quarta-feira, 22 de junho de 2022

GABINETES DE CURIOSIDADES: HÁ ORDEM NA DESORDEM

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

CURSO: Museologia

DISCIPLINA: Tipologia de Museus

PROFESSOR: Luiz Henrique Assis Garcia

ALUNAS: Cristiane Lei, Esther Inácio, Hellen Batista, Kezia Miguel, Núbia Gonçalves e Thais de Souza.

GABINETES DE CURIOSIDADES: HÁ ORDEM NA DESORDEM

      

A coleção, compreendida como um somatório de objetos de toda espécie, escolhidos, reunidos e preservados por um protagonista com uma finalidade particular própria, tem por vocação apresentar ao olhar um conjunto de objetos. Lugar que questiona a percepção e também um espaço de celebração da memória dos homens e da memória do tempo através dos olhos. Os gabinetes de curiosidades surgem na época onde o mundo se expandiu por intermédio das Grandes Navegações.  “Nesse período, o homem vivia uma verdadeira revolução do olhar resultado do espírito científico e humanista do Renascimento e da expansão marítima, que revelou à Europa um novo mundo.” (JULIÃO, 2006, p.20). O imaginário medieval foi atingido por um saber cientificamente estabelecido e seu horizonte geográfico ampliava-se a cada nova descoberta.  

 

01 - Gravura do Gabinete de Ole Worm datada de 1655 (foto à direita) e reprodução do mesmo gabinete no Museu Wormianum (foto à esquerda).

Os gabinetes de curiosidades não eram homogêneos e nem padronizados. As mais diferentes coleções eram apresentadas nos mais variados formatos que podiam se restringir a uma peça de mobiliário ou até ocupar uma sala inteira para expor uma grande quantidade de objetos coletados, nos mais distintos locais, reunidos e exibidos em um só lugar. Para Pomian: “Um gabinete é então o universo inteiro que se pode ver de um só golpe, é o universo reduzido, por assim dizer a dimensão dos olhos” (1982, p.342 apud RAFFAINI, 1993, p. 160). Paredes, estantes, gavetas e até mesmo tetos abrigavam objetos que representavam o exótico e as terras longínquas numa forma de colecionar que inseria a peça em uma rede de sentidos e de correspondências a partir de um paralelismo único em cada coleção.  

Apesar do que possa parecer atualmente, os gabinetes não eram como um amontoado de curiosidades dispostas a esmo. Muitos princípios organizadores, que parecem sempre terem existido, na verdade não datam de antes do Iluminismo. O sistema usado na organização e na disposição desses objetos está intrinsecamente ligado ao entendimento de como o homem daquela época compreendia o mundo. É preciso entender que a ordem nesses locais refletia a riqueza, a instrução, e o gosto do seu proprietário. Desta forma, os sistemas classificatórios eram bem variados e baseavam-se em características, associações e similaridade sempre relacionadas ao conhecimento e à vivência de quem expunha. Apesar das diferenças na forma de organizar, todas as coleções expressavam um microcosmo reunido em um único espaço. Entre as organizações utilizadas, a mais citada na literatura é a que ordenava a coleção em naturalia e artifitialia. O primeiro item englobava todos os elementos encontrados na natureza e o segundo tudo aquilo criado ou modificado pelo homem. Alguns acrescentavam um terceiro tópico a essa classificação, a mirabilia, que dizia respeito às maravilhas do mundo.  



02 - As estantes do Gabinete do Museu Wormianum mostram a classificação escolhida pelo seu proprietário.

Ainda cabe a observação que é preciso ter cuidado ao apresentarmos os museus como uma evolução dos gabinetes de curiosidades. Essa espécie de atalho pode ser atraente, todavia, os museus possuem uma outra lógica e organização uma vez que surgiram como iniciativas governamentais ou universitárias baseadas no saber científico e abertos ao público, tornando assim a ideia de progressão um tanto imprecisa. É necessário contemplar os gabinetes com outra extensão do olhar sem a atitude que se implantou a partir do século XVIII onde não se queria ou não se podia mais entendê-los.



03 - Gabinete de Curiosidades - Domenico Remps, 1690

Referências:
 

BLOM, Philipp. O dragão e o carneiro tártaro. In: Ter e manter. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003, p. 29-42.


JANEIRA, A. L. A configuração epistemológica do colecionismo moderno (séculos XV-XVIII). Episteme, Porto Alegre, n.20, janeiro/junho 2005, pp 23-36.

JULIÃO, Letícia. Apontamentos sobre a história do museu. Caderno de diretrizes museológicas, v. 1, n. 2, p.19-32, 2006.

RAFFAINI, P. T. Museu Contemporâneo e os Gabinetes de Curiosidades. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, S. Paulo, 3: 159-164, 1993.


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