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quarta-feira, 28 de junho de 2023

OBJETOS AFETIVOS COMO FONTE HISTÓRICA E A CULTURA MATERIAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG

ESCOLA DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO - ECI

CURSO DE GRADUAÇÃO EM MUSEOLOGIA

DISCIPLINA: METODOLOGIA DA PESQUISA HISTÓRICA EM MUSEUS

PROFESSOR: LUIZ HENRIQUE GARCIA

GRUPO: ADRIANA LAGE BORGES SOUZA, ALÉXIA THIMÓTEO DOMINGUES MATOS, ANSELMO REZENDE GUSMÃO, GABRIELLA MARIA DE ASSIS PEREIRA, NANA FERNANDES ALBUQUERQUE, NARA SANTANA DA SILVA.


“Pela sua própria materialidade, os objetos perpassam contextos culturais diversos e sucessivos, sofrendo reinserções que alteram sua biografia e fazem deles uma rica fonte de informação sobre a dinâmica da sociedade.” (REDE, 1996, p. 276).


INTRODUÇÃO

Partindo da proposta da exposição curricular “Incipit Vita Nova”, de 2023, da 11ª turma de alunos do curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o presente trabalho buscou dedicar-se à temática da cultura material e dos objetos de afeto que estudantes que vêm de outras cidades para estudar na UFMG trazem para sua “nova morada” e, dessa forma, tentar traçar um paralelo entre os objetos de afeto e a memória a que eles remetem, bem como sua importância na construção da História Contemporânea. Nesse sentido, entendemos que os objetos, para além de sua função de uso e sua existência material, possuem também a face simbólica e subjetiva da afetividade, que se estabelece a partir da sua interação com o indivíduo. Assim, objetos do cotidiano, como pulseiras, travesseiros e fotografias, podem carregar um caráter sentimental e até mesmo biográfico (NERY, 2017), ajudando a traçar parte da história do indivíduo de quem o objeto um dia pertenceu.


PROCESSO INVESTIGATIVO

Com base nesta proposição, algumas questões foram trazidas, tais como: O que significa o início de uma nova vida para os estudantes que vêm de outras cidades ao ingressarem na UFMG? Como essa vida nova se inicia? O que essa cultura material diz sobre esses estudantes e a sociedade da qual fazem parte? Como esses objetos afetivos se tornam documentos para a historiografia? A nossa pesquisa procurou compreender essas questões e as relações que os objetos de afeto desempenham na construção da memória afetiva dos estudantes que vieram de outras cidades, estados ou países, para iniciar a vida acadêmica na UFMG, em Belo Horizonte. Sendo assim, iniciamos fichamentos de bibliografias para o embasamento teórico no estudo dos objetos afetivos como fonte de cultura material, sua relação com a memória afetiva individual e coletiva, no cenário contemporâneo. Após o levantamento bibliográfico e das hipóteses, o passo seguinte foi realizado em campo, utilizando de entrevistas semiestruturadas, realizadas com estudantes de diversos cursos da UFMG


PESQUISA DE CAMPO - OBJETO DE AFETO

Primeiramente, buscamos utilizar o formulário desenvolvido no Google Forms relacionado com a proposta temática da exposição curricular de Museologia de 2023, Incipit Vita Nova, enviado virtualmente aos estudantes, onde uma das perguntas era sobre os objetos de afeto que eles trouxeram de sua cidade natal para BH. No entanto, essa etapa não foi produtiva, uma vez que obtivemos poucos elementos materiais para sustentar nossa pesquisa. Após algumas reuniões entre os membros do grupo e nosso orientador, percebeu-se a necessidade de prover um trabalho de pesquisa em campo, sobre as relações de vínculos das pessoas com suas origens através dos objetos afetivos. Decidimos sair em três duplas pelo campus da UFMG, para melhor abrangência do espaço e dinâmica das entrevistas.
Roteiro utilizado nas pesquisas, p.1
Roteiro utilizado nas pesquisas, p.2

Conseguimos obter seis bons depoimentos, com suporte material para continuarmos a pesquisa e elementos para a exposição curricular. Buscamos reconhecer nas respostas dos entrevistados a base teórica que foi pesquisada pelo grupo, como, por exemplo, o indivíduo se utiliza do objeto afetivo “longe de ser uma mera fabricação do sujeito, o objeto faz parte da subjetividade" (RAMOS, 2020, p.9). As características físicas do objeto em questão, figuram em segundo plano e não passam mais a ter a mesma impotência ou significado principal para aquela pessoa. Dentro desse contexto de pesquisa, percebemos que esses novos atributos incorporados ou até mesmo perdidos, relativos ao objeto de afeto, carregam histórias que mostram traços comportamentais, de forma isolada ou no âmbito social, do indivíduo que influencia a cultura material. Assim,

"Os bens que conservamos durante décadas podem ser considerados espelhos de nossas experiências da passagem do tempo [...] lembranças de família e as histórias e possíveis estórias que trazem valores intangíveis para objetos, valores repassados de uma geração à outra.” (MOURÃO; OLIVEIRA, 2018, pg.3).


PARTES DE ALGUMAS ENTREVISTAS

“Meu nome é Maria Eduarda. Faço o 6º período de história na UFMG. Vim de Ilicínea, no sul de Minas, perto da cidade de Varginha. Eu trouxe de efetivo fotos reveladas com a minha afilhada. Aí eu trouxe e preguei na parede do meu quarto.[...] Eu acho que, eu não sei se acontece a mesma coisa com as outras pessoas que se mudaram assim, mas eu acho que essas lembranças elas me fazem lembrar que eu tenho um canto, sabe? Porque eu tenho um lugar que é meu. Que eu tenho uma base minha, uma base que fica um pouquinho longe, mas que eu tenho um lugar, então quando eu volta pra Ilicínea, isso me remete, sabe? É quando eu vejo as fotos, é isso me remete a essa questão de ter um lugar. Eu acho que morar longe é aceitar que você vai perder coisas igual perder momentos, perder é situações. Você vê fotos da sua família fazendo reuniões? Perder o Dia das Mães do lado da mãe. Perder vários momentos assim, formatura da escolinha [...].”
Imagem cedida por Maria Eduarda. Acervo pessoal.

Imagem cedida por Maria Eduarda. Acervo pessoal.




“Meu nome é Davi, sou de Brasília, tenho 20 anos, faço curso de Direito. Tô morando na casa de parentes em BH. Um objeto específico não, […] mas um cobertor pelo fato de minha mãe ter me dado que eu usei a vida inteira, é um cobertor de afeto.”

“Meu nome é Ludyelle. Eu sou de Sete Lagoas, tenho 24 anos. Eu curso Letras e estou no 10º período. A única coisa que eu trouxe, eu acho que é um pouco que me trazia a casa assim foi um cobertor que eu trouxe. Isso aí, quando eu dormia, eu me sentia em casa. Minha mãe me deu o cobertor. Até hoje. Uma relíquia. Ele representava lembrança de casa […]”
 
Ludyelle e sua mãe enroladas no cobertor. Acervo pessoal.

“Meu nome é Gabriel, sou do 9º período do curso de Bacharelado de Violino e vim de Contagem. [...] Eu tenho uma pulseira, que tipo, foi no período que eu estava lá na minha cidade, no período que eu estava ligado à minha igreja, na minha cidade natal. Foi um período em que eu estava muito conectado com minha família, com a comunidade e com a igreja.”

Pulseira do Gabriel. Acervo pessoal.

Maraísa, estudante do 8° período de História, da cidade de Oliveira (MG) - “[...] é o meu computador. É uma coisa muito boba, mas é porque ele foi a primeira coisa [...] que eu comprei com meu salário. É a coisa que eu mais guardo, sabe? Eu tenho uma coisinha afetiva com ele [...] porque, apesar de tudo, ele é o que eu levei [...] depois usei para estudar para o Enem, o que eu levei para Divinópolis e o que eu trouxe pra cá. [...] ele tem um valor sentimental, foi a primeira coisa que eu consegui comprar com o meu salário [...]”.
Computador da Maraísa. Acervo pessoal.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da proposta investigativa, sobre a importância do objeto como fonte documental e, ainda, sobre relação entre o sujeito e o objeto, foi possível conceber, ao longo dessa pesquisa, considerações que confirmam ponto inicial da pesquisa, o de uma atuação do objeto que ultrapassa sua existência meramente material e adquire uma face subjetiva de afetividade, pois “[...] a materialidade é um atributo inerente, mas que, porém, não esgota o objeto culturalmente considerado [...]” (REDE, 1996, p.274).

Durante a realização do trabalho de campo, foi possível aprofundar nossa compreensão de como a pesquisa empírica contribui para reconhecer o objeto afetivo e suas relações com a memória pessoal, coletiva e a cultura material contemporânea. Nesse sentido, foi possível observar que todos os alunos entrevistados demonstraram grande apreço pelos itens, independente de seu valor material, sendo as memórias que estes remeteram o que era mais significativo. Por fim, diante do predomínio da relação do sujeito com o objeto, bem como o significado dessas relações para suas memórias e histórias, é possível reiterar que os objetos, como fonte de informação histórica, são fundamentais para a análise das relações, de características e comportamentos, tanto individuais quanto de grupos.

REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4504474/mod_resource/content/1/BOSI%2C%20E.%20Mem%C3%B3ria%20e%20sociedade.%20Introdu%C3%A7%C3%A3o.pdf Acesso em 17 de maio de 2023.

FERREIRA, JUNIOR, 2020, Patrimônio cultural no Brasil. Disponível em: https://diversitas.fflch.usp.br/files/patriminio%20cultural%20no%20brasil.pdf . Acesso em 17 de maio de 2023.

FUNARI, Pedro Paulo de Abreu. Memória Histórica e Cultura Material. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 13, nº25/26, p. 13-31, 1993.

MOURÃO, Nadja Maria, OLIVEIRA, Célia Carneiro. Design social: objetos biográficos do cotidiano, memória social. In.:Chapon. Linguagens do Design: comunicação, cultura e arte. Edição v. 1 n. 1 21-11-2018 . pg 02-15.

NERY, Olivia Silva. Objeto, memória e afeto: uma reflexão. Universidade Federal de Pelotas. Doutoranda em História pela PUCRS, bolsista CAPES. Revista Memória em Rede, Pelotas, v.10, n.17, Jul./Dez.2017 – ISSN- 2177-4129. Periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Memoria. http://dx.doi.org/10.15210/rmr.v8i14.7485.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. Em nome do objeto: museu, memória e ensino de história. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2020.

REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. In.: Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.4 p.265-82 jan./dez. 1996. Disponível em: https://www.scielo.br/j/anaismp/a/JNDbcs773QLQfh84cPBRyjH/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 27 abr 2023.

XAVIER, Érica S. Ensino e História: O uso das fontes históricas como ferramentas na produção de conhecimento histórico. In: Revista Antíteses, vol.3. pag. 1097-1112. 2010. Disponível em: https://docplayer.com.br/68559304-Ensino-e-historia-o-uso-das-fontes-historicas-como-ferramentas-na-producao-de-conhecimento-historico.html. Acesso em 25 abr 2023.