas?

A resposta portando não deverá ser a de um museu ecumênico, neutro, no fundo impossível, mas de um museu que se posiciona e explicita seu posicionamento. Que diz de onde fala. Que não esconde os conflitos, e sim os assume como constitutivos da experiência social e da construção dos conhecimentos. Não um museu espelho, que sacia a demanda narcisista, mas um museu que promove a reflexão, que desloca o público, que interfere no cotidiano.

Julgo oportuna a inclusão inclusão do link para o texto completo da tese "Máscaras guardadas: musealização e descolonização" de Bruno Brulon Soares, de quem já conheço alguns trabalhos voltados para o contexto recente da museologia. Um estudo de caso, voltado para o cenário francês, mas que permite embasar reflexões interessantes. Transcrevo o resumo, abaixo:

 RESUMO:
 A tese tem o objetivo de investigar os processos de musealização na França, entre os museus dos Outros e os museus de Si, como classificados por especialistas da antropologia, refletindo sobre as especificidades e a historicidade dessas categorias a partir do estudo de museus etnográficos tradicionais e ecomuseus. A  pesquisa tem como objeto social de análise os enunciados das instituições e a construção de performances culturais nas diferentes matrizes de museus colocadas em  perspectiva pela teoria antropológica. Através de uma análise etnográfica e histórica  procura-se entender os processos de musealização atualmente no  Musée du quai Branly, considerando a vida museal dos objetos transformados em ‘obras de arte’ e os seus sentidos para os atores desse museu. Na análise do desenvolvimento dos ecomuseus na França, buscou-se, com o estudo do Ecomuseu da comunidade urbana do Creusot Montceau-les-Mines, esboçar uma reflexão sobre a musealização dos contextos através da valorização do ‘patrimônio íntimo’, ressignificado pelo grupo social local. À luz dos casos selecionados, interessa analisar os movimentos identitários da representação do Outro e a de si nos museus. É este permanente construir-se e ver-se através do Outro, que caracteriza a relação etnográfica que queremos entender para elucidar os processos  pelos quais os museus escolhem o que“guardar para transmitir”.
 

Palavras-chave:
Museu. Museu etnográfico. Ecomuseu. Processos de musealização