segunda-feira, 12 de abril de 2021

Museus, Identidade e Poder: o caso do Musée Du Quai Branly e os processos de Repatriação - Tipologia de museus 2020

 

Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Ciência da Informação

Curso: Museologia 

Disciplina: Tipologia de Museus                                       

Docente: Luiz Henrique Assis Garcia

Discentes: Alexsandro Claudio da Silva; Daniel Violante; Lorena Brandão; Marcus Vinicius Dlazzari; Nathália Marques; Thaís Diaz


Musée du Quai Branly: 


O Museu do Quai Branly foi inaugurado em 2006, seu intuito era reunir em um único lugar o Museé de L’Homme e o Museu Nacional de Artes Africanas e da Oceania, na França. A sua exposição de longa duração é dividida em três unidades: América, Ásia, África & Oceania e conta com mais de 300 mil objetos. Ao olhar esses objetos, nota-se uma ligação com o período da França colonialista. 

          Sua concepção se deu, em grande parte, com a influência de duas grandes exposições do século XX: Primitivism in 20th Century Art, realizada no MoMA de Nova Iorque em 1984; e a exposição Magiciens de la Terre, no Centro Pompidou em 1989. Ambas exposições colocavam os objetos coletados de sociedades não-ocidentais na categoria de “artes primitivas”, trazendo aos objetos um ar folclórico, mágico, arcaico e irracional. 

Houve grandes debates de como tratar os objetos africanos, a partir da perspectiva se seriam testemunhos etnográficos ou criações estéticas. A inauguração do Museu do Quai Branly aconteceu em meio a várias tensões. Houve uma grande acusação ao então diretor do museu pela compra ilegal de peças Nigerianas e o início do debate sobre um possível aumento da visibilidade das “artes primitivas” e, consequentemente, sua valorização no mercado de arte mundial.


          Na fundamentação do Branly ainda se carece uma falta de revisão do processo colonial que deu origem a suas coleções e também sobre o caráter “estetizante”. A certeza que se tem é que os museus europeus são repositórios de objetos que foram saqueados durante o processo de colonização, nesse sentido, o Musée du Quai Branly abriga a grande maioria desses objetos. O debate sobre a repatriação tem sido central nesses últimos anos e essencial para revisar essas exposições e pensar qual o papel esses museus têm cumprido e podem cumprir. 


Repatriação: 


           A repatriação de acervos coloniais(*) é uma proposta que vem sido discutida em várias instâncias recentemente, e essa discussão têm se tornado cada dia mais acalorada. Enquanto diversas instituições europeias se utilizam de subterfúgios e discursos pouco convincentes sobre a repatriação, vemos surgir um grande movimento por parte de pesquisadores descendentes de povos colonizados e também de seus países de origem. Um exemplo seriam os restos humanos presentes em diversos museus e coleções privadas por toda a europa - é caro para um povo poder enterrar seus ancestrais dentro de suas crenças, a devolução destes itens certamente causaria impactos inéditos na história humana e em suas várias configurações de civilizações e sociedades. 

           A repatriação desses acervos passa a ser muito mais do que a mera devolução de peças, tratamos aqui também de espécimes e artefatos diversos, é um fato que o inchaço das coleções européias se dão a pilhagens e aquisições injustas. Segundo Leo Frobenius, o colonialismo despejou uma grande quantidade de objetos nos acervos dos museus europeus. Um exemplo são os mais de 25 mil  artefatos da Namíbia, dos Camarões e da Oceania que pertencem ao Museu Linden, em Stuttgart, 91% foram adquiridos entre 1884 e 1920. Entre os principais responsáveis por este grande volume estavam militares, que apesar de leigos a respeito do tema, levavam das colônias o que lhes agradava. 

         A repatriação é prevista em duas resoluções da ONU, onde é dito que “[...] a herança cultural de um povo condiciona o florescimento de seus valores artísticos e seu desenvolvimento em geral”, e que os países que roubaram os bens “[...] e que ainda não o fizeram, a proceder com a restituição das obras de arte, monumentos, peças museais, manuscritos e documentos a seus países de origem, sendo tais restituições calculadas para fortalecer a compreensão e cooperação internacional. [...] E sem encargos [...] visto que constitui apenas a reparação pelos danos causados.”


Devolver a seus países e povos de origem estes acervos é um primeiro passo para uma reparação histórica. As chagas causadas pelo colonialismo são incontáveis, a retomada de seus objetos pelos diversos povos é um movimento fundamental e no mínimo ético, se tratando do campo museal. A retirada destes objetos de seus locais de origem geraram mudanças culturais abruptas, restituí-las é para os povos uma forma de ressignificar suas existências, buscando resgatar o que lhes foi roubado e valorizar as práticas ancestrais.  


Coleção dos objetos roubados pela polícia civil do RJ
Foto: Oscal Liberal lPHAN


Caso esse tema te interesse, você pode ler mais sobre em:

Revista online “Latitude”, publicada pelo Goethe-Institut
Não faça isso por mim sem mim!, sobre participação e cooperação nos museus  
O patrimônio cultural imaterial e a globalização, sobre igualdade e globalização
Da vitrine para o espaço aberto, sobre concepção de museus
Coleções controversas, sobre a pilhagem colonial e os museus
Repensando o legado colonial, sobre a repatriação e seus debates
A herança colonial, sobre pesquisas de procedência
Post Sobre o “plágio” ou não de artistas europeus de obras, no perfil do …, 2019
Post sobre a devolução por parte da Holanda de bens roubados, no perfil museo.deleite, 2021

Referências:
DURAND, Jean-Yves. Este obscuro objecto do desejo etnográfico: o museu. in: Etnográfica, 2 (11). Revista do Centro de Estudos de Antropologia. Lisboa: CEAS / ISCTE. pp 373-385.

GOLDSTEIN, Ilana. Reflexões sobre a arte "primitiva": o caso do Musée Branly. Horiz.antropol. [online]. 2008, vol.14, n.29 [cited  2013-08-27], pp. 279-314.

ONU. Resolução 3187 sobre Restituição de trabalhos de arte para países vítimas de

expropriação. Assembleia Geral das Nações Unidas, 1973. Disponível em:

<http://www.unesco.org/culture/laws/pdf/UNGA_resolution3187.pdf

Acesso em 10 de Março de 2021

ONU. Resolução 3391 sobre Restituição de trabalhos de arte para países vítimas de

expropriação. Assembleia Geral das Nações Unidas, 1975. Disponível em:

<http://www.unesco.org/culture/laws/pdf/UNGA_resolution3391.pdf

Acesso em 10 de Março de 2021

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lista de links na ordem

https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/21736768.html
https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/21761229.html
https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/aus.html
https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/21652951.html 

https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/21677593.html 

https://www.goethe.de/prj/lat/pt/spu/21653138.html
https://m.facebook.com/photo.php?fbid=2917651218464452&id=100006588074778&set=pb.100006588074778.-2207520000..&source=42&ref=content_filter
https://www.instagram.com/p/CMZp-xjpBp1/ 

 *Nota do Editor:

Merece menção que o debate sobre repatriação de acervos, intensificado na segunda metade do século XX, incorpora também questões fora do recorte internacional, pois se debate por exemplo as restituições de acervos pertencentes a grupos ditos indígenas em museus do mesmo  território nacional em que estes vivem 

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