Em mais uma edição desta série, agora direto dos EUA onde o colega Pablo Lima, professor da FAE-UFMG, faz seus estudos de pós-doutorado. Na primeira década do corrente século estivemos juntos no Museu Histórico Abílio Barreto, tendo inclusive compartilhado uma empreitada da qual particularmente me orgulho, que foi a redação do livro Pampulha Múltipla. Fica aqui o meu agradecimento ao Pablo pela gentileza em ceder o texto e as imagens para o blog Metamuseu.
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Em uma rápida passagem por Denver, capital e maior cidade do estado do
Colorado, fiz uma visita a um museu histórico situado no centro cívico. A
instituição pública chama-se History Colorado Center e foi inaugurada em
2012. O museu conta com exposições fixas e itinerantes, eventos públicos e
programas educacionais. Abriga também o Office of Archaeology and Historic Preservation (Escritório de Preservação Arqueológica e Histórica), o State Historical Fund (Fundo Histórico Estadual), e a Biblioteca e Centro de Pesquisa
Stephen H. Hart.
O que primeiro chama à
atenção é a localização do museu, bem próximo ao Capitólio (sede da assembléia
legislativa e senado estadual do Colorado), sede do governo local, bem como a
edificação grandiosa que se destaca na paisagem urbana. Um prédio modernista,
com 5 andares, que ocupa um quarteirão inteiro, construído exclusivamente para
ser museu. Faixas enormes ao lado de fora estampam a palavra “HISTORY”, o que
dá a sensação de valorização e quase elogio à história por parte do
Estado.
O Colorado tem o
apelido de estado centenário, pois sua incorporação aos EUA se deu em 1876, cem
anos após a declaração de independência. Mas a ocupação humana é bem anterior,
com vestígios indígenas remontando a 12 milênios atrás. Após a chegada dos
europeus, o território foi ocupado por falantes de espanhol que batizaram os
povos indígenas de Pueblo. Entre eles há povos Ute, Cheyenne, Navajo, entre
outros. No início do século XIX, o território
tornou-se parte do México independente até ser tomado pelos EUA em sua expansão
ao oeste e vitória na Guerra do México. Com a descoberta de ouro em 1859, a
região foi rapidamente ocupada por americanos oriundos de vários estados.
Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), os exércitos da União conseguiram
impedir o avanço de tropas separatistas pelo território. E em 1876 foi
incorporado à união. Assim, o Colorado nasceu como um estado de fronteira,
marcado pela mineração e com a proibição de trabalho escravo. Uma história
complexa que o museu busca representar em suas diversas exposições.
A estrutura física
interna é impressionante: amplos espaços de exposição, muitos recursos
tecnológicos, com várias possibilidades de interação do público com diversos
expositores. Como sempre se vê em museus, grupos de alunos da educação básica,
guiados por funcionários do museu, constituíram a maior parte do público no dia
da visita, passando rapidamente e com muito barulho pelas exposições. As
crianças pareciam ter sua atenção toda voltada para os expositores lúdicos e
interativos, apropriados como brinquedos: charretes, automóveis antigos, uma
vila de mineração reconstituída, um mapa enorme do Estado (cuja forma é um
simples retângulo), pintado sobre o chão do salão central do prédio, visível de
seus diversos andares.
Destaco 4 exposições.
Uma delas apresenta a história do Colorado em três momentos: a presença
indígena, a ocupação de fazendeiros americanos e a realidade atual. A ênfase da
narrativa em todos esses momentos é sobre a questão ambiental. Primeiro,
aborda-se o conceito de water footprint (pegada hídrica), a partir de
uma exposição que apresenta de modo comparativo o consumo diário de água de um
índio pueblo com o consumo do americano contemporâneo. Obviamente, a pegada
hídrica atual é inúmeras vezes maior que a indígena. Porém, o visitante fica
com a sensação due que o estilo de vida dos Pueblo era tão ecologicamente
correto, consumindo tão pouca água, que é simplesmente impossível para um ser
humano contemporâneo que escova os dentes, lava as mãos várias vezes ao dia,
utiliza instalação sanitária com descarga, etc. Não se apresenta um meio-termo,
mas uma oposição radical entre as sociedades. No caso da ocupação de
fazendeiros no início do século XX, a crítica recai sobre o uso intensivo de
maquinário agrícola, que em um primeiro momento resultou em uma alta
produtividade, mas que em poucos anos prejudicou tanto o solo árido do Colorado
que provocou um desastre ambiental: o solo tornou-se arenoso que, somado ao
vento do meio-oeste, levantou ondas de tempestades de areia enormes que
cobriram cidades inteiras na década de 1930, período da grande depressão. Os
visitantes são convidados a entrarem eu uma casa reconstituída e participarem
da simulação de uma delas tempestades que transformavam o dia em noite. O
resultado foi o início de políticas de preservação do meio ambiente. E sobre a
realidade atual, a narrativa aborda o problema do aquecimento global e o
derretimento das geleiras das montanhas rochosas, principal fonte de água do
Colorado e do sudoeste americano.
A outra exposição
apresenta diversos movimentos sociais do Colorado, em especial a questão dos
chicanos. O acordo que pôs fim à guerra com o México previa que as populações
mexicanas que permanecessem no Colorado teriam direito a manter suas
propriedades rurais. No entanto, isso não foi cumprido, e os chicanos tiveram
suas terras ocupadas por agricultores anglo-falantes, tornando-se sem-terras em
sua própria terra. A exposição mostra que essa população ainda luta pelos seus
direitos.
A terceira exposição
trata de um assunto tenso. Durante a segunda guerra mundial, após o ataque.
Japonês ao Havaí, os governo dos EUA construiu um Campo de Concentração para a
população japonesa que vivia no país. O museu apresenta uma reconstituição de
um dos cômodos do campo, construído em pleno deserto, onde a população civil de
japoneses e seus descendentes nascidos nos EUA foram reunidos até o final dia
guerra.
Por fim, chamou minha
atenção uma exposição intitulada: Colorado em 100 objetos. Apesar do título
óbvio e auto-explicativo, essa exposição convida o visitante a pensar sobre o
trabalho de pesquisa de um museu: selecionar artefatos representativos das
diversas realidades e momentos da história do Estado. Numa grande sala, todos
os 100 objetos são apresentados, em ordem cronológica, terminando com uma
janela para a área de pesquisa interna do museu e uma atividade interativa onde
o visitante é chamado a escolher a 101a peça.
Um belo museu, lúdico,
moderno e grandioso. É visível o vulto dos recursos destinados à instituição e o profissionalismo do
trabalho da equipe. Saí do museu com a impressão de que o History Colorado
Center é uma instituição à altura dos grandes museus históricos do mundo. Os 12
dólares do ingresso foram bem empregados. Valeu a pena!
Pablo Lima, março de 2018