terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Historiografia dentro das narrativas de documentário

 ECI/UFMG: Metodologia da pesquisa histórica em museus

Professor: Luiz Henrique Assis Garcia

Alunos: Álisson Valentim, Camila Guelfi, Clara Duarte Lara, Priscilla Tôrres e Rafaella Brandão

Historiografia dentro das narrativas de documentário

Introdução

Napolitano (2005), ao discorrer a respeito do uso das fontes históricas audiovisuais na historiografia, recomenda que o historiador não deve considerá-las como conexões diretas e objetivas com o passado, tampouco como absolutamente subjetivas por conta de seu caráter estético. As fontes audiovisuais e suas técnicas de produção não devem ser vistas como neutras. O historiador deve, sobretudo, buscar uma associação entre a linguagem (os processos de filmagem, edição, etc.) e o conteúdo (a narrativa propriamente dita) de suas fontes audiovisuais. A pesquisa histórica deve portanto, enquanto mantém os seus rigores sistemáticos e metodológicos, levar em consideração a decodificação da linguagem e o conteúdo das fontes audiovisuais.     

A ânsia de se apropriar dessas fontes multisensoriais como se fossem portais de viagem no tempo, de acordo com Rodrigues (2016), é historicamente intensificada quando se trata do cinema documentário. O uso da técnica de entrevistas, por exemplo, amplificado no Brasil nos anos 60, desencadeou uma noção de “voz da experiência”. Isso é perigoso não apenas porque toda forma de representação do passado tem um grau de subjetividade, mas também porque não existe um passado que seja “a verdade absoluta”. A seguir, faz-se uma análise breve de duas dessas fontes audiovisuais, cujos conteúdos abordados circulam a experiência de urbanização e de habitação de comunidades marginalizadas de Belo Horizonte, MG. 


Memórias do Aglomerado 2


    

O documentário aborda a  relação dos moradores de BH com as estruturas urbanas, partindo do ponto de vista das pessoas, a partir do seguinte questionamento: como a narrativa apresenta-se no audiovisual? O documento é um conjunto de relatos orais, fonte primária. Embora Tucídides mencione a instabilidade do relato oral, é necessário trazer a representatividade das vivências das pessoas que estão à margem social, que Peter Burke nomeia como história vista de baixo. Burke (1992, p. 198), sobre história oral, conclui que, em sua metodologia, o historiador deve prezar pela continuidade histórica a partir das narrativas que lhe são apresentadas e menciona que a riqueza de detalhes é presente na história oral a partir das reminiscências pessoais em análise antropológica (BURKE, 1992, p. 192, 193).

O documentário em questão é um registro do passado no presente em determinado contexto social (2005: Programa de urbanização de favelas de Belo Horizonte, com deslinde previsto até 2015, retirando moradores de duas das cinco vilas do Aglomerado Santa Lúcia para construir um parque).

Uma questão se impõe: quem está interessado no registro da história das pessoas removidas das vilas São Bento e Esperança? Há riqueza cultural nessas vilas. As pessoas “de fora” do aglomerado não sabem disso. O documentário é um registro dessa riqueza pela própria voz dos moradores. Evidencia-se a importância do registro oral pelos próprios moradores, pois as elites não estão interessadas nisso.


Favela em Diáspora




O documentário de curta-metragem, Favela em Diáspora, produzido em 2017, expõe o processo de retirada compulsória das famílias residentes no Morro do Papagaio. Produzido pela Renca Produções e Interações Culturais, o curta-documental narra a insatisfação dos moradores vítimas da expropriação, mostrando a importância desses territórios para sua vida e história. Além disso, reclamam da forma hierárquica e autoritária que esse processo foi feito, alegando que a prefeitura de Belo Horizonte pouco se importou para as reais vontades e necessidades dos sujeitos que ali viviam.

Portanto, ao criar um espaço para que esses sujeitos invisibilizados pelo estado possam expressar suas opiniões e denunciar sua migração compulsória, a fonte em questão preserva sua memória e escreve uma história outra daquela que negligencia as populações das favelas. Para isso, a autora e diretora do curta-documental, Gabriela Matos, intercala relatos dos moradores e imagens dos locais de que foram retirados, produzindo um impacto ao espectador quando as palavras de carinhos dos antigos residentes contrastam com os escombros de suas antigas casas. Tudo isso, em uma imagem em preto e branco com o argumento de que quando se tira as cores de uma imagem torna-se possível perceber outros detalhes.


Referências

BURKE, Peter (org.).  A escrita da história: novas perspectivas.  São Paulo: Unesp, 1992, p. 42 e segs.

MEMÓRIAS DO AGLOMERADO 2. Direção: Mariana Castelo Branco. Produção MUQUIFU. Local: Belo Horizonte/MG. Distribuidora: Canal Kelly Amaral de Freitas, 18 fev. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dfY71rw0uzk>. Acesso em: 26 jun. 2021.

NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In: Fontes históricas [S.l: s.n.], 2005. 

RODRIGUES, Flávia Lima. Uma breve história sobre o cinema documentário brasileiro. CES Revista, [S.l.], v. 24, n. 1, p. 61-73, abr. 2016.

FAVELA EM DIÁSPORA. Direção de Gabriela Matos. Belo Horizonte: Renca Produções e Interações Culturais, 2018. (22 min) Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=rP7P72I5Dkg>. Acesso em: 04  Ago. 2021.

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