domingo, 6 de dezembro de 2020

A BIOGRAFIA DE JOÃO DAS NEVES - O ACERVO PESSOAL EM DIÁLOGO COM A MUSEOLOGIA [Metodologia da Pesquisa Histórica em Museus 2020]

 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ECI - MUSEOLOGIA

DISCIPLINA: METODOLOGIA DA PESQUISA HISTÓRICA EM MUSEUS

PROFESSOR: LUIZ HENRIQUE A. GARCIA

GRUPO: ARTHUR TEIXEIRA, DANIELI DI MINGO, GIOVANNA GIMENEZ, NATHÁLIA PERONI E VICTORIA BALLARDIN SANTOS


            João das Neves foi muitos: além de ator foi diretor, iluminador, cenógrafo e produtor. Nascido em 31 de janeiro de 1934, no Rio de Janeiro, descobriu cedo o interesse pelas artes, participando e criando diversos movimentos e grupos de teatro, como o Grupo Opinião e o Grupo Poronga. Algumas de suas peças mais conhecidas são Mural Mulher (1979) e O Último Carro (1976), sua obra mais consagrada. João também não era de um lugar só, foi para o Acre em 1980 e na década seguinte muda-se para Belo Horizonte, onde faleceu no ano de 2018.

Em 2017 doou seu acervo pessoal para a Biblioteca Central da UFMG. São cerca de oito mil itens, incluindo fotografias, textos e cartazes das peças, recortes de jornais, seu mapa astral, entre outros. Este texto será, então, também uma espécie de relato sobre a percepção que tivemos acerca de João das Neves e sua trajetória através de uma bibliografia pesquisada e da lida com seu acervo para a realização da exposição “Confluências: A Vida de João das Neves”, do curso de Museologia da UFMG em 2020.

Ana Maria Camargo, em um de seus textos, fala sobre a importância de tratar arquivos de pessoas como outras tipologias de arquivos, ou seja, sendo usado como instrumento de pesquisa mas sempre se lembrando de seu contexto. Procuramos fazer isso em nosso trabalho para a exposição e o que ficou bastante perceptível é que a vida de João é marcada por arte e resistência, não apenas à ditadura, mas contra qualquer maneira de opressão aos grupos marginalizados pela sociedade. Como Roberta Carbone fala em sua dissertação, João sempre teve o olhar voltado às urgências do seu momento histórico.

No artigo “João das Neves e seu arquivo”, de José Francisco Guelfi, Marta Melgaço e Verona Segantini, podemos perceber como a documentação do acervo de João serviu para entender muitos aspectos artísticos, principalmente na época turbulenta em questão, e então fazer um diálogo com as questões museológicas. A museologia é justamente isso: não só tratar do arquivo e do documento em si, mas sim entender a história por trás daquilo, investigando os diversos fatores que levaram à sua preservação e como aquilo pode contribuir para uma interpretação interdisciplinar.

Uma importante figura do teatro brasileiro, João das Neves conseguiu ao longo de sua carreira conectar pessoas em todos os lugares por onde passou, montando oficinas de formação, criando concursos de textos para o teatro, e como homem do teatro que era, aceitando convites para fazer teatro em diferentes lugares do país. Pelo seu acervo podemos inferir sobre contextos sociais pontuais ou ampliar para um alcance maior como a luta contra a opressão de várias formas. Com a crença em um mundo mais igualitário e com a dimensão do que ele queria mostrar, buscava romper, com a perspectiva elitista de que teatro é para poucos, abrindo ao público os ensaios e as leituras de textos dos espetáculos. Ao mesmo tempo em que era um escritor forjando personagens, tinha de ser também um gestor cultural. Enfrentou a repressão nos palcos junto com outros artistas e nos bastidores com o iminente fechamento do Teatro Opinião, que ficou sob sua direção e que demonstra as dificuldades impostas pelas esferas públicas para minar o setor cultural com a eterna falta de investimentos.

         No texto Arte engajada de João das Neves, Luciana Mitkiewicz (que atuou ao lado de João) cita essa capacidade de recriação e envolvimento do teatrólogo com movimentos LGBTQI+, negro, indígena e de outras minorias. O texto discute sobre duas peças específicas que ela se envolveu ao lado de João e que demonstram como o trabalho deste era crítico. A primeira é Cassandra, obra que evoca a voracidade extrativista, e a segunda obra é Bonecas Quebradas, feita 2 anos antes da morte de João e que retrata a violência contra a mulher de forma extremamente impactante. Mitkiewicz coloca também um questionamento de João sobre “O que pode a arte?”, dando a entender que o dramaturgo faleceu com esse questionamento. Com seu artigo, nos foi revelado uma reflexão pessoal que não poderíamos perceber em documentos públicos de João, apenas em seus documentos pessoais tratados neste texto. 

Arquivos pessoais são mais que registros bibliográficos, através deles é possível entender nossa história e nossa memória. São capazes de nos revelar contextos sociais, territoriais, temporais e culturais sobre determinado assunto ou pessoa e isso ficou claro para nós durante o trabalho com o acervo de João das Neves. Este nos inspirou a realizar uma exposição e, temos certeza, pode inspirar muitas ideias mais.

Sugestões de links com vídeos de entrevistas com João das Neves, trechos de alguns de seus espetáculos e homenagens:

Registro do encontro de professores e estudantes da UFMG com João das Neves, em 26 de junho de 2018.

https://www.youtube.com/watch?v=vO0VGdNEa0g Chamada de apresentação do espetáculo “Besouro Cordão de Ouro”, de 2006, encenada com o Grupo dos Dez.

https://www.youtube.com/watch?v=PSgAK9dlPws Trecho do espetáculo “Besouro Cordão de Ouro”, de 2006, encenada com o Grupo dos Dez, no CCBB em Belo Horizonte.

https://globoplay.globo.com/v/5782488/ Entrevista de João das Neves em 09 de abril de 2017 ao programa Globo Horizonte, da Globo Minas.

https://youtu.be/EirInJHhCKA Homenagem feita a João das Neves em 27 de novembro de 2018 pela UFMG.

https://www.youtube.com/watch?v=TAP0BtAVJ6U Programa Agenda, da Rede Minas, em homenagem póstuma a João das Neves, exibido em 31 de agosto de 2018 - Parte 1.

https://www.youtube.com/watch?v=C4e2bskj6l8 Programa Agenda, da Rede Minas, em homenagem póstuma a João das Neves, exibido em 31 de agosto de 2018 - Parte 2.

https://www.youtube.com/watch?v=_GGaApHULD8 Programa Harmonia, da Rede Minas, sobre o festival VAC - Verão Arte Contemporânea - que homenageia João das Neves, exibido em 14 de abril de 2019.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, p. 27-39, 2009.

CAMPOS, José Francisco Guelfi; NEVES, Marta Elisa Melgaço; SEGANTINI, Verona Campos. “Joãos”: João das Neves e seu arquivo. João das Neves: Cena, Ação e Sociedade, Pitágoras 500, Campinas, SP, v. 9, n.2, [17], p. 135 - 152, jul. - dez. 2019.

CARBONE, Roberta. O trabalho crítico de João das Neves no jornal Novos Rumos em 1960: perspectivas sobre a construção de um fazer teatral épico-dialético no Brasil. 2014. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 89-104, 1998.

MITKIEWICZ, Luciana. Arte engajada de João das Neves: o artista-txai e suas metáforas da coletividade. João das Neves: Cena, Ação e Sociedade, Pitágoras 500, Campinas, SP, v. 9, n.2, [17], p. 135 - 152, jul. - dez. 2019.

 

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