sexta-feira, 24 de maio de 2019

Série Patrimônio e Música (1) Música sob a perspectiva da cultura material

Música sob a perspectiva da cultura material: de Bob Dylan ao Clube da Esquina


Por Augusto Fidencio, bolsista IC FAPEMIG

A cultura material se refere à nossa forma de lidar culturalmente com o mundo físico que nos cerca. Quando falamos em cultura material, imagina-se estarmos nos referindo a objetos, coleções, enfim, a “coisas”, mas como apontarei nos exemplos a seguir, e já foi percebido por pensadoras como Susan Pearce, tal conceito vai além disso.

Nossa relação com a música é um exemplo de que a imaterialidade é indissociável da cultura material. Em 1963, Bob Dylan se apresentou no Newport Folk Fest com apenas sua voz, um violão e uma harmônica (gaita de boca). Este foi um show muito importante em sua carreira, e o público o reconheceu como representante da ressurreição do folk americano. No festival de 1965, Bob decidiu algo diferente, e subiu no palco com uma guitarra elétrica modelo Stratocaster Sunburst, da Fender. Houve um retorno negativo imediato. Alguns diziam ter Dylan se vendido ao som mais popular na época, o crescente rock’n’roll, enquanto outros que o som da guitarra elétrica era desagradável. Houve o sentimento coletivo que o ídolo havia virado as costas ao seu público.




A mesma coisa aconteceu com os mineiros do Clube da Esquina. Milton Nascimento, já conhecido por suas interpretações de estilos regionais e populares, foi questionado quando os primeiros trabalhos junto com Lô Borges e Beto Guedes (e outros) chegaram aos palcos e às lojas*. Os músicos do Clube da Esquina começaram suas atividades também na década de 1960, e quando o álbum Clube da Esquina veio à tona em 1972, haviam influências diversas de jazz, rock, MPB, psicodélico, e era marcante a presença de instrumentos elétricos.

Como é possível pensar em nossa relação com a música sem ter em mente o impacto que a mudança de instrumentos tem nos fãs? A mudança de instrumentos trouxe o medo de uma mudança na identidade dos artistas. Os objetos servem como o intermédio do homem com a realidade, mas também consigo mesmo, com seus valores e maneiras de dar sentido à experiência.


* O primeiro trabalho em que isto se evidencia é o LP Milton, de 1970 [ouça] [Nota do Editor, LHAG]

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