quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Os museus vão às ruas

Inspirado no  projeto “Grand Tour” da National Gallery de Londres, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) de Lisboa realizou a a exposição "Coming Out — e se o museu saísse à rua?" [matéria completa] .  Sou desde sempre um entusiasta das ações extra-muros, em especial do que denomino intervenções museais, assim definadas por mim em trabalho apresentado em 2009:

"Não é possível catalogar a cidade. A idéia de uma intervenção museal coloca a história em seu lugar, na cidade, apostando numa ferramenta que desloca recursos de expressão próprios do museu para o espaço urbano, sem, contudo, pretender que o primeiro abarque o segundo."

Propor esse tipo de ação depende de uma concepção de cidade que considera que:



“(...) o espaço urbano, ao ser construído e disputado, é atravessado por múltiplas temporalidades, modos de apropriação e usos sociais diversificados, e, muitas vezes, conflitantes. (...) Deste ponto de vista, tornou-se fundamental para o museu contemplar a diversidade dos documentos e das representações socialmente engendradas sobre a cidade e sua história, bem como democratizar a definição do acervo a ser adquirido, considerando os vários atores sociais que delas participam.”



Por isso...

"Para perceber e dar voz a diversos atores, até então silenciados, esquecidos, a dimensões da experiência urbana até então negligenciadas, era indispensável ir à cidade, e, mais ainda, não esperar que “ela” fosse ao museu. (...) Nesse sentido, se o museu, em seu lugar tradicional, representa para grande parte do público uma espécie de “templo” ou “castelo” inexpugnável ou inacessível, o expositor posicionado na rua permite uma apropriação cotidiana, menos contemplativa e sacralizadora. (...) Assim concebidas, as intervenções museais dialogam com o próprio espaço urbano em que são instaladas, possibilitando a reflexão sobre os significados atribuídos e ações protagonizadas, de modo a articular a produção de memória e sentido às práticas e relações dos grupos sociais no contexto da cidade. "

Para quem se interessar e quiser conhecer com mais detalhes estes trabalhos realizados à frente do setor de pesquisa do Museu Histórico Abílio Barreto, em Belo Horizonte (MG), indico:

O lugar da História: intervenções museais no espaço urbano em Belo Horizonte.  VII Semana dos Museus USP, 2009, São Paulo. VII Semana dos Museus, 2009. 

Intervenção museal no espaço urbano: história, cultura e cidadania no Parque "Lagoa do Nado" História (São Paulo. Online) , v. 32, p. 87-104, 2013. 

 

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P.S. Quadros roubados da exposição nas ruas.

Estou absolutamente impressionado com a postura preparada e inteligente do diretor do MNAA de Lisboa. Ele informa que a possibilidade das réplicas colocadas nas ruas serem roubadas era prevista, e além de tudo responde de forma a aumentar a problematização, sem cair em lugares comuns tão típicos. Confira abaixo um trecho da entrevista ao Expresso:

O diretor do museu sublinha ainda a qualidade do trabalho do “bandido sofisticado” que levou as réplicas: “Não há destruição, levaram-nos os suportes e tudo. Foi um trabalho absolutamente limpo. Parece aquelas aventuras do bandido sofisticado que passa e leva dois quadros”. Mas o que leva alguém a levar um destes quadros? “Eu acho que levam porque gostam dele. Se furtam algo para seu próprio consumo é porque gostam”, justificou António Filipe Pimentel. Tal como alguém que rouba um livro - embora “não seja algo ético, nasce da vontade de o ler”. No entanto, é tirado às outras pessoas a possibilidade de usufruir do que foi roubado.“É um ato egoísta, mas não deixa de ser um ato de amor”, refere o diretor do MNAA.

[completo, aqui]

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Um museu para não esquecer o Terror

Matéria publicada na RHBN [completa] tratando do Museu do Terror [site oficial], em Budapeste. O texto da historiadora e pesquisadora do IBRAM Eneida Quadros Queiroz reflete sobre as contradições entre rememorar os efeitos do autoritarismo de outros tempos e as experiências políticas do presente. Um trecho:

"Um prédio, imponente como quase tudo em Budapeste, localizado numa das ruas mais famosas da cidade, foi sede do partido fascista húngaro durante a Segunda Guerra (o Cruz de Flechas), que lá torturou e matou inúmeras pessoas. Quando os soviéticos liberaram a cidade e tomaram o prédio, encontraram ali dentro todo um aparato para “interrogatórios” (leia-se torturas), encarceramento cruel e assassinatos já montado. Como a polícia soviética também faziam uso dessas práticas, acharam excelente instalar sua sede ali mesmo. Dessa forma, por mais que pareça difícil acreditar, esse prédio foi a sede tanto do partido fascista quanto da polícia soviética."



Finalmente, conclui provocativamente: 

"Um dia, com vergonha, Budapeste e demais capitais europeias talvez ergam mais um museu ou monumento aos sírios. É bonito, mas não ajuda ninguém."

Falávamos hoje na aula de Tipologia de Museus sobre a ideia do museu como asilo das perspectivas estáveis, do passado canônico, da arte consagrada, da ciência edificante. Ainda que agora tenhamos museus para expor as mazelas da civilização, será mesmo que estaremos condenados a vê-los como formas de expiação, mecanismos compensatórios erguidos a posteriori porque não estão prontos a intervir no momento de perigo, na hora em que a democracia e os direitos estão sob ameaça?

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

The Beat Goes On



Enquanto preparava meu texto para o II SEBRAMUS, a ser realizado no Recife em Novembro, encontrei muito material interessante sobre a música popular como tema de exposições. A exposição “The Beat Goes On”, foi realizada no World Museum, em Liverpool, entre julho de 2008 e novembro de 2009. A exposição aborda o patrimônio musical da região do Merseyside, através de coleções pertencentes a gravadoras, instituições e colecionadores privados.  Tendo como foco principal o chamado Merseybeat, “a exposição traz uma abordagem temática, explorando aspectos das cenas musicais do Merseyside e destacando os processos criativos por trás do fazer musical. Ela olha para os diferentes atores, sejam grandes ou pequenos, que tiveram um papel na criação dos sons de Liverpool e ajudaram a espalhar sua música ao redor do mundo”, segundo a curadora Marion Leonard.
A página inicial remete a todo material produzido [aqui].  É possível explorar diferentes materiais e recortes temáticos. Ainda não os explorei detalhadamente.
Uma das iniciativas interessantes foi a digital jukebox.  Foi feito um tipo de concurso online, disponibilizando mensalmente dez faixas de som de bandas atuais que eram votadas pelo público e as preferidas eram inseridas na jukebox de dentro da exposição, lado a lado com a coleção de gravações que ela já continha. Foi publicado um livro [dá pra ver alguma coisa no Google books].

 World Museu, Liverpool. Jun. 2015. Foto: Luiz H. Garcia




Necromuseologia? O turismo da desolação

Impossível ficar incólume à constatação de que o mercado se apropria de toda forma de tragédia e que as pessoas se dispõe a explorar o sofrimento dos outros, e ainda outras se dispõe a consumi-lo. O profissional de museologia desse século precisa ser capaz de participar ativamente desse debate, manter os compromissos éticos e promover a reflexão crítica sobre um fenômeno como esse. É preciso saber onde está o limite entre o trabalho de memória que se propõe a ampliar nossa compreensão sobre a tragédia humana e negócio necrófilo que quer capitalizar sobre a desgraça alheia.


"(...) Fez da busca por uma resposta o projeto fotográfico que lhe consumiu seis anos de labuta (2008-14) e ao qual deu o título de Turismo da desolação. Ou, na versão em inglês, Eu estive aqui. O Les Rencontres de La Photographie, o prestigioso festival de Arles cuja edição de 2015 se encerra este mês, dedicou uma de suas 35 mostras a esse trabalho. O evento de dois meses de duração e que contou com um apaixonado público de 85 mil visitantes não poderia ter escolhido tema mais oportuno. E que estava maduro para ser retratado.
Antes de partir a campo para a longa empreitada, Tézenas foi procurar o professor J. J. Lennon na Universidade de Glasgow. Criador do termo dark tourism, ou turismo mórbido, que há uma década designa a indústria de roteiros sombrios, Lennon o orientou na elaboração de um protocolo rígido e coerente para o projeto.
 A ideia, explicou ao Le Monde, era mostrar como a História está sendo oferecida aos não especialistas. Explorar o hiato entre a gravidade dos fatos ocorridos e a realidade trivial da atividade turística. O confronto irreconciliável, num mesmo espaço, entre o horror testemunhado por quem ali morreu e o cotidiano corriqueiro dos vivos munidos de tablets, guarda-chuvas e lanchinhos. “E se, sob o pretexto da memória, não estamos simplesmente na presença de um mercado da barbárie?”, pergunta o autor na introdução de Turismo da desolação, publicado em 2014." Matéria completa em ZUM, aqui

Ambroise Tézenas, tour pelas ruínas deixadas por um terremoto na região de Wenchuan, província de Sichuan, China, da série “Eu estive aqui/Turismo da desolação”.