quarta-feira, 28 de junho de 2023

Museu dos Brinquedos: A história da representação de pessoas pretas a partir de bonecas industrializadas

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

METODOLOGIA DA PESQUISA HISTÓRICA EM MUSEUS

PROFESSOR: Luiz Henrique Assis Garcia

ALUNAS: Esther Pereira Inácio, Jéssica de Freitas Rabelo Amorim, Maria Beatriz de Moraes Silva, Maria Elisa Pereira Aguiar


A temática

É correto afirmar que, dentro do fazer histórico, o documento é um elemento importante para a compreensão acerca dos ideais, valores e comportamentos dos indivíduos pertencentes a uma sociedade. Neste sentido, é perceptível que os documentos históricos são elementos que “não focalizam os acontecimentos particulares por si sós, mas pelo que revelam sobre a cultura em que ocorreram” (BURKE, 1992). Com isso, o documento é capaz de revelar características sociais e culturais de uma sociedade, além de possibilitar a criação de narrativas que não possuem como foco somente o passado, como também a atualidade.

A partir disso, a temática escolhida utiliza como recorte um documento histórico presente no cotidiano de muitas pessoas, utilizado por diversas gerações: a boneca. Utilizando como recorte as bonecas industrializadas, a pesquisa realizada possui como objetivo analisar as relações entre as bonecas industrializadas e a representação de pessoas pretas por meio dessas bonecas. Desse modo, busca-se analisar, através de um recorte de raça, a relação entre essas bonecas, a representação de pessoas pretas por meio dessas bonecas ao decorrer da história e as narrativas que podem ser criadas através delas. Para isso, a instituição utilizada como base para a produção da pesquisa foi o Museu dos Brinquedos, localizado na Avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte.


A representação de pessoas pretas na indústria dentro da história do Brasil

Cechin e Da Silva (2012) explicam como, num contexto totalmente diferente, a boneca Barbie pode ser utilizada como um exemplo de documento ao passo que é a boneca mais famosa do mundo e possui características caucasianas e ‘descendência’ alemã. Ou seja, através dela, valores de supremacia são repassados para crianças desde a infância não só contribuindo com a manutenção de um status quo dominante mas também perpetuando-o e ensinando, além de incorporar objetos como roupas, acessórios, utensílios, artefatos de cultura para torná-la mais próxima de marcas da realidade e criar um molde de consumo não só em torno das bonecas, mas do que elas usavam e na difusão de tais marcas. Em outras palavras, a pressão midiática e de publicidade difundindo valores sociais conservadores. As imagens de feminilidade que a boneca Barbie demonstra e problematizam as narrativas e discursos reproduzidos através da mesma. Ademais, ela sustenta o argumento de universalidade feminina como se houvesse apenas uma referência e modelo específico. Elas explicam que “[a]rticular educação inclusiva e a diversidade no cotidiano escolar é um desafio, pois pressupõe a compreensão da alteridade. Para isso, é necessário desfazer as tramas da exclusão e abrir espaço para as múltiplas formas de ser sujeito dentro de uma cultura e um tempo histórico”. (CECHIN, DA SILVA, 2012, p. 624).

Os primeiros registros e objetos que se tem sobre a produção de bonecas pretas no Brasil com propósito explícito de representação de pessoas negras são as bonecas Abayomis, recriadas nos anos 80 pela artesã e socioeducadora Lena Martins, sendo uma reprodução das bonecas que eram feitas para crianças escravizadas em meio a diáspora negra no Brasil. Essas bonecas são feitas de pequenas tiras de pano que são amarradas para formar cabeça e membros de um corpo humano. As mães faziam bonecas com pedaços de suas roupas, sendo simples de fabricar e pequenas o suficiente para esconder dos escravagistas. A partir da análise realizadas sobre essas bonecas, é possível afirmar que, ainda que não fossem produtos industrializados, esses itens funcionavam como um instrumento de resistência para as comunidades africanas escravizadas. Dentro dessa perspectiva, as bonecas Abayomi revelam aspectos voltados a um recorte racial a respeito do documento histórico, mostrando que a boneca possui funções que não se limitam ao brincar.

Colocando essas bonecas dentro da perspectiva dos brinquedos industrializados do século XX, é possível citar como exemplo, a partir das imagens do Blog de Ana Caldatto, algumas bonecas dos anos 60 como a “ neguinha” da coleção Sapequinha da fábrica “ Estrela”. Dentro dessa conjuntura, deve ser considerada também a forma como os estereótipos são colocados na boneca, tanto fisicamente quanto em seus adornos e nome, fato que prova que mesmo com a comercialização das bonecas, a promoção e o reforço de clichês que contribuem para o racismo. Além disso, é possível citar as bonecas Susi negras, dos anos 70, com estilo mais fashionista e despojado. A partir dos anos 80, 90, há uma mescla na comercialização de bonecas pretas da Barbie e Susi transitando entre a moda praiana e referências a tendências de estilo da época. Hodiernamente, apesar da baixa produção de bonecas pretas, há uma maior variedade de estilos, como a boneca Nenequinha Clássica, lançada no início dos anos 2000, além do lançamento da Mattel de 2020 da boneca negra candidata a presidência.


Catálogo da Boneca Sapeca. Fonte: Arquivo pessoal de Ana Caldatto

Com o passar dos anos, a temática têm sido disseminada de forma ampla, ganhando espaço em variados contextos. Neste sentido, Oliveira e Amorim (2020) discorrem em seu artigo “Bonecas negras na formação de identidades positivas das crianças na educação infantil”, apresentado no VII CONEDU, em 2020, sobre como a introdução de outros formatos de boneca impactam positivamente no desenvolvimento e construção de um universo diverso e inclusivo. Dessa forma, é necessário reconhecer a potência de bonecas diversificadas e atividades lúdicas utilizando-as são importantes para sentimento de inclusão, acolhimento e representatividade de um grupo marginalizado por gênero, cor de pele e estrutura econômica, já que o Brasil vem de uma tradição escravocrata. Ao verificar a importância da brincadeira, foi percebido por Cechin e Da Silva (2012) como os dispositivos utilizados na brincadeira são importantes para o desenvolvimento de habilidades sociais como incentivo para as crianças refletirem e falarem sobre si mesmas. Dessa forma, a pesquisa aponta para a importância do empoderamento desse grupo social em vulnerabilidade há seculos devido ao passado escravagista do Brasil e fortalecimento de movimentos como o feminismo negro mediante narrativas e a existência de bonecas diversificadas.

Várias bonecas pretas. Fonte: Arquivo pessoal de Ana Caldatto


O Museu dos Brinquedos e a representatividade de pessoas pretas

Aberto em 2006, o Museu dos Brinquedos foi inaugurado com a missão de promover a preservação e a valorização da infância no Brasil. Com uma coleção particular de brinquedos, construída pela mineira Luiza Meyer, conhecida como Vovó Luiza, o museu possui como maior foco o público infantil, sendo um local aberto a muitas famílias. Além da possibilidade de visualização da exposição, o museu conta com ações educativas que propõem a interação com o lúdico e com o ato de brincar, sendo possível interagir com algumas peças do acervo. Dessa forma, o acervo do museu conta com mais de 5.000 brinquedos dentro de seu acervo, estando cerca de 800 expostos para a observação do público. Dentre os itens, há uma coleção de Barbies, idealizada e cedida ao museu pelos colecionadores Marcelo Ferraz e Marta Alencar. Dentro da coleção, é possível ver uma grande variedade de bonecas, nas quais é possível encontrar bonecas de diferentes etnias, raças, vestimentas, tipos de corpo e gêneros, sendo uma coleção que chama a atenção pela diversidade de modelos entre as bonecas.

Fotografias da coleção de Barbies no Museu dos Brinquedos. Fotografia: Maria Elisa Pereira Aguiar.




Considerações finais

A partir das pesquisas feitas em relação à fabricação de bonecas pretas, bem como seus impactos sociais na questão da representatividade direcionada ao público alvo, percebe-se primeiramente as mudanças tanto físicas quanto ao seu estereótipo no passar das décadas. Neste sentido, é possível utilizar como exemplo as imagens do blog de Ana Caldatto “ Coleção Bonecas Negras Black Dolls”, onde há mudanças consideráveis nas bonecas dos anos 60, tendo como exemplo a boneca “ Neguinha”, fabricada e comercializada pela empresa “ Estrela”. Além desse modelo, é possível citar as bonecas Susi com tons de pele mais variados nos anos 70, além de variações de bonecas no estilo “ bebê”, fabricadas nos anos 2000 e das barbies, também fabricadas no início do mesmo ano, com estilo praiano e fashionista. o que corrobora com a citação de Burke, sobre a conexão entre os documentos e acontecimentos históricos. Há também os impactos sociais quando se reflete a temática da representatividade para com as minorias, onde indivíduos negros, ao se enxergar nas bonecas, também se enxergam nos espaços sociais como pessoas. Além de firmarem suas identidades como seres pertencentes a sua cultura, outros também o enxergam como seres humanos, tendo outras percepções acerca das múltiplas raças presentes. Existem consequências positivas em relação ao feminismo negro, que se alinham na questão da visibilidade como uma arma para reconhecimento e inserção de seus corpos de forma humanizada ( sem a hipersexualização, como podemos ver no lançamento da mattel em relação a boca candidata, ) e conquistando espaços de poder. Por fim, o Museu dos Brinquedos também expõe bonecas pretas, não somente com o intuito de preservar objetos da infância, mas também de expor tais bonecas com a intenção de promover a diversidade e a percepção do outro no que tange a questões raciais.

Referências bibliográficas


BURKE, Peter (org.). A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa In: A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p.327-348.


PORTAL (Belo Horizonte). Museu: Museu dos Brinquedos. In: Museu dos Brinquedos . [S. l.]. Disponível em: http://portalbelohorizonte.com.br/o-que-fazer/arte-e-cultura/museu-dos-brinquedos. Acesso em: 20 jun. 2023.


PORTAL (Belo Horizonte). Museu: Museu dos Brinquedos. In: Museu dos Brinquedos . [S. l.]. Disponível em: http://portalbelohorizonte.com.br/eventos/encontro/infantil/ferias-no-museu-dos-brinquedos. Acesso em: 20 jun. 2023.


SILVA , Maria Clara. Mulher Negra Hoje. In: SILVA , Maria Clara. Preta Pretinha: A história por trás da primeira loja de bonecas negras no Brasil. [S. l.]: Mundo Negro, 24 jul. 2020. Disponível em: https://mundonegro.inf.br/preta-pretinha-a-historia-por-tras-da-primeira-loja-de-bonecas-negras-do-brasil/#:~:text=Bonecas%20sem%20estere%C3%B3tipo%20que%20representassem,Pretinha%20Bonecas%20surgiu%20em%202000. Acesso em: 20 jun. 2023.


REIS, A. OFICINA DE BONECAS ABAYOMI - RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ACADÊMICAS DA ÁREA DE SAÚDE. Revista Corixo de Extensão Universitária, Cuiabá, MT, v. 8, n. VIII, 2022. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/corixo/article/view/12193. Acesso em: 31/05/2023.

OLIVEIRA, Ednalva Rodrigues De. Bonecas negras na formação de identidades positivas das crianças na educação infantil. VII CONEDU - Conedu em Casa... Campina Grande: Realize Editora, 2021. Disponível em: https://mail.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/81372. Acesso em: 31/05/2023

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