quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Das chamas um farol

Procuro fazer nessa postagem a melhor compilação possível de material para que não se perca a memória sobre o impacto do incêndio, mas também pensei numa forma de promover a reflexão e a valorização do conhecimento já produzido sobre a instituição museológica Museu Nacional, sua história e seus diferentes acervos. Sendo assim peço aos leitores que espalhem o máximo possível essa postagem e o convite para que quem desejar contribuir deixe nos comentários textos críticos e rememorações que estão circulando no calor do momento, mas também as referências que conhecer de pesquisas [monografias, dissertações, teses, livros, artigos em periódicos] que abordem os temas marcados. Façamos o maior esforço coletivo possível para reunir aqui esse material, que me comprometo depois a incorporá-las à postagem para sua melhor difusão. Todos serão mantidos da forma que me chegarem e expressaram, obviamente, a perspectiva de seus autores. 


Para dar o pontapé inicial escolhi a excelente entrevista concedida por Eduardo Viveiros de Castro, um dos nosso mais conceituados antropólogos, autor de vários livros e do conceito de perspectivismo ameríndio [teoria a partir da visão ameríndia do mundo], e professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicada pelo Público, de Portugal. 


Um destaque, só como aperitivo:
"Certamente as pessoas que estão passando fome e estão desempregadas não diriam que a cultura é a coisa mais importante mas a ideia de que o povo despreza a cultura não é verdadeira. Quem despreza a cultura é a burguesia, o agro-negócio, os deputados ruralistas, os que estão interessados em devastar o país para produzir soja para vender para a China."


Também insiro o relato tocante de Aparecida Vilaça, também antropóloga e professora do mesmo programa, publicado pelo jornal Nexo. [como o site não permite cortar e colar, recomendo abrir e fazer a leitura]

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2018/Um-museu-em-chamas-visto-por-uma-de-suas-antrop%C3%B3logas

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Recolhi ainda alguns textos de pessoas que me são próximas e por quem nutro admiração e respeito intelectual. Agradeço a elas imensamente a contribuição a este esforço.

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Por Regina Helena Alves da Silva, historiadora e professora do Depto. de História e das Pós-Graduações em História e Comunicação da UFMG.

Pronto, a questão dos acervos, museus, espaços de ciência pelos quais tanto lutamos ganhou relevância no país e no mundo. A custa do que? de que? das nossas almas...
Hoje fiquei vendo as repercussões do incêndio que destruiu o Museu Nacional.... tem muito tempo que muita gente diz do perigo disso acontecer.... acontecer onde aconteceu e acontecer em centenas de outros lugares pelo país.
Uma comoção nacional ver as imagens do fogo, de repente muita gente entendeu que o Museu existia, o que era ele.
Mas ai comecei a ver a partidarização imbecil que nos domina discutir de quem é a culpa do incêndio. Vou resolver essa parte de uma vez: é nossa.
Vi coxas acusando o PT, vi bolsominions perguntando pra que museu e dizendo que tudo é culpa do PT, vi petistas dizendo que tudo é culpa dos tucanos, do golpe e claro... do PSOL...
Enfim, em um momento tão doloroso pra todxs nós que passamos a vida com a História, o patrimônio cultural, a memória, a ciência e a produção do conhecimento, ficamos a mercê da imbecilidade que domina o país com as explicações medíocres e toscas dos últimos tempos.
Sim todos temos culpas nessa área, todos nós.
A "terceirização" dessa área começou com 
a Lei Rouanet em 1991 no governo Collor, que vingou nos governos FHC. Desde então tudo é Lei Rouanet, acabou a gestão publica da cultura no país e tudo virou Lei Rouanet. 
Hoje o sinistro da Cultura deu uma coletiva dizendo que a Lei Rouanet estava disponível e perguntou porque a UFRJ não a usou....
Nós que ja fomos gestorxs de espaços culturais sabemos muito bem o que virou a politica cultural no país... virou uma política de editais, uma política onde lugares da importância do Museu Nacional tem que fazer projetos pra concorrer com shows, eventos, viagens, festivais, e sei la mais o que.
Professores da universidade assumem esses lugares e descobrem o mundo da infinita falta.
Todos absurdados porque não tinha "um moderno sistema de combate ao incêndio", alguém ai sabe quanto custa isso? quanto custa o projeto pra fazer o sistema? sabem quanto custa um seguro pra um lugar desses? claro que não.... mas vai você gastar com alguma desses coisas pra ver.... caem todos de pau dizendo que esta jogando dinheiro publico na lata do lixo.... e ainda riem....
Passei por tudo isso por 4 longos anos... e como me recusava a transformar um espaço da universidade em galeria de exposição paguei um preço alto por minhas escolhas para impedir que o prédio que administrei não pegasse fogo.... eu e muita gente passamos por isso.
Vimos os espaços públicos de cultura, de acervos, de pesquisa serem reduzidos a lugares de luta cotidiana para manutenção do que é de todos nós.
Vi um monte de gente dizendo: privatiza.... Não dá nem pra responder quem tem uma saída dessas pra esses lugares como o Museu Nacional... privatizar um lugar desses é solução dada por quem não sabe nada de nada e não consegue sequer entender a importância da Historia de onde habita.
O Museu queimou, foi a crônica de um desastre anunciado. Agora todos querem achar culpados, já disse, somos todos nós. Os tucanos que acham que tudo tem que ser privatizado e não sabem administrar a coisa pública. Os petistas que transformaram tudo em política de editais. O desgoverno golpista porque é constituído de canalhas que agora vêm a público dizer que "iam" fazer alguma coisa, mas não deu tempo.
Pra completar, em nome da tosquera que é esse desgoverno golpista, votaram uma PEC que diz conter gastos públicos.... só rindo de tamanha imbecilidade. Quem quer governar deveria no mínimo saber como faze-lo e não dizer que é melhor ferrar tudo porque não sabem como administrar seus gastos.
Fiquei ontem aqui sentada no sofá da minha casa, com meus filhos do lado, chorando..... eles não entendiam porque e olhavam as chamas na televisão tentando saber porque a mãe deles chorava. Consegui dizer que era porque estava queimando tudo aquilo pelo qual vivi minha vida inteira e que agora eu não poderia mais leva-los pra conhecer Luzia, pra ouvir cantos indígenas que não existem mais, pra conhecer um acervo africano que não existe em outro lugar do mundo.
Mas, principalmente, disse a eles que essas coisas estavam naquele lugar pra nos lembrar sempre que não podemos congelar a vida de quem nos constituiu, que Luzia era nosso começo e que, nossos índios, os africanos eram a memória do que o Estado português e brasileiro foi e é com seu povo e com os outros povos que subjugou e dominou. Disse a eles que lugares como o Museu Nacional são importantes porque guardam tudo que vamos nos tornando como povo, absolutamente tudo que fizemos. E que isso é importante principalmente para não apagarmos a memória do que já destruímos e de tudo que criamos e inventamos.
Disse a eles que muitos desses lugares guardam a história de quem nos dominou mas que isso era importante porque assim saberíamos sempre como eles foram e como eles guardaram nossas historias derrotadas ou não.
Mas principalmente disse a eles que eu chorava porque nunca mais poderia ir la com eles pra que eles entendessem o tamanho do que fomos e somos e que isso é fundamental pra que eles continuem......
Enfim, textão de novo porque a tristeza é tão profunda que não sei o que fazer

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Por Rita Lages Rodrigues, historiadora e professora da Escola de Belas Artes da UFMG.

Tive a infelicidade de entrar no Museu do Amanhã em julho deste ano. Meu filho desejava ir ao Museu. Ao ver o fogo no Mseu Nacional pela tv, pensava: por que não o levei ao Museu Nacional? Arrependimento. Entre aparatos tecnológicos de pobreza conceitual, fiquei estarrecida com o museu sem acervo e com a pseudo interatividade de seu aparato tecnológico. Mesmo na sala de inteligência artificial, a decepção foi imensa. Faltava inteligência. Pra que um gasto tão grande para um museu cujas informações poderiam estar na internet e cuja fruição se daria praticamente da mesma forma? Fiquei olhando para logos de banco e Fundação Roberto Marinho e pensando nas distorções da distribuição de verba para a cultura. Na excrescência da tal Lei Rouanet. Espaços sem acervo, que não produzem pesquisa são espetacularizados para a venda, sem produzir nada além desse espetáculo vazio. Nós pagamos, os espaços recebem uma frequência de público alta em função da propaganda massiva de redes de televisão e bancos e justificam assim, em números, a sua "relevância". No caso das mega exposições do CCBB, outro espaço merecedor de crítica, é necessário também pensar no dinheiro público gasto para trazer acervos de fora, em projetos curatoriais sofríveis como o da exposição do Basquiat.
Tá, o prédio do Museu do Amanhã é um bom lugar pra selfies. É o único elogio que consigo fazer. Mas é um elefante branco pra população brasileira.

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Por Makely Ka, cantautor, poeta, produtor e ativista cultural, atuante na contra-indústria da cultura. 

Estive no Museu Nacional em 2004 e planejava voltar com meus filhos, cada vez mais interessados em história, paleontologia e cultura indígena. Mas para além de todo o acervo eu tinha interesse em um item muito específico. Pesquiso há alguns anos a história do antigo reino do Daomé - hoje República do Benim - para um trabalho que venho desenvolvendo sobre o personagem Francisco Félix de Souza, o Chachá.
Consta na historiografia que esse brasileiro conhecido como um dos maiores traficantes de escravos da época chegou à costa africana no final do século 18 e trabalhou na recuperação da Fortaleza de São João Batista de Ajudá, localizada na cidade de Uidá. Preso e torturado na capital histórica Abomé, ele teria conseguido escapar com a ajuda do príncipe Gakpé. Com apoio de Portugal o brasileiro ajudou o príncipe a derrubar o rei Adandozan (seu irmão paterno, conhecido pela crueldade com que governava) e assumir o trono do Daomé como o rei Ghezo. O monarca deposto foi preso e sua história apagada da linha sucessória real. Seu trono, peça exclusiva de cada governante esculpida em madeira com riqueza de detalhes simbolizando a ligação material do humano com o sagrado, precisava desaparecer, embora aparentemente não pudesse ser destruído por questões religiosas.
A peça não consta do acervo no Museu Histórico de Abomé. Há indícios de que o trono teria vindo para o Brasil em 1811 junto de outros objetos. Mas Adandozan foi deposto somente em 1818. Pouco provável que durante seu reinado o monarca tenha enviado o próprio trono para um país estrangeiro. A outra hipótese é que o trono teria chegado ao Brasil em 1822, quatro anos depois da queda do rei, como presente a Dom Pedro I pela declaração da independência. Segundo Pierre Verger muito provavelmente a mobília esculpida em uma só peça que ardeu no incêndio do museu tratava-se do trono real de Adandozan - enviado por Gakpé como retaliação por seu irmão ter vendido a rainha Ná Agontimé, sua mãe, como escrava.
Mulher do rei Agongló, após a morte do marido a rainha teria sido enviada ao Brasil como cativa e vivido no Maranhão, onde foi reconhecida sua linhagem real. Rebatizada como Maria Jesuína, os historiadores contam que ela comprou a própria alforria e a de seus súditos fundando a Casa das Minas, importante centro cultural e religioso onde ainda hoje se cultua os voduns, entidades da antiga religião daomeana e origem do tambor de crioula.
Outro detalhe interessante é que no Museu Histórico de Abomé os tronos da dinastia real não são mais os originais, queimados no ataque à cidade promovido pelo rei Behanzin em 1892. Portanto a peça que virou carvão no Museu Nacional do Rio de Janeiro era provavelmente o mais antigo e talvez o único trono original da dinastia dos reis daomeanos. Agora não dá mais para saber.
Cada um dos milhões de objetos que estavam ali carregava uma história, estava repleto de significado e simbologia, ligava um ponto da longa trajetória da nossa civilização e do nosso planeta ao presente em que vivemos. Tenho a impressão que vamos levar ainda muito tempo para entender a dimensão e as consequências do que aconteceu.
A revista científica Nature comparou o ocorrido com o incêndio da Biblioteca de Alexandria, uma catástrofe que destruiu o acervo de toda a antiguidade, o conhecimento de vários povos, línguas e culturas já extintas. Meu filho disse em tom de brincadeira que catástrofe maior do que essa para a ciência só o meteoro no Golfo do México, que extinguiu há milhões de anos a maior coleção paleontológica que já existiu. Mas a verdade é que os moleques ficaram bem tristes. E eu fiquei envergonhado, por fazer parte da geração que não vai deixar esse legado para eles.


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domingo, 2 de setembro de 2018

À luz de um museu em chamas

Assisti recentemente a Mãe! de Darren Aronofsky, diretor de quem admiro vários filmes, como Pi, Réquiem para um sonho, Fonte da Vida e Cisne Negro. Deixei passar um longo depois de algumas resenhas, não muito conclusivas. Gosto do seu cinema porque é cinema em que a imagem está a serviço de uma Visão, ou seja, de uma ideia que é preciso traduzir no que se vê. É dos raríssimos que consegue fazer isso em Hollywood. E por isso ganha de um lado, perde de outro. 
O filme tem, num de seus planos narrativos, a história de uma casa que pega fogo, é restaurada num esforço de trabalho, e é novamente incendiada num ato extremo induzido por uma humanidade em frisson barbárico. A história que conta é uma parábola, ou talvez seja a compilação da bíblia do gênese ao juízo final, ou ainda uma grande alegoria da sociedade contemporânea. Como em muito de seus filmes ele faz um pêndulo entre um plano de narrativa épico e outro corriqueiro. Problemas mundanos do relacionamento de um casal vivendo numa casa de campo são a metonímia da humanidade em crise incapaz de criar e manter a criação, incapaz de manter sua casa - a Terra - em ordem, ou num plano maior, a encenação do drama judaico-cristão em seus impasses entre sagrado e profano, criador e criaturas. Sua versão concentrada da história da civilização predatória que geramos é uma ambígua mescla de eterno retorno com profecia apocalíptica.
Agora fico sabendo dessa verdadeira desgraça de incêndio completo do bicentenário Museu Nacional, no Rio [matéria de El País] [depoimento de aluna da UFRJ]. Um museu arde em chamas, e nas sombras da noite clamam as vozes dos outros, dos idos, mas andamos cegos e surdos, andamos embebidos em gasolina, em óleo e ódio libidinosos incendiando o futuro do pretérito. É uma verdadeira alegoria do momento do país, lamentavelmente. Tudo pega fogo e desaba, por decisões que são resultado direto de uma visão rapace sobre o Estado, desvios monstruosos de recursos públicos, manutenção de privilégios absurdos em todos os poderes, e não apenas em esfera federal, intermináveis isenções fiscais a todo tipo de empresa que devasta nossa terra, e tudo isso adornado por debates estéreis e um sistema político decrépito, ainda por cima contestado por uma horda de fascistas, interesseiros e incompetentes que pretendem simplesmente aprofundar toda essa ruptura que segue seu curso há vários anos. 
Logo virão as desculpas dos responsáveis, o jogo de empurra das responsabilidades e a imputação à fatalidade, ao acaso ou forças desconhecidas da 'natureza'. Pesquisei um bocado e certamente se pode dizer que em qq desastre natural há um componente social - ainda que este incêndio, após investigações , não se mostre criminoso. Mais leituras para agregar informações e perspectivas:

Terra:Museu Nacional: fiação exposta, gambás e cupins entre os alertas ignorados que anunciavam tragédia


BBC: Museu Nacional: cientista arromba porta de prédio em chamas para recuperar peças 'insubstituíveis'

EBC: Gasto da União no Museu Nacional caiu mais de dez vezes desde 2011


BBC: Em 2017, mais brasileiros foram ao Louvre, em Paris, do que ao Museu Nacional


Folha/UOL: Nossa elite só se interessa por museu na Europa, diz pesquisador da UFRJ

"Em 2017, o orçamento executado do MinC foi de cerca de R$ 552 milhões". Pouco mais do que a receita de um grande clube da série A, por exemplo. Entendeu o tamanho do buraco? "Historicamente, a parte que cabe à Cultura é de uns 0,07% ou 0,08% do orçamento da União". Entendeu? Os invariáveis defensores do estado mínimo, acham que vai acontecer o que com "tudo isso"? Enquanto isso evidente suspeição paira sobre a saída o presidente do IBRAM na sexta anterior [comunicado Minc], o que no mínimo revela muito do estado de penúria e visão equivocada da Falta de política de cultura nesse país. Já passou muito da hora de colocar certos pingos nos is. E nesse sentido, gostaria de acrescentar, além do que já disse à Rádio UFMG, o que escrevi comentando as recorrentes argumentações que pretendem jogar todo o peso do incêndio do MN no colo do Golpe - ainda que os cortes recentes sejam mesmo gritantes. O fato de reconhecer ganhos não é incompatível com fazer críticas responsáveis cuja finalidade, a meu ver, não é desmoralizar nem desconsiderar o que foi feito em períodos anteriores. Acho equivocado e esquivo esse recurso de um "álibi" propiciado por candidaturas mil vezes piores para se justificar que não se faça críticas ao PT. Que democracia almejamos? Que tipo de intelectuais somos se nos furtamos a discutir, com propriedade de causa, as políticas públicas, seus acertos e erros? Correr disto é nivelar por baixo, ainda mais porque são críticas sérias. Discutir orçamento não se reduz a constatar um aumento ou diminuição do montante total. Temos que ir muito mais a fundo. Nem todos esse milhões, afinal, poderiam repor o que foi perdido no MN domingo, só pra dar um exemplo. Se não tivermos a capacidade de compreender os erros em toda sua extensão, estaremos queimando o museu uma segunda vez, porque diante dessa perda temos a obrigação de evitar - ou fazer tudo ao nosso alcance, pelo menos - que outras aconteçam. Para o entendimento das questões de administração pública, universitária, políticas de cultura, funcionamento de Lei Rouanet e as decisões sobre o que financiar, complemento com as pontuações dos professores Carlos Fico e Wilson Gomes, a matéria do Lupa (uol), da BBC, El País e Uol, esta última com oportunas considerações sobre o Museu do Amanhã. 

Nem o incêndio do Museu da Língua Portuguesa (de consequências bem menos dramáticas , aliás) serviu de aviso. Nem as intempéries anteriores do próprio museu [matéria da Folha SP].  Vale ver a matéria da RecordAcho que nunca na vida escutei a palavra 'museu' ser dita tantas vezes, em tantos lugares. De uma forma difusa, e pouco informada, as pessoas tateiam o assunto mas se mostram, via de regra, sensíveis à perda e com um pouco mais de disposição para saber do que não conhecem. Disse à reportagem do Hoje em dia que diante desta perda irreparável "a sociedade agora deve refletir sobre o quanto o cuidado com o patrimônio é um tema central nas agendas políticas dos próximos anos”. É assim que devemos interpelar o público enquanto o calor de chamas tão terríveis não se dissipa, pois só assim podemos ter algum desdobramento consequente após essa desgraça. Antes que eu me arrependa, mesmo que no calor dessa hora, na consternação do luto, é preciso dizer o seguinte: não é o primeiro nem último museu do mundo que pega fogo. Há cidades inteiras que foram abaixo, destruídas por guerras, bombas atômicas, vulcões, tsunamis. Patrimônio e vidas incalculáveis se perderam. Não há retorno. Não se trata de atenuar nada. Isso não é possível. Não se trata de desculpar quem ou que quer que seja. Quem sejam apuradas as devidas responsabilidades, mas com muita atenção para evitar os bodes expiatórios. Se trata de tirar o sentido político profundo do âmago dessa catástrofe anunciada. 




Podemos diante dela ficarmos emparedados no imobilismo, mas podemos também tomar decisões sérias e consequentes. Temos que olhar mesmo bem dentro do crânio das órbitas cheias de cinzas [vídeo mostrando o interior destruído], e além [vídeo com visita pelo interior antes da destruição] [vídeo doc 200 anos do MN]. Olhar para o passado não para sucumbir ao pesar, mas para fazer o necessário trabalho de luto sem desistirmos da luta [cinejornal de 1956, do Arquivo Nacional]. Temos que parar tudo e reconstruir, com o que temos, o que sabemos, e é preciso, para início da conversa, um grande esforço coletivo porque não há São Sebastião que resolva isso.


Não adianta chorar o leite derramado. Há uma opção pela barbárie, e é isso que temos de combater. Há, nesse exato momento, um incontável acervo, um sem número de museus, e outras instituições que são responsáveis pelo patrimônio cultural e científico brasileiros, à beira da morte, de várias formas, não só por incineração, mas por afogamento, estrangulamento, asfixia. Estão muitas delas a uma distância relativamente pequena de onde vivemos, estudamos, trabalhamos. Está na hora de fazer alguma coisa séria a respeito. Vamos chorar essa perda mas vamos reagir. É precisa uma movimentação nacional. É preciso agendar conversas com todos os candidatos progressistas e cobrar uma agenda concreta. É preciso fazer um diagnóstico imediato dos casos mais dramáticos.

Só nos resta, com gosto amargo na boca, fazer dessas chamas um farol.