UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
CURSO: Museologia
DEPARTAMENTO: Teoria e Gestão da Informação
DISCIPLINA: Metodologia da pesquisa histórica em museus [6°p. museologia]
PROFESSOR: Luiz Henrique Assis Garcia
ALUNOS: André Luiz Lara Lima
Daniel Xavier Henriques
Igor Cândido Costa
Luana do Carmo Pirajá Ferraz Santos
Maria de Lourdes Oliveira e Silva
Soraia Oliveira de Vasconcelos Botelho
O III Congresso Mineiro de Psiquiatria é
considerado um momento importante para a Reforma Psiquiátrica em Minas Gerais e
a vocalização de uma “mobilização iniciada no final dos anos 60 pelos psiquiatras
da ‘turma do [hospital] Galba’” (GOULART, 2015). Ocorrido entre os dias 15 e 21
de novembro de 1979 na Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), em Belo
Horizonte, sob a organização do Centro de Estudos Galba Velloso e a coordenação
do médico psiquiatra Cézar Rodrigues Campos, esse foi um evento que, segundo
Silva & Goulart (2011), promoveu um “conjunto de iniciativas, ações e
produtos que foram, se não determinantes, no mínimo, imprescindíveis para a
consolidação de uma produção crítica em relação às instituições psiquiátricas à
Reforma”.
Diferentemente, dos encontros anteriores, de
1970 e 1971, que já apresentavam um clima de crítica contra a degradante situação
da assistência psiquiátrica no Estado, o III Congresso apresentou um potencial
instituinte na política de saúde mental mineira e brasileira. Para além de apresentar
o problema do ponto de vista técnico (médico), o congresso aproveitou o
processo de abertura política e o fim da censura à imprensa, para dar enfoque
político-social nas propostas de um novo modelo asilar e também poder contar
com a participação de jornalistas e sindicatos que pudessem se mobilizar junto
aos profissionais de saúde para a construção de respostas incisivas para a
Reforma Psiquiátrica (SILVA & GOULART, 2011).
Assim, o III Congresso Mineiro de Psiquiatria,
que foi uma grande produção política em prol da ruptura do ciclo vicioso e
desumano do tratamento psiquiátrico vigente, reuniu um número expressivo de
participantes. Foram mais de 600 pessoas, entre médicos, psiquiatras,
psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e estudantes, além de familiares
dos internos e a imprensa, reunidas em torno dos seguintes temas: “Assistência
Psiquiátrica em Minas Gerais”, “Condições de Trabalho dos Profissionais em
Saúde Mental”, “Espaço da Psiquiatria” e “Alternativas de Trabalho em Saúde
mental”.
Mantendo essa perspectiva de descontinuidade
da lógica manicomial, o congresso apresentou ainda dois outros momentos que
marcariam positivamente o cenário nacional de desinstitucionalização da loucura.
O lançamento do curta-metragem “Em nome da razão”, de Helvécio Ratton, e a
participação de Franco Basaglia, precursor do movimento de reforma psiquiátrica
italiano, e de Robert Castel, sociólogo francês. Segundo Silva & Goulart
(2011), o documentário e a vinda desses dois nomes internacionais foi planejada
“por grupos que já se mobilizavam com a causa manicomial, sendo uma importante
jogada política na época”, causando desconforto em muitos dirigentes públicos,
como o então Secretário Adjunto da Saúde, José Expedito Janotti, que “declarou
que a mídia visual (televisiva) estaria impedida de entrar nos hospitais
psiquiátricos”. Esse embate com a Secretaria de Saúde acabou criando maior
expectativa nos participantes do III Congresso, que cobraram soluções dos
órgãos públicos. No entanto, estes mantiveram uma atitude defensiva, criando
uma atmosfera de tensão em um evento que se configurava cada vez mais político.
O III Congresso Mineiro de Psiquiatria, após
sete dias de manifestações, terminou com as autoridades governamentais fazendo promessas
para mudar os rumos da assistência psiquiátrica e com os congressistas ratificando
“o seu repúdio à política de saúde mental, pública e privada, existente em todo
o país” (SILVA & GOULART, 2011). Ainda segundo esses autores, um documento
foi produzido e encaminhado ao Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS), no qual estava acordado: a criação de alternativas
terapêuticas com a participação dos sindicatos e demais representantes da
classe; o fortalecimento do movimento nacional de trabalhadores de saúde
mental; a formulação de novas políticas de assistência psiquiátrica; e a
repulsa à mercantilização e privatização da medicina. Ainda foi decidido pelo “compromisso
permanente pela humanização da psiquiatria, a partir da extinção dos hospitais
e sua substituição pelo tratamento ambulatorial” (SILVA & GOULART, 2011).
Deliberações essas que marcaram a luta antimanicomial na década de 1980 e
trouxeram importantes conquistas, como o “Plano de Reorientação da Assistência
Psiquiátrica”, de 1982, elaborado pelo Conselho Consultivo da Administração de
Saúde Previdenciária (CONASP) e implementado pelo INAMPS.
Documentário:
[D02P02] 35 Anos de Basaglia no
Brasil: Memórias do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, 1979
A Reforma Psiquiátrica
A Reforma Psiquiátrica foi um movimento que
tomou forma em meados da década de 1970 e se baseou, principalmente, no
“questionamento incisivo das políticas públicas de saúde mental e do modelo
assistencial centrado nos hospitais psiquiátricos e em estratégias de exclusão”
(GOULART & DURÕES, 2010). Em um período que, tanto no cenário brasileiro
como mundial, cresciam as críticas às redes assistenciais que previam
internações autoritárias e arbitrárias e a total reclusão do doente mental, a
Reforma Psiquiátrica no Brasil, segundo Goulart & Durões (2010), ganhou
força com a Reforma Sanitária e a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS),
configurando-se em um “conjunto de iniciativas de cunho político, social,
legislativo e cultural” que visavam à desconstrução dos espaços asilares e a efetivação
de modelos alternativos de tratamento.
As críticas ao modelo assistencial tradicional
vigente explodiram em Minas Gerais e no Brasil. E os horrores do tratamento
desumanizado sofrido pelos internos nos hospitais psiquiátricos ganharam
repercussão na mídia, criando-se “as condições de mobilização necessárias para
o sucesso de duas outras iniciativas mineiras: o III Congresso Mineiro de
Psiquiatria e o documentário Em nome da
razão, de Helvécio Ratton” (GOULART, 2015). Mas o protagonismo de Minas
Gerais para a Reforma Psiquiátrica foi além desses eventos. Dentro do Instituto
Raul Soares (IRS), primeiro hospital psiquiátrico público de Belo Horizonte,
“ocorreram importantes debates, embates e iniciativas que informam sobre os
rumos e as contradições do processo de construção da política de saúde mental
brasileira” (GOULART & DURÕES, 2010). Conforme esses autores, o processo
mineiro de reforma culminou em uma nova legislação, em 1989, a Lei Paulo
Delgado, que só foi possível devido ao contexto histórico-político vivido pelo
país de declínio da ditadura militar.
No entanto, apesar das conquistas
legislativas, o processo de desinstitucionalização sempre foi complexo. Até o
ano de 2001 vigorou no Brasil o Decreto nº 24.559, de 1934, que dava respaldo a
uma rede assistencial que se apoiava “no uso indiscriminado de psicofármacos e
no isolamento dos doentes mentais, sem projeto clínico ou terapêutico real”
(GOULART, 2015). E afirmando Goulart & Durões (2010), a Reforma Psiquiatra
sempre marcada por descontinuidades e retrocessos. Deste a década de 1990
esteve em tramitação no Congresso um Projeto de reforma do sistema
psiquiátrico, a Lei nº 10.216, que teve como base a Lei Paulo Delgado e somente
foi aprovado em 2001. Essa lei substituiu o Decreto anterior e tinha como
intento desmantelar o aparato asilar baseado em internações involuntárias
(PINTO & FERREIRA, 2010).
Cezar Rodrigues Campos e a Turma do
Galba
Cézar Rodrigues Campos (1940-1999, São
Sebastião do Paraíso, Minas Gerais) foi um médico e psiquiatra, considerado um
militante na luta antimanicomial (SILVA
et al., 2011). Ele foi uma importante figura no processo de
Reforma Psiquiátrica Mineira com um percurso profissional que “permite
vislumbrar toda uma lógica perversa de funcionamento institucional e as
tentativas de sua superação ou promoção de mudanças na política de saúde mental
mineira” (SILVA &
GOULART, 2011). Campos fez parte da “turma do Galba”, como ficou conhecido o grupo de
médicos psiquiatras residentes do Hospital Galba Velloso (HGV) e integrantes do
núcleo de pesquisas sobre psicotrópicos de referência, criado na década de 1960.
Esses profissionais foram militantes na Reforma Psiquiátrica Mineira, e, como
integrante, Campos pode criar, em 1970, a Associação Mineira de Psiquiatria
(AMP), oriunda do antigo Departamento de Psiquiatria da Associação Médica de
Minas Gerais, bem como organizar na década de 1970 o I, II e III Congresso
Mineiro de Psiquiatria (SILVA et al.,
2011; GOULART, 2014; GOULART, 2015).
Março de 1970 – Simpósio Nacional sobre
Depressão. Parte da “turma do Galba”. Da esquerda para a direita: Cristina e
Rodrigo Teixeira de Salles, Marcio Sampaio, Roberto Rangel, Eunice Rangel, José
Ronaldo Procópio, Antônio Leite Rangel, Jorge Paprocki, Maurício Sartori, Maria
Muniz Passos (Lia), Delcir Antonio da Costa e Antônio Carlos Corrêa. Disponível
em: <goo.gl/YA2au2>. Acesso em: 17 jun. 2017.
Nas décadas de 1970 e 1980, Campos também
trabalhou como preceptor da Residência em Psiquiatria do Instituto Raul Soares,
se destacando como professor na disciplina Psicologia Social (SILVA et al., 2011). Ele ainda foi, entre 1986
e 1987, superintendente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais
(FHEMIG) e, até 1993, Coordenador de Saúde Mental da Fundação. Em sua biografia
ainda consta, participação como ativista no Movimento de Luta Antimanicomial e
na constituição do Fórum Mineiro de Saúde Mental, em 1987, bem como Secretário
de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, de 1993 a 1996, quando implantou os
primeiros serviços de saúde mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos de
Minas Gerais e elaborou a Lei Estadual 11.802 (Lei Carlão), de 1995, que dispõe
sobre a promoção de saúde e a reintegração social do portador de sofrimento
mental.
Franco Basaglia e a Psiquiatria
Democrática
Foto de Franco Basaglia. Disponível em: <goo.gl/59vpUa>. Acesso em: 17 jun. 2017.
Franco Basaglia foi um médico e psiquiatra, nascido no ano de 1924 em Veneza, Itália, e falecido em 1980. Foi o precursor da reforma psiquiátrica italiana e importante liderança na luta sócio-política de desinstitucionalização da loucura, um processo que visava a “desmontagem e a desconstrução do aparato prático-teórico-discursivo da psiquiatria” e que previa “o resgate de cidadania do doente mental” (GOULART, 2015). Basaglia e sua equipe estiveram à frente da luta antimanicomial na Itália, iniciada ainda na década de 1960 e denominada de Psiquiatria Democrática a partir de 1973. Eles iniciaram importantes mudanças na assistência psiquiátrica italiana tendo como experiência os hospitais psiquiátricos de Gorizia e Trieste, onde realizaram críticas teóricas e práticas à psiquiatria e implementaram novas formas de tratamento para a loucura (OLIVEIRA, 2011). O modelo basagliano buscava uma inversão do saber psiquiátrico da época, deixando a doença de ser colocada em evidência, para dar foco no sujeito e devolver ao portador de sofrimento mental a sua liberdade e recuperar a sua dignidade e cidadania (OLIVEIRA, 2011; PINTO & FERREIRA, 2010; FERREIRA, 2012).
Franco Basaglia esteve no Brasil pela primeira vez em 1978, mesmo ano que ocorreu na Itália a aprovação da Lei nº 180 (Lei Basaglia) para participar do “I Simpósio Internacional de Psicanálise, Grupos e Instituições”, que ocorrei no Rio de Janeiro. Em 1979, retornou mais duas vezes, “para a realização de conferências e visitas aos manicômios no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte” (OLIVEIRA, 2011). Com os hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte e Barbacena, Basaglia ficou horrorizado com a situação, chamou-os de “campos de concentração” e “casas de tortura”. Nesse mesmo ano, participa na capital do III Congresso Mineiro de Psiquiatria (OLIVEIRA, 2011). Segundo Goulart (2015), a sua participação nesse evento foi fortuita para a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Para Oliveira (2011), a vinda do médico “dividiu nosso processo de reforma em antes e pós”, já que até aquele momento as discussões no Brasil tinham inspiração nas psiquiatrias norte-americana e francesa.
Documentário “Em nome da Razão”
Referências Bibliográficas
FERREIRA, Walter. Reforma psiquiátrica
e atenção psicossocial: contextualização sócio histórica, desafios e
perspectivas. Cadernos Brasileiros de
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GOULART, Maria Stella Brandão. A política de saúde mental mineira:
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<http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8nspe/04.pdf>. Acesso em: 09 abr.
2017.
GOULART, Maria Stella Brandão. Comunidades
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Acesso em: 13 jun. 2017.
GOULART, Maria Stella Brandão; DURÕES, Flávio. A reforma e os
hospitais psiquiátricos: histórias da desinstitucionalização. Psicologia & Sociedade; 22 (1):
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<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n1/v22n1a14.pdf>. Acesso em: 09 abr.
2017.
GOULART, Maria Stela Brandão. Em nome
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OLIVEIRA, Carla Luiza. O pensamento de Franco Basaglia na área da
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PINTO, Alessandra Teixeira Marques; FERREIRA, Arthur Arruda Leal.
Problematizando a reforma psiquiátrica brasileira: a genealogia da Reabilitação
psicossocial. Psicologia em Estudo,
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SILVA, Diego Patrick da; ABREU, Marcela Alves de; DIAS, Hernani L.
Chevreux Oliveira Coelho. Cezar Rodrigues Campos: de psiquiatra a militante da
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em História da Saúde Mental, 2011, Florianópolis. Anais... Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. Disponível em:
<http://www.encontrohistoriasm.ufsc.br/files/2011/09/revista.pdf>. Acesso
em: 12 jun. 2017.
SILVA, Diego Patrick da; GOULART, Maria Stella Brandão. A Reforma
Psiquiátrica mineira e Cezar Rodrigues Campos: uma história a ser desvelada.
In: 16º Encontro Nacional ABRAPSO,
2011, Recife. Anais... Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2011.
Disponível em: <goo.gl/fyw5yJ>. Acesso em: 12 jun. 2017.
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