domingo, 18 de agosto de 2013

Geração fast paper


Acabo de ler esse texto do Rogério Proença Leite, professor da UFS e autor de "Contra-usos da cidade", livro com o qual trabalhei no último semestre na optativa "Patrimônio urbano e música popular". É o que venho falando também, e agora vejo que surgem mais e mais vozes, com pronunciamentos consistentes e críticos. Ao menos isso, fica a sensação de que esse modelo está cada vez mais indigesto e que alguém mais está se opondo a ele. É para ler e refletir, mesmo:

"Pequena crônica de uma morte acadêmica anunciada.

Na Academia, como na vida: os bons se vão, os novos chegam e arrebentam; os velhos, envelhecem. Assim é, se lhe parece!

A questão é: como chegam e quem são os novos que estão aportando afoitos com a expansão do REUNI na Academia brasileira ? Uma geração criada à base da pressão do Lattes, na qual produzir foi, graças às ciências (in)exatas, equivocadamente traduzido como “engordar currículo a qualquer modo”, mesmo que seja às custas de uma curiosa cultura muito promíscua da dádiva: eu ponho o meu no teu e tu põe o teu no meu, e assim aumentamos nossa produção.

Estou falando obviamente do troca-troca de nomes em artigos e papers, feito hoje abertamente sem nenhum pudor. Filhos de outro “padrão” de intelectualidade, criados pelos critérios quantitativos de produtividade, estes “novos” – salvas raríssimas exceções – estão a “bombar” seus currículos com incríveis (e inúteis) artigos e papers, sem nenhuma ou baixíssima repercussão nas suas respectivas áreas.

Alguns “velhos” professores, insurrectos por estarem sendo superados tão rapidamente pelos novíssimos pseudo-intelectuais da geração fast-papers, estão a ceder à sedução passiva da apropriação indevida do artigo alheio, mediante uma fraude que virou coisa banal e corriqueira na Universidade brasileira: cada artigo de um orientando, leva o nome do orientador. Some-se a isso o trem-da-alegria da “swing science” entre pesquisadores, o resultado é gente com inacreditáveis 15 artigos por ano ou mais!! Isso na área das Ciências Humanas é mais do que um índice olímpico: nem um semi-deus faz mais um artigo por mês, a menos que, de fato, esteja sob a bênção do milagre da multiplicação dos papers. E está. Agora, se deixar a existe a produção autoral neste contexto, como vamos saber de fato quem escreveu o quê ? Isso em algumas áreas já é fato consumado.

Um conhecido meu que fazia mestrado em cirurgia Bucomaxilofacial numa conceituada Faculdade pernambucana me revelou ser obrigado a incluir o nome do Diretor da faculdade na lista já sobrecarregada de mais de 12 “co-autores”, sob pena de não publicar o artigo! O referido diretor ostentava inacreditáveis 400 artigos em seu Lattes!!
Eu, pobre mortal, mas agora definitivamente esperançoso da vida eterna para cumprir minha missão, precisaria reencarnar umas 10 vezes para realizar tal façanha.

Finalmente: o que tenho eu a ver com isso ?
Nada, absoltamente nada. Nada mesmo. Não comungo dessa prática, não a faço. Simples assim. Descobri que sou um velho, antes de envelhecer, pois a conduta Acadêmica na qual me espelhei foi a dos antigos: aqueles que vêem a sociologia como artesanato intelectual. Gente que não tem currículo grande, tem grande currículo. Que tem obra, não coleção de papers de rasa inflexão e coleção de artigos fraudulentos. Para concluir este desabafo, descobri que alem de “velho”, vou ser facilmente “ultrapassado” na pesagem curricular. Pois a cada dia vejo menos sentido em apresentar paper em 7 minutos (com 3 para debater) num GT de congresso lotado de gente desinteressada no bom debate e a apresentar trabalhos risíveis em co-autoria de 3 a 5 colegas; também não publico em co-autoria com 4, 5 ou mais colegas “autores”, portanto, minha produção sempre será menor do que qualquer colega (neófito ou não), mais disposto à hercúlea atividade da promiscuidade curricular.

Realmente a coisa está séria. Sinto-me comprimido entre a mediocridade dos que nada produzem (e como ainda são muitos também!) e a esperteza dos que estão a bater recordes de produção medíocre. Vivo hoje na Academia a me agarrar nas exceções, buscando sempre me aproximar dos colegas (geralmente mais velhos do que eu) que verdadeiramente estão ainda a produzir conhecimento de forma honesta e conseqüente, e estou tentando ser – talvez ainda muito de modo ingênuo – uma dessas exceções. Enfim, estou a repensar minha “carreira” acadêmica, mesmo que já saiba que, parafraseando F. Jameson: a lógica acadêmica do “capitalismo tardio” tarda, mas não falha. Ou seja: a academia brasileira vive hoje o ápice do seu desencantamento do mundo. E a gaiola de ferro (ou crosta de aço, como queria Perruci) está aberta. Eu me recuso a entrar nela: não quero ser prisioneiro de um ethos cuja maior característica é a racionalidade instrumental para pontuar currículo, ao invés de fazer boa ciência.

A propósito, estou há mais de 4 anos pesquisando duramente (inclusive em cidades fora do Brasil) para escrever um novo livro autoral, que deve ser o segundo volume de uma trilogia que começou com o “Contra-usos da Cidade” (Unicamp, 2004). Quando vou terminar ? .....não tenho a menor idéia. Talvez, em 2015, quem sabe". Rogério P. Leite
 
 

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