quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Enterre o saber na curva do rio

Compartilho aqui o oportuno artigo de Alex Moraes (antropólogo, doutorando no Instituto de Altos Estudios Sociales de Buenos Aires e membro da Rede de Antropologia Crítica), publicado em Outraspalavras. As discussões sobre produção do saber, divulgação e epistemologia caminham com mais firmeza na direção da crítica ao produtivismo acadêmico, e o texto levanta pontos importantes dentro deste debate. Como de costume, alguns trechos para instigar a leitura:


"(...) No caso das ciências sociais e humanas, o produtivismo amparado pelas avaliações da CAPES se materializa numa miríade de efeitos preocupantes, alguns deles inesperados. Não me refiro apenas à precarização do trabalho de professores e estudantes ou à perda de organicidade da produção intelectual decorrente da ênfase obsessiva na escrita de artigos e de apresentações para congressos. Talvez o aspecto mais assustador e menos criticado de uma avaliação da pós-graduação inspirada pela ideologia produtivista seja que ela ampara o epistemicídio. O epistemicídio – noção desenvolvida, entre outros, por Boaventura de Sousa Santos – consiste na eliminação ou inferiorização ativa de algumas formas de conhecimento em favor de outras, consideradas mais desejáveis no marco de uma dada estratégia de poder. (...)

As instituições encarregadas de produzir conhecimento humanístico manejam orçamentos que, sem serem os mais robustos do sistema universitário brasileiro, não podem, ainda assim, considerar-se insignificantes. Trata-se de orçamentos conformados com dinheiro público acumulado através da cobrança de impostos majoritariamente regressivos a populações empobrecidas. Estes recursos têm sido aplicados, frequentemente, no estímulo de uma dinâmica universitária tendente a afastar estudantes e professores da problematização dos dilemas reais suscitados pela vida democrática em nosso país. Na prática, os chamados “problemas de investigação” acabam sendo inventados nos corredores da academia – ou importados dos debates prestigiosos e “de ponta” do norte global – para serem “resolvidos” no “lado de fora empírico”, com as “pessoas comuns” e depois convertidos em digressões que atendem apenas à agenda editorial vigente no mercado das publicações acadêmicas.(...)

O que fazer num cenário em que a quase totalidade da produção de conhecimento promovida pelas ciências sociais e humanas encontra-se submetida a um estandarte geral de avaliação caracterizado pela (in)determinação quantitativa de toda a qualidade? Michael Eisen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, que reagiu positivamente às criticas levantadas por Randy Schekman nas vésperas da entrega do Nobel, sugere a criação de sistemas alternativos de legitimação das práticas intelectuais. Para ele, todos os cientistas deveriam “atacar o uso das publicações para avaliar os pesquisadores, fazendo-o sempre que possível quando contratarem cientistas para o seu próprio laboratório ou departamento, quando revisarem as solicitações de financiamento ou julgarem os candidatos para uma vaga” (ver matéria no El País:). Mais próximos de nós, os estudantes de mestrado em Antropologia Social da UFRGS, que paralisaram suas atividades acadêmicas na primavera de 2011 para questionar o produtivismo e as genealogias institucionais estabelecidas também oferecem uma alternativa: “paremos para pensar”. Esta, que foi a consigna da sua greve, nos alenta com a perspectiva de que a desestabilização da engrenagem produtivista é possível através da conformação de uma ética e de uma prática intelectual alternativa. Ao comentar a greve dos estudantes de Porto Alegre, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos concluiu o seguinte: “O vosso movimento (…) é parte dessa sociologia das emergências, porque é gente que está em busca de uma renovação epistemológica, política e o faz entre si, em pequenos grupos. Certamente os meios de comunicação não noticiaram, certamente não foi útil para o currículo deles ou para o programa de estudos deles, mas estão a emergir outras realidades” (entrevista completa na Tinta Crítica)."

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Hildebrand Gurlitt, “o comerciante do Führer”

Enquanto não estreia The Monuments Men, filme sobre a brigada especial dedicada a recuperar o patrimônio extraviado e surrupiado pelos nazistas durante a 2a. Guerra Mundial , vale conferir o site oficial da fita [link] e essa matéria interessantíssima do El País (versão em português) sobre Hildebrand Gurlitt, “o comerciante do Führer”. A matéria, assinada por Felix Bohr e Lothar Gorrisel, mostra um pouco das nebulosas atividades de negociantes de arte como este.Um pequeno trecho como aperitivo:


"Diziam que Gurlitt era um “colecionador de Hamburgo ligado às altas esferas nazistas. Atuava em nome de outras autoridades nazistas e fez muitas viagens à França, de onde levou a seu país coleções de arte. Há razões para pensar que essas coleções particulares eram formadas por obras roubadas de outros países”. Para os Monuments Men, Gurlitt era um “comerciante de arte do Führer”.
Entre as obras encontradas recentemente em um apartamento no bairro Schwabing, em Munique, há 380 pinturas retiradas dos museus por serem consideradas em 1937 como “arte degenerada”. A descoberta incluía outras 590 obras que o regime nazista e seus seguidores possivelmente arrebataram de proprietários judeus. O dono do apartamento é filho de Gurlitt, Cornelius, atual herdeiro da coleção, que no fim da guerra tinha 12 anos e vivia em Aschbach.
O governo alemão está estudando a origem de cada obra de arte. Com a origem das pinturas individuais ainda a ser esclarecida, um grupo de trabalho nomeado pelo governo alemão está investigando a história de cada uma das obras. A tarefa será longa. Uma pesquisa jornalística realizada em locais como os arquivos do Ministério de Assuntos Exteriores francês e Museu Nacional de Breslau, na Polônia, revela o considerável alcance do tráfego de Gurlitt com a arte roubada e suas práticas cruéis.
Os monuments men interrogaram Hildebrand em Aschbach em junho de 1945. Estava “extremamente nervoso”; não parecia dizer a verdade. Foi, então, quando Gurlitt criou uma nova identidade: a de vítima dos nazistas, a de um homem que havia salvado valiosas obras de arte da destruição e que jamais havia feito mal a alguém. Nem tudo o que contou aos norte-americanos era mentira. Ele ressaltou que os nazistas o haviam considerado “mestiço” por causa de sua avó judia. Também disse que, depois de 1933, havia temido por sua vida, o que o levou a colaborar. Durante um interrogatório de três dias, Gurlitt declarou que, ao ser o que chamavam de “um quarto judeu”, havia o risco de que o recrutassem para fazer trabalhos forçados na Organização Todt, um grupo civil e militar de engenharia do Terceiro Reich. Gurlitt também afirmou: “Tive que escolher entre a guerra e o trabalho para os museus. Nunca comprei uma pintura que não me oferecessem voluntariamente”."