segunda-feira, 2 de abril de 2018

A volta ao mundo em 80 museus: Museu History Colorado Center

Em mais uma edição desta série, agora direto dos EUA onde o colega Pablo Lima, professor da FAE-UFMG, faz seus estudos de pós-doutorado. Na primeira década do corrente século estivemos juntos no Museu Histórico Abílio Barreto, tendo inclusive compartilhado uma empreitada da qual particularmente me orgulho, que foi a redação do livro Pampulha Múltipla. Fica aqui o meu agradecimento ao Pablo pela gentileza em ceder o texto e as imagens para o blog Metamuseu.

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Em uma rápida passagem por Denver, capital e maior cidade do estado do Colorado, fiz uma visita a um museu histórico situado no centro cívico. A instituição pública chama-se History Colorado Center e foi inaugurada em 2012. O museu conta com exposições fixas e itinerantes, eventos públicos e programas educacionais. Abriga também o Office of Archaeology and Historic Preservation (Escritório de Preservação Arqueológica e Histórica), o State Historical Fund (Fundo Histórico Estadual), e a Biblioteca e Centro de Pesquisa Stephen H. Hart.
            O que primeiro chama à atenção é a localização do museu, bem próximo ao Capitólio (sede da assembléia legislativa e senado estadual do Colorado), sede do governo local, bem como a edificação grandiosa que se destaca na paisagem urbana. Um prédio modernista, com 5 andares, que ocupa um quarteirão inteiro, construído exclusivamente para ser museu. Faixas enormes ao lado de fora estampam a palavra “HISTORY”, o que dá a sensação de valorização e quase elogio à história por parte do Estado. 

            O Colorado tem o apelido de estado centenário, pois sua incorporação aos EUA se deu em 1876, cem anos após a declaração de independência. Mas a ocupação humana é bem anterior, com vestígios indígenas remontando a 12 milênios atrás. Após a chegada dos europeus, o território foi ocupado por falantes de espanhol que batizaram os povos indígenas de Pueblo. Entre eles há povos Ute, Cheyenne, Navajo, entre outros. No início do século XIX,  o território tornou-se parte do México independente até ser tomado pelos EUA em sua expansão ao oeste e vitória na Guerra do México. Com a descoberta de ouro em 1859, a região foi rapidamente ocupada por americanos oriundos de vários estados. Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), os exércitos da União conseguiram impedir o avanço de tropas separatistas pelo território. E em 1876 foi incorporado à união. Assim, o Colorado nasceu como um estado de fronteira, marcado pela mineração e com a proibição de trabalho escravo. Uma história complexa que o museu busca representar em suas diversas exposições.
            A estrutura física interna é impressionante: amplos espaços de exposição, muitos recursos tecnológicos, com várias possibilidades de interação do público com diversos expositores. Como sempre se vê em museus, grupos de alunos da educação básica, guiados por funcionários do museu, constituíram a maior parte do público no dia da visita, passando rapidamente e com muito barulho pelas exposições. As crianças pareciam ter sua atenção toda voltada para os expositores lúdicos e interativos, apropriados como brinquedos: charretes, automóveis antigos, uma vila de mineração reconstituída, um mapa enorme do Estado (cuja forma é um simples retângulo), pintado sobre o chão do salão central do prédio, visível de seus diversos andares.

            Destaco 4 exposições. Uma delas apresenta a história do Colorado em três momentos: a presença indígena, a ocupação de fazendeiros americanos e a realidade atual. A ênfase da narrativa em todos esses momentos é sobre a questão ambiental. Primeiro, aborda-se o conceito de water footprint (pegada hídrica), a partir de uma exposição que apresenta de modo comparativo o consumo diário de água de um índio pueblo com o consumo do americano contemporâneo. Obviamente, a pegada hídrica atual é inúmeras vezes maior que a indígena. Porém, o visitante fica com a sensação due que o estilo de vida dos Pueblo era tão ecologicamente correto, consumindo tão pouca água, que é simplesmente impossível para um ser humano contemporâneo que escova os dentes, lava as mãos várias vezes ao dia, utiliza instalação sanitária com descarga, etc. Não se apresenta um meio-termo, mas uma oposição radical entre as sociedades. No caso da ocupação de fazendeiros no início do século XX, a crítica recai sobre o uso intensivo de maquinário agrícola, que em um primeiro momento resultou em uma alta produtividade, mas que em poucos anos prejudicou tanto o solo árido do Colorado que provocou um desastre ambiental: o solo tornou-se arenoso que, somado ao vento do meio-oeste, levantou ondas de tempestades de areia enormes que cobriram cidades inteiras na década de 1930, período da grande depressão. Os visitantes são convidados a entrarem eu uma casa reconstituída e participarem da simulação de uma delas tempestades que transformavam o dia em noite. O resultado foi o início de políticas de preservação do meio ambiente. E sobre a realidade atual, a narrativa aborda o problema do aquecimento global e o derretimento das geleiras das montanhas rochosas, principal fonte de água do Colorado e do sudoeste americano.
            A outra exposição apresenta diversos movimentos sociais do Colorado, em especial a questão dos chicanos. O acordo que pôs fim à guerra com o México previa que as populações mexicanas que permanecessem no Colorado teriam direito a manter suas propriedades rurais. No entanto, isso não foi cumprido, e os chicanos tiveram suas terras ocupadas por agricultores anglo-falantes, tornando-se sem-terras em sua própria terra. A exposição mostra que essa população ainda luta pelos seus direitos.

            A terceira exposição trata de um assunto tenso. Durante a segunda guerra mundial, após o ataque. Japonês ao Havaí, os governo dos EUA construiu um Campo de Concentração para a população japonesa que vivia no país. O museu apresenta uma reconstituição de um dos cômodos do campo, construído em pleno deserto, onde a população civil de japoneses e seus descendentes nascidos nos EUA foram reunidos até o final dia guerra.


            Por fim, chamou minha atenção uma exposição intitulada: Colorado em 100 objetos. Apesar do título óbvio e auto-explicativo, essa exposição convida o visitante a pensar sobre o trabalho de pesquisa de um museu: selecionar artefatos representativos das diversas realidades e momentos da história do Estado. Numa grande sala, todos os 100 objetos são apresentados, em ordem cronológica, terminando com uma janela para a área de pesquisa interna do museu e uma atividade interativa onde o visitante é chamado a escolher a 101a peça.

            Um belo museu, lúdico, moderno e grandioso. É visível o vulto dos recursos destinados  à instituição e o profissionalismo do trabalho da equipe. Saí do museu com a impressão de que o History Colorado Center é uma instituição à altura dos grandes museus históricos do mundo. Os 12 dólares do ingresso foram bem empregados. Valeu a pena!

Pablo Lima, março de 2018

2 comentários:

  1. Muito legal...através do texto já imagino a sensação boa de conhecer este lugar e estas histórias.

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