Um belo texto da grande amiga e colega de UFMG, professora da Escola de Belas Artes, Rita Lages Rodrigues, a quem agradeço a colaboração. A ideia da série "A volta ao mundo em 80 museus" começou justamente em conversas informais, nas quais sempre me pareceu ser absolutamente possível que o convidado a publicar pudesse imprimir sempre seu traço personalíssimo na escrita, falasse livremente mesclando razão e emoção como bem entendesse. Eu e ela dividimos a coordenação de um grupo de pesquisa e nesse momento estamos lendo A sociedade sem relato, de García Canclini, que traz justamente uma reflexão sobre a possibilidade de pensar a partir de entrecruzamentos entre as ciências sociais e as artes. O que ela escreveu inseriu nessa equação também os traços da memória social e da experiência particular, e sendo assim atingiu em cheio o que eu desejava desde o início. Eis aí:
Histórias de família.
Ontem foi dia de visita. Em Barbacena, há
muito desejava conhecer o Museu da Loucura*. Pensava nas pessoas
retiradas de sua humanidade e jogadas no inferno, para ser purgatório
haveria de melhorar muito. Imaginava o sofrimento, compadecia-me das
almas, o discurso científico de choques e lobotomia contra o afeto e a
existência. Mais de cem anos atrás, meu bisavô esteve internado por
10 anos na Colônia, menos dolorosa a palavra colônia do que asilo ou
manicômio ou hospício ou casa de loucos.
Não sei se como interno pagante ou indigente. Se indigente, obrigado a
trabalhos forçados, escravos do século XX. A loucura não permite
direitos. Por dez anos sem receber visitas. Por 10 anos. Entendi ainda
mais minha avó e seu afeto imenso, apesar da dureza, por minha Tia,
também posta na caixinha da loucura. Nunca permitiu internação da filha.
Imaginei esse bisavô vivendo à margem, retornando após 10 anos por
decisão do genro que havia resolvido ir buscá-lo. Minha bisavó já com 4
ou 5 filhos, o mais novo da idade do tempo do bisavô na Colônia, que,
após o retorno do marido, engravidou duas vezes mais, tendo meu pai dois
tios temporões. Pensei muito nela, na sua lida na roça, na minha avó e
duas irmãs que levaram à frente a sobrevivência da família. Parece que
meu tio avô não queria muito saber do trabalho. Foram as mulheres a
levarem a pequena propriedade nas costas. Meu bisavô retornou e teve
vida após a internação. Não sei qual marca ficou em sua alma. Nem
consigo imaginar.
No segundo andar do Museu engasguei existência. Até então havia sido forte - pra quê?- mas ao ver as fotos das reportagens de 1961 e 1978 os olhos e a voz não aguentaram, os olhos cheios d'água e a voz embargou pelo pranto, o fôlego se perdeu, falaram forte ao espírito. Saí de lá tentando racionalizar a dor e o sofrimento. Ainda não consegui. Não vou conseguir nunca. O afeto que nos constitui.
No segundo andar do Museu engasguei existência. Até então havia sido forte - pra quê?- mas ao ver as fotos das reportagens de 1961 e 1978 os olhos e a voz não aguentaram, os olhos cheios d'água e a voz embargou pelo pranto, o fôlego se perdeu, falaram forte ao espírito. Saí de lá tentando racionalizar a dor e o sofrimento. Ainda não consegui. Não vou conseguir nunca. O afeto que nos constitui.
* as imagens incorporadas são de autoria do blog Vida sem paredes, a quem agradecemos o contato e cumprimentamos pelo ótimo trabalho.
Aos meus mestres, muito obrigada. À museologia, um até logo. Chorei.
ResponderExcluirThais, obrigado. Nós estaremos aqui à sua espera.
ExcluirOlá! Achei muito interessante o projeto Metamuseu. Não há como não se sensibilizar com as histórias ligadas ao Museu da Loucura, ainda mais depois de visitá-lo. Agradeço a indicação do nosso site em seu texto e peço a gentileza de citar os créditos das nossas fotos utilizadas. Obrigada! Abraços!
ResponderExcluirOlá. Agradeço a visita. Peço desculpas pelo lapso, acabei de dar os créditos. Por favor veja se pode ser assim. Volte sempre, abraços!
ExcluirObrigada! ;-)
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